Literatura e Futebol: tributos através da escrita e da memória



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(Ilustração: Levi Noli / Revista Berro)

Quando a Confederação Brasileira de Literatura (CBL) anunciou a lista de escritores nacionais para a disputa da Copa do Mundo Literária, no Catar/2022, a Federação Internacional de Literatura Associada (FILA) propôs um jogo amistoso entre a equipe pentacampeã e a seleção de autores do Resto do Mundo. Como o presidente da CBL, jornalista Merval Pereira, aceitou o delicado e perigoso duelo das artes literárias, a ser disputado no Wembley Stadium from England, em sua entrevista coletiva, o teórico alemão Walter Benjamin e os seus auxiliares técnicos Paul Valéry (FRA) e Ítalo Calvino (ITA) divulgaram a lista final de autores (poetas, dramaturgos e ficcionistas), avocados para o tira-teima literário, às vésperas do Mundial da Escrita Asiático.

Goleiro: Homero (1) / Gustave Flaubert (12) / Ibsen (22);

Lateral: Goethe (2) / Dante Alighieri  (13); Faulkner (6) / Stendhal (16);

Zagueiro: Joyce (3) / Jorge Luís Borges (14) / Thomas Mann (4) / Honoré de Balzac (15);

Meio-campo: Proust (5) / Baudelaire (17) / Miguel de Cervantes (8) / Victor Hugo (18); Skakespeare (10) / Rimbaud (19);

Atacante: Tolstoi (7) / Charles Dickens (21) / Pirandello (24) / Kafka (9) / Fernando Pessoa (20) / Vargas Llosa (25); Dostoievski (11) / Tchekhov (26) / Gabriel Garcia Marques (23).

Na coletiva de imprensa, o pantagruélico Benjamin justificou a convocação da equipe principal, seguida de plausíveis considerações teóricas, a respeito dos subterfúgios, táticas, estratégias, exegeses e hermenêuticas narrativas do jogo das Letras. Nesta entrevista, o mister Walter Benjamin exaltou a opção pela experiência do arqueiro grego Homero, titular absoluto e capitão do time, em razão da condição clássica ilustrada por defesas épicas em sua odisseia particular, que, indiscutivelmente, o impulsionou a suplantar o egocêntrico realístico Flaubert e o norueguês dramático Ibsen, o Boneca. Na lateral-direita, o endiabrado Goethe fora eleito para ocupação do setor de defesa, por sua performance pós-romântica que por um triz superou o talentosíssimo Dante Alighieri, o Divino, quiçá, mui caetanamente, por sua capacidade filosófica em idioma alemão, em detrimento da lírica grandiloquente entre céu, inferno e purgatório do bardo florentino.

Na zaga-central, a escalação de ulissiano James Joyce se deu pelo simples fato de que jamais na História da Literatura Ocidental surgiu tão hábil e ferrenho escultor idiomático depois de Shakespeare; e, sobretudo, acrescentou Benjamin, pelo entrosamento com o ilíaco e inigualável Homero, fato que impulsionou o labiríntico Borges ao banco de reserva, mesmo sendo o Maradona das Letras portenhas o mais original discípulo do colonizador Miguel de Cervantes. Na quarta-zaga, o magistral beque germano-brasileiro Thomas Mann desbancou o extraordinário e superlativo Honoré de Balzac, quiçá pela habilidade com as letras nos pés herdada do sangue paratyense, o que o decerto o habilitaria a marcar com mais propriedade os atacantes adversários. Leia-se: o versátil macunaímico Mário de Andrade; o antropófago Oswald de Andrade; e, sobretudo, o enfeitiçado Jorge Amado da Bahia de Todos-os-Santos. Na lateral-esquerda, o furioso e sonoro Faulkner ganhou a posição do rubro-negro Stendhal, por mera predileção fonética benjaminiana, porque tanto um quanto outro houvera de defender o selecionado mundial, com a maestria dos grandes mestres autores da prosa de ficção.

O meio-campo composto pelo tríptico: Proust / Cervantes / Shakespeare, de fato vem a se caracterizar como uma espécie de fenomenologia da genialidade, uma vez que dom da escrita há de se locupletar pela abissal proximidade de registro da análise da condição social humana em folha de papel. Destarte, a engenhosidade memorialística de cunho ficcional do cabeça-de-área Marcel Proust se instaura por acrobacias narrativas que desnudam (e devoram) o deus Chronos, saturnicamente, obrigando o compatriota Baudelaire a contentar-se com a incontestável suplência literária. O cavaleiresco Miguel de Cervantes se apoderou da meia-direita do excrete ocidental, por ter reinventado a prosa de ficção com o seu Engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha, em contrapartida ao ideário trovadoresco-medieval, com extraordinária visão fabulística de jogo, reescrevendo o calendário da realidade ficcionalizada em a.C e d. C, sendo a letra maiúscula a que inicia o seu sobrenome castelhano. Para completar o trio de meio-campistas excepcionais, o majestoso midiático e pluralista William Shakespeare, o maior jogador de Letras de todos os tempos, assemelhando-se a Zeus, Maomé ou Jeová, em sua Invenção do humano, consoante o comentarista da Rádio CBN de Nova York, Harold Bloom.

Enfim, o ataque soviético representado pelos imarcáveis Leon Tolstoi e Fiódor Dostoievski será complementado pelo metamorfósico Kafka, austríaco naturalizado alemão literariamente. Na extrema-direita, o profético e miraculoso Tolstoi, autor do gol de placa mais significativo do século XIX, intitulado Guerra e Paz; e, na extrema-esquerda, deparamo-nos com a psicologia de jogo do ‘siberiano’ Dostoievski, que se notabilizou no campeonato russo por torpedos mordazes deflagrado pela consciência estética, reproduzindo-a por intermédio da leitura das entrelinhas do espírito do homem civilizado. Para fechar com chave de ouro, o magnífico ataque do selecionado do Resto do Mundo, o irrequieto e enigmático cracaço das Letras, em processo de acastelamento da posteridade, Franz Kafka, que, por sinal, marcou três gols na goleada de 7 x 1, sobre a Seleção Brasileira de Literatura, sendo acompanhado de Shakespeare (2), Goethe (1) e  Cervantes (1). Para o selecionado pátrio, o irresoluto e gaguejante Machado de Assis descontou com um antológico golaço de bicicleta, que atordoara o apoteótico Homero pela inverossimilhança da jogada de um Brasil póstumo e desmemoriado.          

Seleção do Resto do Mundo das Letras:

Homero, 2. Goethe (Dante), 3. Joyce, 4. Thomas Mann e 6. Faulkner; 5. Proust (Baudelaire), 8. Miguel de Cervantes (Borges) e 10. Shakespeare; 7. Leão Tolstoi (Victor Hugo), 9. Franz Kafka (Pessoa) e 11. Fiódor Dostoievski (Gabriel Garcia Marquez). Técnico: Walter Benjamin.

Seleção Brasileira de Literatura:  

Manuel Bandeira, 2. Euclides da Cunha (Lima Barreto), 3. José de Alencar, 4. Graciliano Ramos, 6. João Cabral de Melo Neto (Ariano Suassuna); 5. Carlos Drummond de Andrade, 8. Guimarães Rosa, 10. Machado de Assis; 7. Nelson Rodrigues, 9. Jorge Amado (Castro Alves), 11. Mário de Andrade (Oswald de Andrade). Técnico: Antonio Candido.

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Wander Lourenço é pós-doutorado em Estudos Comparatistas da Universidade de Lisboa; Doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (2006); diretor dos documentários “Carlos Nejar – Dom Quixote dos Pampas”; “Nélida Piñon, a dama de pétalas”; e “O Cravo e a lapela – Cinebiografia de Ricardo Cravo Albin”. Autor dos livros O Dramaturgo Virgem (2005); Com licença, senhoritas (2006); Iniciação à Análise Textual (2006); Literatura e Poder – Org. Lucia Helena e Anélia Pietrani (2006); O Enigma Diadorim (2007); Solar das Almas e outras peças (2008), Eu, psicógrafo – Teatro (2011), Antologia Teatral (2013); As aventuras da Bruxinha Lelé (2014), Dramatologia (2017); A lenda do Sabiá-Pererê (2019); Poesia (2020); Terrae Brasilis – Romance (2022).


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