A arte de completar vinte anos



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João Ernesto

João olhou o calendário e se assustou após notar como o tempo passava rápido. Sentiu o peso de duas décadas no fígado e no olhar cansado. Correu até a cozinha, juntou trigo, ovo, açúcar e margarina numa vasilha, bateu desajeitadamente até criar um calo num dos dedos. Untou uma fôrma e acendeu o forno. Preparou um bolo com tanta ânsia que esqueceu da irrelevância da data. Sentado, esperava o longo processo de preparo. Aguardava o momento em que completaria 20 anos desde os 7 e agora tinha nas mãos a oportunidade da sua vida de provar que ela valia a pena, essa vida tão vazia que ele levava.

Conseguiu uns trocados com o pai e comprou refrigerantes e pasteizinhos. Arrumou a casa e esperou como um aposentado sentado na sua cadeira de vime. Bolo pronto, refrigerantes gelados à mesa (e ele até se arriscou em roubar umas cervejas do pai). Esperou como um magnata espera o resultado do seu investimento. O telefone tocou e ele correu. Não era ninguém do seu interesse, se irritava com seu irmão apenas pelo fato dele conhecer pessoas inconvenientes. João esperou como um monge preso a sua calma, encolhido na sua causa de ter um dia bom. Esperou com seus gestos impacientes, mexia a toalha da mesa, abria uma latinha de cerveja só pra ouvir o “tsss” característico. Secava o suor da mão e assoviava uma canção sem sentido. Esperava como quem espera a felicidade e o telefone tocou. Era uma voz demasiadamente doce que fez João se colorir de sorrisos e brilho no olhar. Ele desligou o telefone após o “parabéns” do outro lado da linha, e ele dava tanta ênfase ao seu latejar de pulso que sorriu bem alto.

Olhou a janela e a rua estava vazia e mal iluminada, devia ser bem tarde pensou João, mas que pra ele mal importava horário e os costumes das pessoas. Saiu de casa porque sentiu vontade de urinar no meio da rua, e o fez com um sorriso sereno, quase infantil. Olhou o céu e uma lua tímida. Se deu conta de que viver extrapola os vinte anos e que, se ele vive é porque há um sentido, sabe lá onde, pra tal fato. Via-se uma criança em seu sorriso e nem se importava em estar sozinho, João era como ele mesmo dizia: calmo e só. Em nenhum momento alguém se atreveu a decifrá-lo, ele era só, tal qual suas vontades, que não possuíam ligação entre si.

Na rua só o som do apito preguiçoso do vigia do bairro, “deve ser bem tarde” pensou mais uma vez João, pra ele o relógio era o de menos, a festa de sua vida ia começar.

João Ernesto acredita que as reticências ainda querem dizer muita coisa…


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