A regra é o desencontro  



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(Ilustração: Uli Batista)

 

I

Mais um desamor é covardia.

 

Mais uma vez, buscar,

em todas as vísceras,

força para a indiferença

e tentar me convencer

de que perdi os sentimentos.

 

Mas me pergunto, à queima-roupa,

se serei bem-sucedido em desdenhar

desejos que não cabem mais.

Se conseguirei atingir

jurisprudência longe do toque,

dos braços, mãos, pele e boca

e se desenterrarei da memória

nosso gosto embaralhado,

antes de nos depararmos

com bagagens sisudas do coração.

 

Busco estatutos que condenem à morte

sentimentos que destrato.

Legislações, juízes, processos e sindicâncias

que sublimem ternura, apego e empatia.

Leis que vejam corpos distanciados

como mera física mecânica

e que reduzam à poeira

o que trovadores e filósofos

inventaram de idolatrar.

 

Sem sucesso.

Ainda conspiro para termos as graças um do outro

e reinvento nossos corpos sobrepostos,

leves como o pano que abre o ato.

Ainda recalculo rotas que me segredem

a esquina em que me desencontrei de você.

Porque nada disso teria sido escrito,

se não me tivesse descasado dos passos seus.

 

II

A regra é o desencontro;

o encontro, esse desalinho,

teima em desafiar

a norma do desamor.

O costume é não falar,

não expressar.

É seguir em descompasso,

corpos e mentes sob falha,

sob a tese constante

de que tentar é pior do que se conformar.

 

Se déssemos tempo para o vinho encorpar,

se sugássemos da confluência todas as gotas,

não haveria tanta batalha,

não haveria tanta diferença,

não haveria tanta colisão.

Mesmo na separação,

seguiríamos menos vacilantes e impenetráveis,

antipáticos a batalhas campais entre dar e receber,

a cobranças – com juros de cheque especial –,

por afeto e empatia.

Deixaríamos o tempo soterrar

os rastros feios do coração

e deixaríamos de nos tatear

com braços frouxos e preguiçosos.

 

Como nossas dores não saem nos jornais,

supomos sempre que encontros nasçam quadrados,

com beijos moles esvaindo-se pelo vazio da cela.

Os prós somem, os contras aparecem,

a carne emudece e tudo impede.

A valentia e suas energias súbitas

extinguem-se pelo mar dos presídios ilhados.

 

Por mais que remendemos sonetos,

e por mais que maldigamos injustos desfechos,

o desencontro é sempre a regra

e folheamos, agoniados, por notas de rodapé

que enumerem laudas e laudas de exceções.

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Tuca Silveira é poeta e compositor carioca. Apaixonado pelos modernistas e por Machado de Assis, tem epifanias poéticas intermitentes – o que nem sempre serve para alguma coisa –, diálogos entusiasmados com sua cachorrinha e alguns poemas publicados. Vive entocado como engenheiro nas horas vagas.


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