Gisa voltou chorando do encontro com Greg. Vi quando esmagou umas flores entre seus dedos da mão direita e as lançou com força contra o chão.

Que flores eram?

Eram totalmente brancas, pequenas, um ramalhete preso por um laço de fita preta, envolto num plástico transparente.

Quem sabe um pequeno buquê de flores fecais? Pensou sobre isso? São Cogumelos! E dos venenosos!

Dos venenosos?…

Sim, é muito provável. Nem todos sabem, mas eu tenho certeza: Greg cultiva cogumelos, veja as fotos. Tem alguns canteiros: vaca-vermelha, cogumelo-dos-césares, cogumelo-de-Paris, chapéu-da-morte, mata-moscas, língua-de-boi, boleto satânico… Produz diversos, alguns incomuns para a região. Ele estuda muito sobre a produção dos fungos, sabe como cultivá-los, torná-los mais ou menos tóxicos; mais ou menos alucinógenos.

Gisa pensa em morrer?

Não poderia querer morrer por alguém a quem não ama. Ela está triste porque o insensível decidiu viajar e não a convidou. Há os cogumelos sagrados, os mágicos… Todos importantes para ela.

Sim, e as cores, dançar de braços abertos, jogar a cabeça para trás… Talvez haja amor além desse oportunismo viciante descrito por você. Ela o ama, de algum modo…

Não! Ela ama seus cogumelos. Os dois sempre viajaram juntos Imagine você, sete anos. Foram viagens fabulosas, abissais, coloridas, flutuantes; voos, corridas, mergulhos, orgasmos; animais descomunais, as maiores, as menores e mais belas criaturas do mundo, de todas as espécies, existentes e inexistentes, minhocas de ouro, moscas-esmeralda… Sentirá saudade, sofrerá. Sentirá muita saudade dos fungos, do riso, das emoções, dos perigos, das fugas, do sexo em lugares inusitados, da violência afrodisíaca.

Para onde irá Greg? Até quando continuará em fuga? Por que não deixa os cogumelos com Gisa?

Não sabe o destino, ou os destinos. Serão muitas viagens. Já pediu demissão da loja. Deixará o valor da rescisão com o pai. E os canteiros estão em um lugar no qual Gisa não terá acesso após sua partida. Mesmo que tivesse, ambos estariam viajando sozinhos mundo afora.

Greg me surpreende, ele não deveria ter doado a rescisão para aquele velho pervertido, ele vai comprar um barril de cachaça e passará os dias mamando em sua torneira como se estivesse se esbaldando na vagina de uma beldade da beleza.

Isso não será nenhuma novidade. Ele sempre está bêbado.

E seu único filho não se importa?

Não seja simplista! Ele se importa, por isso está financiando seu alcoolismo pelos primeiros meses. Depois dará um jeito e enviará mais dinheiro. Não o deixará em abstinência. Isso não! Não! Não permitirá aumentar o sofrimento da família.

Há clínicas de reabilitação.

A maioria não é confiável. Eu conheço uma, a mãe do administrador tem o pior bar da cidade. O lugar é conhecido como UTI da Landa. Seria muito arriscado, poderia ser um meio para apressar sua morte, ou ser mais uma vítima da demência medicamentosa, além de inimputável, claro! A viagem seria interrompida. O filho teria de voltar e talvez se tornar um parricida.

O velho Franco é um assassino! Não pode se tornar inimputável. Poderia recomeçar… Antes a morte por assassinato, há meios eficientes para isso.

Mas tem a ciência, os investigadores forenses, a polícia técnica…

Não se importariam tanto.

Se importariam. Estariam matando um corvo. Eu tenho argumentos para matá-lo, ele matou seis pessoas de minha família.

Você nunca conseguiu provar suas desconfianças.

Não são desconfianças. Eu nunca esquecerei: a reputação de minha mãe foi insultada no tribunal quando aquele sinistro decidiu testemunhar em benefício próprio.

Ele não falou mal de sua mãe. Eu lembro: “mãe, neta, filha, tia, sobrinha, prima… mulher”. Ela era muitas coisas segundo as palavras dele. E era mulher. Acredito no acidente.

Ouvi muito mais, e eu fiz minhas investigações. Ele visitou o corpo de minha mãe por três noites.

O Labã é um andarilho muito entorpecido, ele criou essa história, são alucinações. Ele reza todos os dias de joelhos, durante 45 minutos, exatos 45 minutos, por Santa Gessy K.

Gessy K. era sua namorada, foi o amor de sua juventude.

Gessy K. era uma vadia drogada, suja e feia.

Gessy K. desapareceu na madrugada de 09 de maio de 1985.

Gessy K. foi morta e seu corpo foi consumido por ele, pelo velho Franco, o pobre Senhor Zinho, vítima do alcoolismo induzido pela boataria, pela conspiração de toda essa gente má de Santo Ari Franco.

Qual a verdade? Você sabe. Ora! Todos sabem! Encontraram pistas suficientes para prendê-lo, mas preferiram inocentá-lo.

Meu pai foi o juiz nos dois julgamentos…

Meu tio-avô, o promotor. Todos têm suas dívidas com Aluízio Pistola. O farsante nunca pagou um almoço no restaurante de sua tia Isabel, filha do Meritíssimo. Sabia?

Sim, eu trabalhei lá. E tentei cobrar algumas vezes.

Olhe, irmã! Olhe o V no céu! Estão migrando. Sempre quis chegar antes delas.

Onde?

Não sei.

Não sei…

Humanos deveriam ter asas. Seriam úteis, muito úteis.

Asas e mãos?

Sim, asas e mãos… Poderíamos fazer amor enquanto voávamos.

Imagine como seria um orgasmo durante um voo.

Devo pensar sobre isso?

Não! Não deve.

Saiba, e isso me importa, eu oro por ele todas as noites. Deus se compadecerá e fará o melhor. Sempre o melhor.

O melhor para quem? Morte ou morte?

O Senhor decidirá e estará certo, não importam seus desígnios.

Não tenho dúvida alguma: Deus o matará e será por suas mãos, irmão.

Por que diz isso? Tem me perseguido? Estou sendo vigiado por minha adorada amante, amiga, irmã?

Olhe! Uma borboleta 88! Veja, mas não a machuque.

Tão bonita!… Abra as mãos!

Seguiu para o jardim. Você levou a bromélia para o mato?

Na manhã seguinte após ter trazido de seu jardim.

E ao voltar cuidei de vigiá-lo, era meu dia de folga, eu o tenho vigiado desde quando o descobri me vigiando, ou não estaria aqui. Falar com você e saber sobre seus planos não seria compreensível para quem conhece nossos corações.

Porque são idiotas.

Sim, alguns são idiotas.

Todos são idiotas! Eu os analiso o tempo todo. Mas você me preocupou. Não posso acreditar. Meus segredos, meus arquivos, meus códigos.

Nada há sobre você que eu não saiba. Posso mostrar? Um perseguidor perseguido.

Eu não a persigo tanto. Conversamos muito, temos uma história. Por isso não fui eficaz com você. Os legumes, sua vagina, as saladas, além disso, seus cabelos. Minha atenção esteve voltada para um pouco de você, não para tudo. Sem arrependimentos.

Esteve atento às nossas conversas. Mas menti para você muitas vezes. Sente raiva?

Não, não! Me sinto agradecido. Confio em você. E é muito bom saber sobre sua preocupação comigo. O Senhor é bom o tempo todo, minha amante, minha amiga, minha irmã, meu anjo. Você é um anjo. Ele sabe de meus propósitos e aí está você.

Mentiroso! Percebo seu ódio. Não me importo, não sinto medo. Quero saber de Dona Binha? Ela está doente e Greg não a ama, irá partir. Como não se compadece?

É um bom filho e a ama, por isso irá embora. Ela tem uma irmã, um irmão, bons sobrinhos. Esses familiares tem posses e pagam duas enfermeiras para garantir sua segurança. Todos os dias as duas compartilham uma hora de trabalho, antes da troca de turno. Os vizinhos também ajudam de vez em quando.

Mas Greg não suporta mais ouvir sua mãe chamá-lo de “amor, paixão, tesãozinho da Binha, meu touro..”. Ela tenta beijá-lo na boca sempre que o vê? Faz gestos obscenos com a língua, belisca sua bunda e tenta apalpar seu pênis? Na semana passada, ele chegou do trabalho e a encontrou nua, maquiada e em pose sensual em sua cama.

E?…

Greg se compadeceu e cuidou dela. Ele cuidou muito bem dela…

Está perdido! Deveria tê-la arrastado para fora do quarto, chamado alguém para ajudá-lo, seja como fosse, teria de fugir de uma situação tão extrema. Ai! Eu o odeio mais e mais e tanto e muito mais…

Não havia outra pessoa na casa além dos dois. O desgraçado até tentou, estava sendo muito cuidadoso para evitar essa possibilidade, mas nas últimas semanas, sem imaginar tamanha desgraça, ele adquiriu o hábito de trancar a porta por dentro e tirar a chave. A insana conseguiu tomá-la para si, enfiou em sua vagina, e começou a falar e agir como se ele tivesse feito aquilo. Um desvario devastador… Implorava toda lânguida para que seu noivo a retirasse com a língua. É fato: mesmo reconhecendo sua insanidade, as pessoas gostam de atrocidades, de absurdos, do espetacular, é quando têm a oportunidade de demonstrar seu senso de justiça impregnado de oportunismo… Esteja certa, acreditariam nela, caso não fosse cuidada e se sentisse rejeitada, pois diria que Zinho estava tentando estuprá-la. Todos sabem sobre ela pensar ser Greg seu amado Papa Zinho. Imagine, ele poderia ser preso, seria difícil provar sua inocência, estaria condenado, ficaria marcado, não importa para onde fosse. De mais a mais, ela foi uma jovem ácida, sabe… Barulhenta. E foi uma adulta perspicaz. Constatei algumas particularidades entre seus pertences! Ela tem um vinil autografado por Janis, gosta de Blues; vi sua coleção de B. B. King, guarda o lençol manchado com os fluidos de sua primeira noite romântica, que não foi com Papa Zinho. Esse item está numa pequena caixa rosa envolta em um laço feito à mão, estampado por coraçõezinhos. Eu a vi abrir antes de adoecer, está guardado no seu lugar secreto. Quase secreto.

Quantas informações! Estou confusa. Não e não! Pare de falar! Pare de tentar demonstrar o quanto sabe sobre a vida de todos. Estou prestes a ter um surto. Ele não cuidou dela, mas a estuprou. Sim! Ele a estuprou! Eu quero gritar! Vou à polícia. Maldição! Você é um psicopata engatilhado. Estava lá e não fez nada. Poderia ter quebrado um dos vidros da casa, sei lá, ter feito algo, além de espionar, além de ser um pervertido. Mas não conseguiu. Fracassou.

Não fale assim comigo. Eu a amo e sempre fomos bons e úteis um ao outro. Aquilo iria acontecer, era previsível.

Tenho rondado a casa há dias. É incontrolável, há um caos fascinante por lá. Imagine você, minha boa amiga, as cuidadoras, elas são amantes, quando se encontram, elas sempre passam um tempo juntas, então dopam Dona Binha, ou a apaixonada Bibinha libidinosa, trancam toda a casa e estão no domínio. Eu sei, eu vi, há imagens em meus arquivos, muitas. As depravadas empurram a velha jovem, ou jovem velha, para o chão e f0d3em em sua cama, em suas poltronas, as vezes até envolvem a demente em suas orgias, e aquilo parece uma ária.

Beethoven?

Como sabe?

Ouvi um dia desses.

Delírio para meus batimentos cardíacos.

Aquela casa se tornou um antro licencioso. Me sinto enjoada. É repulsivo. Como pode ter tesão, se masturbar enquanto assiste a atos tão depravados? Você age e pensa como um pervertido, tem gostos questionáveis.

Demasiado questionáveis. Equivalência? Seus próprios gostos ao servir e se servir das cenouras, das pimentas dedo-de-moça, dos pepinos… em seus almoços.

O que tem a ver meus legumes com os membros da hedionda casa dos Franco?

A perversão. Seus legumes são temperados com seus fluidos vaginais. Óbvio! A dedo-de-moça esquenta o tempero.

Você é o criminoso aqui. Nunca ouvi reclamações referentes às minhas saladas.

Eu acredito. E, sobre ser criminoso, eu apenas assisto e registro momentos de vidas alheias. Deus me abençoou ao me tornar capaz de ser um investigador audaz.

Petulante.

Petulante, não. Eu sei, há murmúrios pela cidade sobre minhas incursões noturnas, mas ninguém tem nada a provar, nada além de informações circunstanciais. Eu não consigo controlar. Eu tentei diversas vezes.

Um dia elas, as cuidadoras, me viram e me chamaram. Somos cúmplices desde então. Aquela casa está monitorada por mim, há meses. Para concluir, sou amigo de Greg.

Então tem acesso a tudo?

Quase tudo. Respeito os vasos sanitários.

Quero ouvi-lo: o que fez quando viu a situação? O Greg com a mãe…

Eu me senti muito excitado, como nunca havia me sentido e, sim.

Sim?

Sim.

Você precisa ser internado. Eu irei acabar com isso. Com você, com Greg, com Gisa, com o velho Zinho, com as cuidadoras, comigo… Somente Mama Binha merece viver. Ela nem lembraria deles.

Sim, porém, se tem planos, precisa agir antes de mim. Eu tenho uma lista. Eu tenho uma lista na qual escrevi seu nome.

Que lista? Você pretende me matar? Isso é uma ameaça?

Minhas sensações, meus desejos, o modo como os satisfaço, esse prazer imensurável de servir ao Pai é inquestionável, impagável, confortante em todos os sentidos, e, não duvide, por favor, não duvide, esse é um prazer sacrossanto, cada gota de p00rra cuspida sobre a terra onde me oculto são abençoadas por Ele, o Grande Pai. Não posso permitir que façam o mesmo que fizeram com Ele. Tentam me manipular, me perseguem, talvez não como você, mas me perseguem como fizeram com meu Amado Irmão. Mas o Altíssimo tem me amparado segundo seus desígnios. Ele não permitirá uma segunda traição. Estou certo de que todos vocês agem juntos, são uma quadrilha abominável. Enquanto eu me torno mais e mais obstinado, durmo pouco, me sinto ansioso e inseguro. Perdi meu trabalho, sabia? Por Deus! Perdi meu trabalho! Minha mãe e eu oramos muito, ajoelhados diante do oratório. As velas acesas, os santos, a força com que a mão direita dela segura minha mão esquerda, transpiramos, suspiramos, murmuramos juntos, todos os dias. E não é justo que um enviado de Deus seja vítima de tanta maldição.

Tem espiado Gisa?

Sim, todas as manhãs quando o relógio desperta: 6 horas. Ela segue um ritual: Gisa calça seus chinelos, Gisa se despe diante do espelho, Gisa retira o vibrador da vagina, Gisa vai para o banho, Gisa se depila no banho, Gisa se masturba no banho… Seus dedos são ágeis… Ela termina se contorcendo, sussurrando seu próprio nome, sempre seu próprio nome. E eu me pergunto: “por que seu próprio nome? Poderia ser tantos outros nomes, poderia ser o meu, o seu…”.

Você não sabe? O nome dela é Selena Lopez. Gisa era como ela, somente ela, se referia ao falecido e último marido de sua mãe. Sempre soube que ele agia como um pai amável, responsável. A menina Gisa o admirava, confiava nele, hoje estou certa de que ela o amava diferente do modo como ele a amava.

Quanto a mim, não tinha interesse algum na vida de Gisa até ela se envolver com Greg, logo após a morte do padrasto enquanto seguia para o trabalho numa madrugada muito fria, tão fria que seria difícil identificá-lo, a não ser que o assassino estivesse na espreita. Tenho meu suspeito e seu nome é Aluízio Pistola

Você precisa morrer. Essas obsessões, esses pensamentos assassinos, é preciso matar desde você, eliminando as aparições de sua mãe até a extinção de Dona Binha.

Mas seus legumes são agradáveis, e sua vagina é saudável.

Eu o entregarei para a polícia!

Eu posso ser tratado.

Não pode viver em sociedade. Manicômio judiciário. Somente isso.

Já matou alguém?

Não. Mas tenho a lista.

Quem está nessa lista?

Você e Seu Zinho estão.

Por quê?

Porque o mal nasceu a partir de vocês. Antes de o Senhor Zinho começar a beber, não aconteciam acidentes com tanta frequência, não havia assassinatos por aqui. Nenhum! E Dona Binha não tomava medicamentos. Antes de você apresentar Gisa a Greg, não havia o namoro, as drogas, todos os conflitos que a perturbam hoje. Mas tudo isso pode ser mentira. Eu fiz uma promessa, e sua morte faz parte dela.

Eu estou sofrendo. Sinto muito, meu amigo! Sinto muito! Você está mesmo muito doente. Eu tentarei ajudá-lo. Quem mais faz parte de sua lista? Quem será o primeiro? Que doença terrível essa? Estou pensando em Greg, estou doendo por Greg.

Também tento sentir compaixão por tudo isso.. Preciso contar outro segredo.

Estou aqui, estou ansiosa. Não atrase as palavras.

Mama Binha e Papa Vinho abusaram do menino. Eles o alugavam como escravo sexual e o abusaram sexualmente durante anos. Até que o menino comentou sobre o assunto na escola. Foi algo além de um comentário, foi o desabafo de uma criança em surto numa das aulas de Educação Religiosa. Ele gritou seu medo e ódio entre outras obscuridades assustadoras, além de culpá-los por estar condenado a arder entre as chamas infernais.

Na verdade ela nunca foi uma boa mulher. E há quem diga que está fingindo os próprios delírios. Os danos cerebrais não foram observados nos exames. Segundo a irmã é um caso raro de doença mental e está sendo estudado por cientistas de todo o mundo.

Ana não está bem. Eu imagino que os cientistas do mundo tenham outras preocupações. Sobre Greg, se for assim, sempre foi a vítima, Sinto vontade de abraçá-lo, de fritar bolinhos de orelha-de-pau para ele.

Orelha-de-pau?…

Sim, não irei explicar isso. Faça seu melhor e descubra. Nosso amigo está destinado a viver além de si. Agora o compreendo por agir como um gigante e, em seguida, como se fosse um nanico, e suas danças no meio da rua enquanto provoca os motoristas têm muito mais sentido para mim depois de conhecer sua tragédia infantil. Talvez ele seja o único que mereça morrer. Sim, o primeiro a morrer deverá ser Gregório Franco, seja por quem for, como for. Que sofra a velha Binha e o velho Zinho, estupradores, psicopatas, sociopatas, condutopatas… Patos cagões.

Não sofra por isso. Ele os ama muito, e, naquela noite, o tempo todo, Mama Binha o chamou de Papa Zinho.

Por que não se matou? Ou a matou?

Ele é jovem demais e quer pisar noutros solos, respirar outros ares, conhecer outros ambientes, todos quanto conseguir. Eu o aconselhei muito a fazer isso. Não quero mesmo que esteja aqui por mais tempo. Ele faz de tudo para não encontrá-la. Não quer vê-la nem a distância.

O velho é carinhoso. Ana disse que, de uns dias para cá, o pinguço deu para deixar bilhetinhos de amor por toda a casa. São declarações simples e belas como: “Bom dia, minha amada, muito e muito amada, Mama Binha”. Também: “Durma bem, minha deusa, minha sempre adorada Mama Binha”. Greg deixou uma centena deles comigo, deverei visitá-la de vez em quando.

Mama Binha?…

Sim, era Papa Zinho e Mama Binha. Não sabia? De sua parte, o velho dizia ser um apelido afetuoso e um apelo sexual. Ainda assim, não sei como consegue escrever bilhetes de amor todos os dias

Ana ficará na casa. É a filha mais velha, está viúva. Foi ela quem me mostrou os bilhetes. Todos lidos e relidos por Mama Binha que agora usa minissaia, maquiagem, bijuterias, óculos psicodélicos… Espera Greg todos os dias sentada na calçada, encostada nas colunas da varanda, ou no portão. E o Seu Zinho agora é o Tio Mariano. E não cansa de mandá-lo embora. Ele sai dizendo que está indo embora, embora é o Boteco da Quibeleza, de onde sempre volta.

Estou com medo.

E Gisa?

Gisa tem meu amor. Cuidarei para que não se torne reclusa.

Gisa é reclusa.

Não é.

É!

Não é! Ela é dançarina e os vizinhos não gostam de barulho. Ela fica em casa para dançar. Ouve as músicas num fone de ouvido e dança para si diante do espelho. Eu deveria dizer para sis.

Para sis…

Sim, há diversos espelhos em seu quarto, inclusive todo o piso de seu quarto é espelhado. E ela dança para elas, enquanto dança para ela. São diversas Gisas dançando com ela, no mesmo ritmo. No final é comum todas caírem exaustas. É quando Gisa olha para o teto e sente a pressão de seus corpos sobre o seu, e há muitas Gisas que a circundam na mesma posição, todas com a mesma expressão, o mesmo erotismo, centenas de dedos agitados, dezenas de vaginas úmidas, e, por fim, o gozo coletivo de Gisa, de todas as Gisas. Ecos de suas gargalhadas. Nenhuma flor contra a parede, apenas ela no estado mais elevado de sua natureza química.

E física….

Surreal.

Matemática!

Humana.

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Tereza Du’Zai é poeta, contista, cronista e professora de Língua Portuguesa e Literatura. O tempo, a loucura, a solidão e a morte são temas recorrentes na sua obra. Vencedora do III Concurso UFES de Literatura na categoria poesia, participou também de coletâneas publicadas entre 2016 e 2022.