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*Colaboraram Adriana Santos, Graziela Shoshondra, Tatisa Alves e Weslley Bezerra
Quem diria que em meio à pandemia a arte da fotografia resistiria às dificuldades trazidas pela COVID-19 e compartilharia olhares diversos acerca da vida em meio ao isolamento social.
Para nos contar como ocorreu esse processo no concurso cultural “Retratando a pandemia” realizado pela “Rastilho Espaço Criativo” em 2020, batemos um papo rico e cultural com o professor e fotógrafo Thiago Braga. Um diálogo que nos leva a um mergulho na história da fotografia e suas nuances; nos conduzindo a entender como as relações sociais (no caso do professor foi sua esposa Natália Maia – Mestra e graduada em Ciências Sociais) são capazes de nos impulsionar a “sair da caverna” e irmos em busca de uma nova concepção de vida.
Uma rede de imagens foi tecida; conectada a saberes da comunicação, educação e fotografia, incluindo temas a respeito de gênero, classe, raça e espiritualidade. Percebeu? Nessa conversa coube todo mundo! Podemos destacar também que a fotografia contribuiu para a reinvenção do cotidiano, trazendo um olhar diferente para esse novo normal vivenciado em sociedade.
Assim como a voz e os textos, a fotografia nos diz muito e revela as alegrias, os medos e as tristezas em dias de agonia. Todavia, utilizada de forma errônea, por exemplo, para fake news, podem causar prejuízos catastróficos. Desse modo é necessário sabermos como interpretá-la e utilizá-la de forma crítica para de fato enxergarmos além dos próprios olhos.
Assim, esse novo tempo é desafiador e a arte de quem faz fotografia, como o professor e fotógrafo Thiago Braga, será uma grande “tela” a nos convidar a reviver e sentir os registros das transformações sociais durante os anos de “I Can’t breathe” – Eu não consigo respirar”.
Para aqueles que ainda não conhecem o professor e fotógrafo Thiago Braga, conte-nos um pouco sobre sua trajetória e por quais razões enveredou na arte da fotografia?
Pronto, vamos lá, então. É, eu sempre gostei de ensinar, sabe, desde pequeno assim, eu sou o mais velho de três irmãos, então eu sempre fui o cara que tinha que ensinar pros outros. Eu sempre gostei de fazer isso, mas eu não fui um bom aluno, na escola. E eu acho que depois que eu saí de lá eu comecei a ir atrás de o que me faltava. Que me faltou muita coisa em relação a questionamentos gerais de coisas; de temáticas maiores, sabe? E eu via que, o que se falava na escola eram fórmulas, e coisas que não me atingiam e então desde cedo eu quis fazer filosofia, desde cedo, mas isso pros meus pais foi muito chocante né?
Filosofia, ainda mais… todo pai quer o melhor pro filho, uma carreira que tenha uma resposta financeira mais rápida, mas eu sempre quis. Claro que eu demorei um tempo pra eles assimilarem, então eu fiz arquitetura e não passei, fiz engenharia química e não passei… mas eles sabiam que eu sempre queria filosofia, e um dia eles falaram… “faça!” E eu “beleza”!
Quando eu fiz eu passei logo direto; foi sempre o que eu quis e me dei muito bem lá dentro porque era o que eu sempre queria. Mas, paralelamente a isso, meu pai, durante um tempo na vida dele, ele foi fotógrafo, ele deixou de ser, ele vendeu a câmera; e perdeu o tesão pela fotografia.
Mas ele colecionou mais de 40 mil fotos, da gente (meu e dos meus irmãos); e aí eu sempre tive contato com essa questão da fotografia. De caixas e caixas e caixas. Imagina 40 mil. Caixas e caixas e caixas e várias caixas de imagem. Então, eu sempre tive contato direto com a imagem, eu sempre tive contato direto com a nossa memória. É tanto que a gente lá em casa tem uma memória excelente, não por outros motivos, mas porque tudo isso foi registrado.
Todo esse registro da nossa história foi feito, então, a fotografia entrou primeiro como uma questão discursiva, conceitual, relativa mais à memória do que relativa mesmo ao processo de criação artístico. Mas, quando eu entrei na faculdade, eu vi que eu tinha que ganhar dinheiro paralelamente, rápido e de alguma forma. E aí eu já tinha o inglês e aí eu pensei “eu acho que uma forma boa de eu me preparar pro meu futuro é fazer uma outra língua” e comecei a fazer espanhol.
Até então fotografia era hobbie, nada mais que isso. E aí eu comecei a entrar mesmo na prática do hobby; e comecei a entrar no espanhol, terminei o espanhol junto com a faculdade e comecei a dar aula de espanhol. Passei 8 anos dando aula de espanhol. Até hoje em dia durante a manhã e a tarde eu sou professor de espanhol; durante a noite que é o horário que eu dou aula no Cuca e em outros cursos, como no Museu, no Rastilho. O Cuca, o Museu e o Rastilho são os cantos que eu dou aula.
E aí eu vi que depois de 8 anos eu conheci a minha esposa. Conheci minha esposa em 2010. Eu sempre disse pra ela que queria trabalhar com arte, porque na filosofia eu tinha uma cadeira de Filosofia da Arte, tinha feito Estética 1 e 2 e tinha gostado muito desse tema e tinha até tentado fundar um núcleo de estudo em arte lá no Centro de Humanidades da UECE, que não tinha dado certo. E aí eu comecei, nesse tempo, quando conheci minha esposa. Cheguei pra ela e falei que sempre tive um sonho de fazer fotografia e ela falou, “por que tu não faz?” Aí sabe esses estalos que mudam a sua vida? Não sei se foi a crise dos 30 anos, não sei. E eu “realmente por que eu não faço?” Aí tentei na casa amarela e fiz!
Desde então eu fiz curso atrás de curso, curso atrás de curso, curso atrás de curso e fui melhorando a minha parte técnica da fotografia. Até que eu cheguei a um ponto que eu tava gostando da minha parte técnica, mas as minhas fotos, sabe? Elas não se comunicavam, eram fotos que eram só legais, só estéticas, mas eu não queria trabalhar como fotógrafo. Eu queria trabalhar com a fotografia, mas não como fotógrafo, porque acima de tudo eu sou educador.
Eu quis filosofia; eu quis dar aula, porque eu quis tirar as pessoas do comum, fazer as pessoas pensarem, fazer as pessoas refletirem sobre o seu real e aí eu perguntei a mim mesmo, porque eu não uso a fotografia como meio? Meio de questionamento. Tem um teórico chamado Vilém Flusser, que fala que a fotografia é a filosofia da atualidade. E eu, “nossa senhora era tudo que eu queria”!
E aí, eu tinha feito minha monografia atrelado à fotografia né? Se você colocar aí no Google, você consegue ler, se chama “As sombras, a máquina e o fotógrafo”. E aí eu fiz uma interconexão entre o realismo e a quebra de paradigmas na fotografia e o Mito da Caverna de Platão.
É quando as pessoas achavam que estavam diante do real, e na verdade elas estavam diante das sombras e elas precisavam se esforçar e quebrar os grilhões pra sair e ir em direção à luz.
Um pouco sobre a fotografia que as pessoas acreditam que basicamente a fotografia é o real, a fotografia não é mentira; acreditam piamente nela. Mas é preciso a gente acordar dessa realidade e ver que a fotografia pode ser um meio também de contar uma história ideologicamente diferente, esteticamente diferente, politicamente diferente. Eu trabalho com alguns exemplos.
E aí em 2014 eu entrei no mestrado da UFC. E lá no mestrado da UFC tem uma linha de pesquisa em fotografia; então, eu conhecia já o trabalho do Henri Cartier-Bresson, fotógrafo francês, fotojornalista. Que ele me questionou esse papel de entrelaçar exatamente o que eu tava procurando, né? Entrelaçar a técnica que eu havia aprendido ao longo do tempo, mas eu também queria entrelaçar a teoria que eu tinha aprendido. E tem um livro primordial dele chamado “O instante decisivo” que é exatamente isso. Que fala desse momento único da fotografia; em que se a pessoa não fotografar exatamente naquele momento, temporalmente, espacialmente, a fotografia não era mais a mesma. E isso me cativou bastante porque era tudo que eu queria. Passar esse conhecimento adiante e aí eu fiz o mestrado. Acabei em 2016, e a partir de então comecei a dar aula em vários cantos da cidade. O Porto Iracema das Artes, isso você já sabe, mas o que mais me alegra e me felicita hoje em dia, é que eu consigo atingir públicos completamente diferentes, né? IDH´s completamente diferentes. Enquanto na Barra do Ceará, onde dou aula no Cuca, eles têm o pior IDH de Fortaleza; no Museu da Fotografia, se tem o melhor IDH de Fortaleza; então, eu consigo atingir tanto a aristocracia quando a periferia.
E isso pra mim é muito bom, porque eu levo a fotografia pra toda a cidade, não importa geograficamente onde eu tô levando, mas importa o quanto eu tô levando. Isso me faz muito feliz, isso me traz um papel de educador que tá funcionando bastante. Algo até que possa ajudar na pesquisa de vocês é um vídeo que tem meu, chamado “Eu educador” no Museu da Fotografia. São 17 minutos, eu falando um pouco sobre o meu trajeto e um pouco do que já fiz.
Compartilhe conosco. Atualmente, quais projetos e trabalhos vêm executando?
No momento a gente segue com os cursos na Rede Cuca. Que são cursos mensais e temáticos abertos… a primeira terça-feira do mês, então, é uma constante lá no Cuca. No Museu da Fotografia, em tempos de pandemia, a gente tá sem cursos, e no Rastilho, os cursos são constantes, mensais e lá tem curso de iniciação, intermediário e avançado.
E também mensalmente a gente tem o curso de prática e leitura comigo; onde a gente propõe práticas externas. Esse mês especificamente por causa da pandemia vai ser online, não vai ter essa prática externa. A gente criou esse curso em abril do ano passado, tivemos 3 versões dele online e todas as outras versões foram presenciais até o mês passado. E outros planos em relação à fotografia, são mais esses. Depois da pandemia também a gente vai ter um curso extensivo, lá no Cuca, de quatro meses, uma formação mais completa com diversos professores na área da fotografia. É, mais projetos de execução em fotografia, não, assim, porque na verdade eu não me considero artista; eu me considero fotógrafo. Então, eu faço trabalhos eventuais, trabalhos de fotografia de gastronomia, de fotografia de arquitetura, mas o meu coração mesmo é fotografia de rua. Então, como fotógrafo de rua; a rua tá fechada e eu não consigo fotografar fora dela, então eu tô sem material. Até pra constante prática, né?
Então no momento, eu não tenho nenhum projeto. Tive projetos no passado; tentei o doutorado duas vezes. Mas não passei, tentei o doutorado na filosofia da UFC e no seguinte na comunicação da UFC. Mas meu filho nasceu e eu tô nesse hiato, até ele estar por si e eu tentar mais uma vez.
Por acompanhar seu trabalho desde 2018, vi quando a “Rastilho Espaço Criativo” criou o concurso cultural “Retratando a Quarentena”. Quanto aos resultados, foram além do esperado?
Esse concurso que a gente fez foi fruto desse curso que eu ministro lá no Rastilho. Chamado prática e leitura, esse curso durou uma semana, uma hora por dia, meia hora eu falava sobre técnica e meia hora falava de referência e conceitos da fotografia. E aí no final da aula eu passava uma atividade chamada “o desafio do dia” que era o desafio temático que eu dava pros alunos praticarem em casa e entregarem esse resultado em 24 horas. E aí, era sempre levado os temas da pandemia: qual sua definição de tristeza? Qual sua definição de alegria? O que é a pandemia pra você? O que é encarceramento? Então, isso tudo voltado a questões técnicas pra fixar o tema.
Então, por exemplo, hoje eu falaria sobre velocidade do obturador, eu perguntaria, como o tempo tá passando pra você? Muito rápido ou mais devagar?
As pessoas conceitualmente junto à técnica que eu havia passado, iam pensando e criando suas imagens. A partir disso, após uns três ou quatro cursos, a gente pensou, vamos fazer um concurso. Esse concurso retratando a quarentena, aí teve um resultado que foi muito além do esperado, muito além do esperado, de trabalhos incríveis e nós fizemos uma votação e os melhores trabalhos foram publicados. Mas são trabalhos, que eu acho, no meu ponto de vista, só atingiram esse nível porque não foi só a teoria, foi também a parte conceitual, que eu tive muito cuidado de preparar, de mostrar referência. Por exemplo, quando eu falava sobre o tempo e eu perguntava qual seu conceito de tempo na pandemia? Eu mostrava fotógrafos que tinham trabalhado o tempo na maneira de congelar; outros fotógrafos que usavam na maneira de borrar. E aí, o aluno a partir dessas referências e da técnica aprendida ele fazia sua foto. Então se você pode ver lá, são fotos que assim, nossa! Algumas coisas foram votadas e entraram lá, mas a grande maioria que não entrou são fotos também riquíssimas.
Baseando-se na realidade social, econômica e política do nosso país, qual fotografia você destacaria como aquela que melhor representa os principais problemas, causas e consequências da pandemia em nossa região?
Eu acho que eu consigo ao invés de destacar uma fotografia, eu consigo destacar um fotógrafo. Esse fotógrafo, tudo o que ele faz pra mim reverbera muito bem em questões como você mesma falou, políticas socioculturais, de uma maneira geral. É o Fábio Lima, ele é fotojornalista do jornal “O Povo”. Então, por exemplo, tem foto dele, que ele consegue em uma única imagem passar muito mais do que às vezes um texto mais complexo. Tem uma foto dele, que ele fez há pouco tempo, eu posso até colar aqui o link dele pra você ver; onde ele faz fotografia de pessoas sem máscara na rua, sem respeitar o isolamento social, assim, sem total respeito do dia a dia.
Situações sociais, como por exemplo, um trabalho dele que ganhou um prêmio, que é um morador de rua tomando banho no meio da rua, num bueiro em tempos de pandemia.
Político também. Ele é um cara que cobre as manifestações contra e a favor do presidente; ele também consegue colocar um lado dele acima disso; não só replicando o que a pauta do jornal fala, mas também se colocando acima disso. Então, acho que Fábio Lima, hoje em dia na situação que a gente tá vivendo, é o melhor e maior fotógrafo que consegue traduzir de formas mais complexa e através da fotografia tudo o que a gente tá passando nesse momento.
Ainda sobre o atual cenário, quais dificuldades (se tiverem surgido) a pandemia trouxe para sua carreira como professor e fotógrafo?
Como eu havia falado, pra minha carreira de fotógrafo ela não teve nenhum baque. Porque a minha fotografia ela é mais uma fotografia de rua não comercial. Como eu tô te falando, como eu não me considero artista, eu acabo fazendo o que um fotógrafo faz, que é sair e fotografar. Como eu não sou vinculado e não dependia de nenhum trabalho da fotografia; a fotografia tem esse lado pra mim, embora eu faça trabalhos fotográficos. Mas a fotografia pra mim tem muito mais esse peso de fotografar mesmo, o meu papel na fotografia tá como educador.
Então, na pandemia, não me trouxe nenhuma dificuldade, muito pelo contrário, me trouxe a oportunidade de chegar em mais locais. Porque antes dela eu não trabalhava com cursos online, não trabalhava com esse método que eu trabalho hoje em dia que é o presencial/virtual, não é o EAD.
É o presencial, porque eu estou lá com os alunos ao vivo e virtual porque é pela internet. A partir disso eu vi nesses diversos locais onde eu dou aula, que eu consigo chegar em muito mais locais. Não só aqui em Fortaleza, não só aqui no nordeste.
Eu tive alunos de outros estados, eu tive alunos de outras regiões, eu tive alunos de fora, então pra mim e aí é muito difícil falar isso, né? Dizer que no período da pandemia, onde tava tudo dando errado pra todo mundo, pra mim teve esse lado; mas não é um lado que eu torço nem vibro porque não tenho motivo. O que me veio a somar é eu poder entregar mais do meu trabalho de educador em pontos que antes era inalcançável ou inatingíveis. Então, pra mim como fotógrafo não teve um baque, porque como lhe falei, eu não tenho essa preocupação do trabalho como fotógrafo.
Mas tive uma grande catarse, um grande momento de criação, porque em pandemia, assim como os alunos, eu não tenho como sair de casa; mas eu tenho como usar a minha casa, então foi quando eu voltei as minhas lentes para o meu filho, que na época ele tinha um ano e hoje tem dois e nesse último ano eu registrei ele diversas vezes. Isso foi muito bom pra nos aproximar e pra me dar uma reconexão com ele, não que eu tivesse perdido a conexão, mas me fez fotografar criança, que era uma coisa que eu não fotografava antes. Então me deu um novo entendimento sobre a própria fotografia.
E agora, quais foram as aprendizagens e descobertas que você reconhece ter obtido como pessoa, professor e fotógrafo durante o isolamento social?
É mais ou menos isso. Eu percebi que eu posso chegar em locais que eu achava antes que não conseguia. Posso atingir mais pessoas, posso atingir todas as classes porque é independente disso.
O meu aluno do Museu acessa no seu Macbook de R$10 mil e meu aluno da periferia assiste no seu celularzinho com um 4G. Então, eu não fico à mercê de deslocamento, não fico à mercê de dinheiro; de os alunos terem de pagar um curso. É muito gratificante ter esse alcance.
E como fotógrafo foi essa prerrogativa; eu não tenho como sair e fazer o que você gosta. Que é o quê? Fotografia de rua, então como você faz? Cria em casa. E aí em casa eu vejo que tenho como criar, não me limita o espaço; me limita a minha criação e o meu conhecimento.
Bem, não sabemos por quanto tempo essa pandemia continuará, então, na sua visão, quais oportunidades diante da nova realidade, podem favorecer o ramo da fotografia?
Esse momento da fotografia hoje em dia com certeza é o pior momento da produção fotográfica aqui no Brasil. As saídas que eu venho vendo, principalmente, são as saídas que eu venho vendo para os restaurantes que são trabalhos delivery; trabalhos em relação a tudo.
O profissional da fotografia hoje em dia se vê muito refém do que acontecia antes. Grandes eventos, grandes shows, teatro; tudo para fotografar, quem faz palco e tudo mais e isso não é mais possível. Então a gente vai vendo que muitos dos fotógrafos estão se adaptando a esse novo formato.
Eu tenho amigos da fotografia de gastronomia que estão indo nos restaurantes fotografar; eu tenho amigos que trabalham com fotografia de eventos que estão indo nas casas fotografar as pessoas, retrato. Claro que têm outras especialidades que ficam mais à mercê nessa nossa situação, como por exemplo, o fotógrafo de palco. Eu não conheço nenhum fotografo de palco, por exemplo, que esteja atuando no momento, mas uma coisa que a gente também deslumbra hoje em dia e aí eu vejo mais como um problema do que uma solução, são fotógrafos que acharam e acham que fotografar é a mesma coisa que ensinar. E não é!
A gente viu acontecendo muito isso ultimamente: são fotógrafos passando ao papel de professores e eu acho que não é bem assim. Não é qualquer um que pode ser professor. Não é que eu esteja dizendo que o professor é o cara que tem um dom, não é nada disso não. É só o cara que tem o preparo, o cara que tem essa profissão. Hoje em dia a gente passa muito por esse problema, principalmente eu vejo isso constantemente, o aluno faz um curso de fotografia básica e sai do curso se dizendo fotógrafo e eu não acredito que todos somos fotógrafos.
É uma coisa que eu mesmo demorei muito pra me dizer fotógrafo; é uma coisa que leva tempo, leva conhecimento tanto da área técnica quanto da área discutível, conceitual. Porque se você sabe mexer na sua câmera no manual e fazer tudo com ela; não é isso que vai te tornar um profissional, um fotógrafo. Não é porque você já fotógrafa um certo tempo que é isso que vai transportar a sua ação na fotografia para a sua ação de professor.
Então, eu vejo muito isso acontecendo hoje em dia, pessoas que dizem passar um certo conhecimento sabendo que elas mesmas não têm conhecimento o suficiente. Para o fotógrafo que trabalha com fotografia e não vê mais um meio de atuação nesse exato momento, eu consigo ver essa ida de alguns fotógrafos para o trabalho mais presencial, quando dá, quando não, alguns meios que tentam ou se estimulam a ser, entre várias aspas aí, professores de fotografia, mas acaba não atingindo, porque aí é uma outra profissão. Ser fotografo é uma coisa e ser educador é outra.
Assisti no YouTube o vídeo “Olhar Educador com Thiago Braga” no canal do Museu da Fotografia e tem um ponto que você fala sobre o meio ambiente. Então, pergunto, de que maneira a arte fotográfica contribui para a sustentabilidade em nosso planeta?
Verdade, falo mesmo, mas na verdade não é só ali no meio ambiente. A fotografia é esse estandarte, ela é esse meio de comunicação e há muita semelhança com o Espanhol, por isso que eu acho tão rico isso, pois o Espanhol também é uma tradução, é um meio de comunicação, é uma forma de falar e a fotografia também é isso. Então, a gente pode do lado de cá escolher sobre o que eu quero falar ou eu quero falar sobre o meio ambiente ou eu quero falar sobre raça, eu quero falar sobre o meu credo, eu quero falar sobre minha sexualidade, sobre o meu papel social, então, não só como meio ambiente. Como é que ela poderia ser mais vista para o meio ambiente ou assim como qualquer outro desses temas que eu citei? Isso sai da pessoa, da pessoa utilizar a fotografia como se fosse pra amplificar o som. Muitas vezes o que se quer falar com palavras não é ouvido e com fotografia ela tem um alcance maior então, eu posso querer falar por exemplo, sobre a minha cor e aí eu não conseguir pessoas para me ouvirem, mas, na fotografia, eu tenho o poder de sintetizar o meu discurso em uma única imagem e a partir disso eu consigo atingir mais pessoas. Então, acaba que a fotografia tá aí como um grande amplificador da voz; para o que você possa falar, para o seu discurso seja ele qual for, seja ele para quem for, até quanto e até onde você quer atingir.
Ainda sobre a temática educação e levando em consideração a sua experiência como professor da Rede Cuca, gostaria que falasse sobre o impacto psicossocial da arte da fotografia.
Lá no Cuca é completamente diferente de tudo o que eu faço. No Cuca a gente leva um conhecimento para uma população que realmente é escassa de tudo e aí eu vejo isso constantemente. E a minha maior satisfação é poder ver alunos que às vezes não tinham nada em casa e a casa era um local violento, agressivo e eu as via constantemente no Cuca.
Isso é um impacto enorme na vida deles, pelo lado de eles estarem indo atrás de conhecimento e o mais importante, eles assumirem esse papel de fotógrafos. Então, a gente lá no Cuca trabalha com um percurso formativo que ele começa pela fotografia básica; e passa por diversos nichos da fotografia, até voltar a ser fotografia básica, assim de 6 em 6 meses, de 8 em 8 meses.
Então, a gente consegue ver alunos que chegam sabendo nada da fotografia e saem de lá bem afiados para o mercado. Temos até cursos voltados para o mercado, então a gente vê muitos alunos que às vezes não têm segundo grau completo e que estão meio que perdidos porque não sabem o que fazer nesse exato momento e encontram lá no Cuca; tanto no período agora da pandemia como o anterior da pandemia esse local de chama onde eles podem ir atrás de mudar a vida deles.
E isso acontece constantemente na minha realidade; ver alunos que antes estavam trabalhando em uma coisa que não tinha nada a ver ou então viviam uma vida que não tinha nada a ver e a partir do momento em que eles conhecem a fotografia e acreditam fotógrafos eles começam a entrar nesse mundo e trabalhar com fotografia, a sair da realidade que estavam antes, que tinham anteriormente. Tenho exemplo de alguns alunos que se tornaram monitores e depois de se tornarem meus monitores hoje em dia são fotógrafos conhecidos na cidade; um deles fez até uma exposição em Paris, então, é muito bom a gente saber que a nossa semente está sendo jogada ao ar, mas que ela recebe muito terreno fértil lá no Cuca e aí você vê um aluno que não tinha nada antes, e ter que escolher entre ir para a aula e conseguir mais conhecimento ou às vezes ter dinheiro para ir pagar por exemplo, uma passagem de ônibus e aí ele tendo suas prioridades consegue terminar os cursos, consegue começar a trabalhar com isso e paulatinamente consegue o seu dinheirinho, conseguem se tornar fotógrafo e a gente consegue ver esse impacto na vida deles; tanto quanto eles assumem serem fotógrafos quanto quando eles começam a receberem por isso.
A respeito das suas pesquisas acadêmicas sobre estética e filosofia da fotografia, quais foram as conclusões e de que forma elas trouxeram contribuições sociais?
Contribuições sociais eu não conseguiria dizer, mas as contribuições no pensamento. Na filosofia da fotografia basicamente foi o que eu escrevi na minha graduação, é fazer com que o aluno acredite que ele é o processo subjetivo em questão. Então, é dizer que ele faz parte do processo da fotografia, é dizer que ele quando fotografa no automático não é ele que está fotografando e sim a câmera. Então, o meu processo na filosofia da fotografia é exatamente esse mostrar que não é a câmera o mais importante, e sim quem está atrás que é quem faz a foto. Assim como o pintor faz a tela, o pintor na tela faz o quadro, o fotógrafo com a câmera faz a arte.
Em relação à estética fotográfica, quando eu trabalhei no meu mestrado era mais pra dar esse entendimento também ao aluno que a técnica não é o mais importante na fotografia, o mais importante na fotografia é exatamente você aprender a técnica pra poder esquecê-las e dar vazão à intuição. A partir disso estudei um fotógrafo e dele eu tirei as minhas conclusões filosóficas, não foram conclusões comunicativas, foi mais essa conclusão de que se você pretende ter uma estética fotográfica, você pretende dominar, você precisa por um lado dominar a técnica da sua câmera, mas também você tem que ter bagagem para isso, quanto mais bagagem melhor vai ser o seu trabalho. Então, qual o impacto social disso? Eu posso te dizer que o impacto social é quando o aluno sabe disso, sabe o tamanho do que é pensar fora da caixa, e usando a caixa tanto a caixa como câmera escura da própria máquina como a caixa mesmo metaforicamente; e a partir disso com esse conhecimento que vai além do tecnicismo fazer dele um fotógrafo que se diferencie da grande maioria dos fotógrafos medíocres, no sentido de ser mediano, que acham que a fotografia é uma técnica e basta ter uma câmera pra ser fotógrafo.
Prática e Leitura Fotográfica é um curso recentemente oferecido pela “Rastilho”. No campo da literatura, qual foi o livro cuja leitura marcou de forma significativa a sua carreira como fotógrafo e por quê?
É difícil citar só um livro, fui até ali na minha biblioteca, aqui para ver um livro. Eu não consigo mensurar em um livro só, mas eu acho que bati o olho em um ali e eu vou falar dele; eu acho que é o livro chamado O beijo de Judas, do espanhol chamado Joan Fontcuberta. Esse livro fala exatamente disso, das questões do realismo na fotografia, acreditar ou não na fotografia, das questões ideológicas da fotografia, como por exemplo, eu posso te passar e vou dar um exemplo aqui qualquer. Na eleição passada antes do Lula ser retirado como candidato, saiu uma foto no jornal que eram os possíveis candidatos, Bolsonaro, Lula e outros e na fotografia todos estavam rindo, menos o Lula, que tava meio cabisbaixo. Então, ideologicamente, por meio da semiótica e dos sinais dos signos, foi passado uma ideologia daqueles candidatos, o Lula era o pior, já que ele não tava rindo e todos estavam. Então, nesse livro ele fala um pouco dos meandros da fotografia do que a gente normalmente não consegue pensar ou não quer pensar; que é a parte filosófica da fotografia. Então, como um filósofo e como um fotógrafo, eu acho que cabe a mim elevar cada vez mais o pensamento crítico pela filosofia e utilizando ela como meio de chamar a atenção para essas questões.
Logo hoje em dia tão cheio de fake news, numa própria fotografia não deve começar e terminar por ela; o que eu quero dizer, é: você não confiar piamente numa fotografia. A fotografia ela é um princípio onde você parte pra uma pesquisa, você não finaliza nela; então, eu vou te dar diversos e diversos exemplos aqui, por exemplo no McDonald’s, o Big Mac da fotografia não é o Big Mac que você compra ou então na própria história da fotografia a gente vai ver diversas imagens onde a ideologia é mais importante do que a própria fotografia ou então, até mesmo na história do período político bolchevique russo, onde diversas imagens de opositores do Stalin foram apagadas muito antes do Photoshop, mas no quarto escuro.
Então é um pouco para tirar do pedestal a fotografia e colocá-la no local onde ela é, que é o meio de comunicação, assim como não devemos ler algo e acreditar piamente naquilo; a gente não deve ver uma imagem e acreditar piamente nela. Aquilo ali é um começo para uma pesquisa, um começo para uma investigação.
No curso de Educomunicação, aprendemos sobre a importância da relação da educação e comunicação. A respeito disso, de qual maneira a linguagem fotográfica colabora na comunicação entre locutor e interlocutor? Fique à vontade para aprofundar a respeito.
A fotografia como venho falando é uma forma de expressão artística. A pessoa que se expressa com ela pode ser um artista, quando o que ele faz é arte. O que quero dizer com isso é que quando ele é aceito por seus iguais como a arte, não é ele que se diz artista, são os demais fotógrafos ou a pessoa é fotógrafa. Ela faz o que a profissão indica fazer e considera seu trabalho um bom trabalho como fotógrafo, mas não uma obra de arte. Nesse caso se eu falo da minha fotografia como arte ela quando sai de mim já não tem mais domínio; a pessoa que ler essa imagem, a pessoa que está ali como receptora dessa imagem já começa a pictografar os signos que ali eu coloquei, as ideias que ele quis passar, mas a arte em si fica muito aberta, ela sai da mão do artista e quando chega no receptor vem de diversas subjetividades.
Então, numa certa forma a fotografia tem esse papel e essa força de poder falar sobre diversas coisas, mas muitas vezes tem que ser mais objetiva. Quando falo isso é falar por exemplo, que nós consideramos a fotografia como arte contemporânea, mas o contemporâneo eu digo contemporâneo desde o começo do século passado, então que contemporâneo é esse?
É até uma proposta que falei agora há pouco desse projeto de doutorado que eu pretendo fazer ainda, que é estipular um novo movimento para a arte; que é o chamado realismo especulativo, que é a volta a um conceito novo de arte, onde não se considera o conceito tão importante quanto a obra. Mas a gente quer voltar a obra em si e poder falar sobre a obra, onde nesses museus, às vezes, a gente encontra um texto, um artigo super rebuscado que você lê para entrar e não entender nada.
Hoje em dia, a gente passar por diversas dessas situações, não cabe a mim dizer que toda fotografia contemporânea é ruim, é uma mentira, a gente vê muita coisa boa hoje em dia. Mas a gente também vê muita coisa ruim. Então, a volta da obra em si por ela mesma, é uma questão mais de eu ter essa visibilidade da fotografia e ali no momento sem precisar de nenhuma explicação senti-la, fazê-la como diz o Roland Barthes, fazer ela arder em mim.
O meu punctum, ele usa a expressão o meu punctum, que é o que me toca, o que me conecta. Então, não é necessário mais hoje em dia um conceito, é mais nesse sentido de que a obra é aberta, a obra está ali pelas palavras e pela voz do fotógrafo, mas quando ela chega no receptor ela chega no leitor ela chega mais aberta, talvez uma volta ao realismo especulativo volte a essa talvez falha de comunicação.
Também foi debatido sobre os padrões de manipulação nas mídias. A arte fotográfica seria aliada ou uma exceção à parte contra a manipulação?
A manipulação não é ética quando a gente fala de fotojornalismo e fotografia de rua também.
Ela não é vista com bons olhos, tirando isso, ela é vista com ótimos olhos, por exemplo, numa fotografia de produto, fotografia de moda que vou ter que manipular uma imagem, eu vou ter que tirar um brilho, vou ter que tirar uma espinha, tirar um reflexo. Mas é porque isso hoje em dia é mal visto, porque ele é levado por essas questões de manipulação tanto histórica como muitas vezes manipulações estéticas. Por exemplo, hoje em dia que falam que a mulher não pode envelhecer, que a mulher não pode ter rugas, não pode ter estrias, esse é o lado mais maléfico da manipulação.
E também a parte de manipulação mesmo histórica, de você manipular algo que aconteceu por meio da fotografia vinte anos depois do surgimento da fotografia. A gente já tem conhecimento de fotografias manipuladas, então a fotografia sempre nos ajudou a mentir.
Como você, Thiago Braga, avalia as questões de gênero, raça e espiritualidade no campo da fotografia?
Pois é isso, são os temas que as pessoas utilizam na fotografia, seja gênero, raça, espiritualidade, a gente vê muito isso aqui no Ceará, principalmente a cobertura dos Reisados ou então dessas procissões que têm mais no interior.
A fotografia aqui no Ceará é bem conhecida por três questões: a espiritualidade; a parte das belezas naturais, mar, mangue e tudo mais; e a questão agreste. Então, a fotografia aqui do Ceará ela é bem presente nesses três setores, ela é bem conhecida no Brasil todo. E as questões mais de gênero, a questão de raça são as questões onde as pessoas conseguem ser ouvidas mais.
A gente vê por exemplo, aqui na cidade existem dois grupos de fotógrafas mulheres lá na Galeria Imagem. Hoje também o Instituto da Fotografia aqui de Fortaleza, o Ifoto, tá fazendo várias falas. Acho que são durante 6 meses só com mulheres. Então, essa parte da fotografia também de dar voz às minorias é muito importante, já que a gente não vê esse microfone em outras áreas.
Quando falo assim em outras áreas, não tô falando assim nas áreas das artes, nas áreas das artes a gente vê isso muito presente, teatro, na dança, no audiovisual, mas eu digo em outros meios.
Então, a gente precisa é falar sobre o que não é dito e também a arte tá aí pra isso, pra incomodar; para falar às vezes de coisas que as pessoas não tão querendo falar ou não tão acostumados a falar ou que não querem falar. Eu avalio como um excelente megafone.
No que diz respeito a essas questões anteriores (gênero, raça e espiritualidade), elas estão sendo ou virão a ser incorporadas no seu trabalho fotográfico?
Não, isso eu deixo para quem tem lugar de fala. Prefiro ficar auxiliando o desenvolvimento fotográfico delas pelos bastidores.
Infelizmente, sabemos de algumas histórias de discriminação por parte de alguns fotógrafos. Qual o seu olhar diante dessas questões?
Pois é, como eu não conheço esse olhar discriminatório não posso opinar.
Nesses tempos em que vários artistas estão sofrendo impacto financeiro por conta do isolamento social, existe de fato algum incentivo por parte da prefeitura e do governo do Estado para arte da fotografia em Fortaleza?
Pois é, o que mais tem hoje em dia também é edital. Edital para concurso, a gente teve agora há pouco a (lei de incentivo à cultura) Aldir de Blanc, tem a Rouanet também. Muitos fotógrafos também acham que vai aparecer um curador que vai ver o trabalho deles na internet, vai achar magnífico e vai ser contratado para expor no museu. E não é assim que acontece, muito parte do próprio fotógrafo ir atrás de saber até como se inscrever no edital que aparentemente é o mais básico. Eu acho que hoje é o que mais afasta e o que mais intimida o fotógrafo amador. Tivemos também um momento que eu acho que foi o Ifoto, posso te confirmar depois, mas acho que foi Ifoto; fez um levantamento de fotos de fotógrafos daqui do Ceará e até fui convidado para expor (acho que foi Ifoto mas foi pra Secult, tenho certeza que foi para Secult, agora quem fez eu não me lembro). De fotógrafos conhecidos aqui na cidade que submetiam sua obra à venda e aí foi vendida alguma dessas obras, de 33 fotógrafos e foi direcionada pra os fotógrafos da cidade que tavam passando por algum problema financeiro, alguma situação deixada pela pandemia. Então assim, se tem incentivo?, tem, o que não tem são pessoas o suficiente atrás de passar pelo crivo da burocracia.
Sobre leitura de mundo, quais impressões pessoais estão sendo registradas do antes, durante e quem sabe, sobre o que vem depois da pandemia?
Eu acho que hoje em dia a gente não percebe isso, porque a gente tá vivendo, mas com alguns anos pela frente e depois que a pandemia passar, o papel da fotografia desse período vai ser elevado de uma maneira nunca antes vista, assim com a pandemia. Porque pela primeira vez a gente está tratando e registrando um momento que nunca vai ser esquecido pela nossa geração.
De momentos de extrema delicadeza, como as fotos que você pode ver na Reuters. São fotos que saem constantemente de momentos de dor e luto como de hoje em dia. Eu falo da Reuters porque ela é referência internacional, mas a minha maior referência é o fotojornalismo, principalmente do jornal O Povo aqui em Fortaleza. Então, o próprio registro fotográfico para o futuro quando formos contar a história desse tempo atual e podemos saber mais nitidamente porque estaremos mais distante do assunto, quem foram os vilões e quem foram os mocinhos ou então que peso essa imagem nos trairá daqui a 15, 20 anos, né?
Hoje em dia a gente vê que tá muito normalizada a própria morte. A gente vê isso sendo dito constantemente, o Jornal Nacional tá ai para dizer isso. Então são números, números e números, mas por exemplo, voltando a citar o Fábio Lima, que fez uma foto no começo da pandemia das valas abertas, então isso no futuro imagina que imagem chocante, e vai nos servir não para esquecer, mas pra lembrar, pra lembrar que muitos desses momentos poderiam ser evitados, a gente sabe muito bem por quem e como.
Na perspectiva da imprevisibilidade da vida, qual legado pensa deixar como pai, educador e fotógrafo?
Eita, a pergunta foi boa, acho que ela só resume em como eu posso deixar meu legado como educador né? Eu acho como educador engloba aí o pai e engloba aí o fotógrafo. Eu acho que é de ter plantado essas sementes, e estando aqui ou não para ver ela germinar o importante é que eu consigo ver meu trabalho chegando na periferia. Meu trabalho chegando na cidade de uma forma geral e ela não tem classe, ela não tem gênero, ela não tem cor, ela não tem direção.
Ela chega e ela fala de uma coisa muito importante que é a reflexão, o reconhecimento, a filosofia, o modo de não receber as coisas e simplesmente engolir. O conhecimento não é como a comida que quando não nos faz bem a gente bota para fora, mas o conhecimento ele é assimilado e essa assimilação é constante. Então, saber que um aluno fez uma mostra estrangeira e internacional, ou virou professor ou que tá se dando bem na fotografia ou sei lá, do mais simples como dia dos professores ser lembrado ou ser chamado pelo museu pra dar uma entrevista como educador, acho que a gente vive desses momentos. O professor educador hoje em dia vive desse momento, o educador não tá preocupado com o lado financeiro, ele sabe que o professor ganha pouco.
Mesmo como fotógrafo também não tô interessado no lado financeiro, então eu taria fazendo casamento, eu taria fazendo algo mais rentável. Mas eu acho que o meu papel tá aqui, depois de ter passado por diversas escolas e hoje tá conversando e ministrando cursos em toda cidade, é exatamente poder aumentar o alcance da fotografia e fazer com que mais gente, mais pessoas falem através das lentes, né? Que quanto mais pessoas falarem através dela acho que mais perguntas serão levantadas e menos no automático a gente vai ficar. O próprio pensamento junto à fotografia vem pro aluno como essa ferramenta de que ele mesmo tá livre de todos os grilhões que prenderam ele durante toda a vida.
Deixe uma mensagem de incentivo para a juventude cearense. Em especial para aqueles que sofrem preconceitos por questões de raça, classe e gênero.
Acho que a mensagem principal é: vem fazer fotografia comigo. Vem fazer fotografia! Não precisa ser comigo, mas vem fazer fotografia. Porque você vai ter sua bandeira garantida nem que ela não seja ouvida pra quem você quer enviar; ela vai ser ouvida por muitos, e aí a história do megafone volta né? Quanto mais próximo, “se suas fotos não estão boas suficientes é porque você não tá próximo o suficiente”, uma frase do Robert Capa, ele era fotógrafo de guerra.
Ele tá falando aí da parte física, você está próximo do assunto, também ele tá falando da parte metafórica, de você está dentro do assunto, você está sabendo lidar com aquele assunto. Então eu acho que para essas pessoas, a fotografia é um ato de tradução de comunicação, não só pra elas, mas para todos. Eu digo para elas porque como elas são minoria e não são ouvidas nas formas que elas gostariam, na fotografia elas têm essa possibilidade.
E aí elas não vão falar através de palavras, porque elas foram alfabetizadas durante toda a vida, através das palavras e aí a gente vê que várias vezes ela não consegue falar através delas.
E na fotografia ninguém nunca teve alfabetização visual e o que a gente ensina é exatamente isso, é o bêabá da fotografia. É você falar através das imagens, e falando através das imagens você tem uma nova forma de falar, porque você tá sendo alfabetizado em uma nova língua. Que talvez nessa nova língua o seu alcance seja maior, que através da fotografia ou não da fotografia, mas qualquer expressão artística que você queira escolher, você tem esse, essa semente que você vai lançar para cima, utilizando mais uma vez aqui a mesma metáfora da semente ou do megafone.
Então cabe a vontade, a imersão, ao querer falar, ao querer ter arte. Acho que todo mundo tem uma arte, sabe? Basta descobrir qual é a sua. Tenta na fotografia, se a gente se bater por aí eu vou fazer o suficiente pra lhe dar esse megafone.
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*Entrevista realizada por estudantes como atividade do curso de Educomunicação, facilitado pela Revista Berro, no Centro Cultural do Grande Bom Jardim (CCBJ).