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Os padrões de beleza sempre estiveram presentes na nossa sociedade, mesmo com mudanças no significado do que é ser bonito e quais características exaltam fisicamente o ser humano. Com o avanço dos meios de comunicação, é cada vez mais debatida a desconstrução desses padrões, que, por conta de vivermos em uma sociedade machista, atingem muito mais as mulheres do que os homens.
Dentro dos diversos procedimentos existentes no mundo da estética, o implante de próteses de silicone nos seios é a segunda cirurgia plástica mais realizada no Brasil. O que tem sido debatido desde 2015 é a quantidade de mulheres que estão retirando as próteses, pois desencadearam diversos problemas de saúde após o implante. Dentre os sintomas relatados, os principais são: alteração cognitiva, perda de memória, fadiga crônica, fraqueza muscular, mialgia e diversos outros que são descobertos ano após ano.
Os sintomas relatados são resumidamente chamados de “doença do silicone”, que cientificamente é chamada de Síndrome ASIA (síndrome autoimune/inflamatória induzida por adjuvantes). De forma resumida, as mulheres que retiraram a prótese de silicone afirmam que todos os sintomas relatados desapareceram.
Dito isso, a seguir temos a entrevista com a Larissa de Almeida, de 36 anos, professora do Estado do Ceará e empreendedora no ramo de confecções. Larissa é administradora do perfil @explantedesilicone, no Instagram, sendo a página mais seguida com esse tema no Brasil, com quase 150 mil seguidoras e seguidores. O perfil busca alertar outras mulheres sobre os riscos do implante de silicone e como foi a sua experiência na retirada das próteses e com a Síndrome ASIA.
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Autoaceitação é um assunto bem debatido na época atual, mas que há alguns anos sequer era falado, quais cobranças você tinha com seu corpo?
Sempre fui magrinha, de baixa estatura, porém não tinha uma insatisfação tão grande em relação ao meu corpo, afinal, a altura é algo que só poderia mudar com uso de saltos. Posso dizer que a primeira “pressão” para me sentir mais aceita foi o fato de alisar os cabelos cacheados. Com isso, fui aprendendo a me maquiar e a me vestir de acordo com a “moda”, e, com o tempo, acabei cedendo e fazendo cirurgias.
Como a cirurgia plástica foi se tornando uma “solução” para o que lhe incomodava?
A facilidade de mudar algo no corpo, ainda mais de maneira gratuita (fiz uma rinoplastia pelo SUS), me fez abrir os olhos em relação à cirurgia plástica como algo simples e fácil, uma solução cômoda e viável. Logo após a rinoplastia, fui pesquisando sobre a mamoplastia de aumento com próteses de silicone, observando blogs que mostravam resultados, admirando mulheres siliconadas na mídia e já estava decidida a colocar as próteses mesmo antes de ter o valor disponível para tal.
Para que fique claro todo o seu processo com o implante, como você chegou à decisão de colocar silicone nos seios?
Meu objetivo quando entrei na fila do SUS para cirurgia plástica era colocar próteses. A equipe de residentes do HGF me avaliou e disse que eu não teria indicação. Dois anos depois, eu estava com próteses. A decisão veio de uma insatisfação com a perda de peso e, consequentemente, perda de volume mamário. Comecei a acreditar que me sentiria mais “mulher”, “proporcional” e “feminina” se tivesse próteses. Queria não usar mais sutiãs com enchimentos.
O que você sabia sobre cirurgia plástica e sobre a prótese mamária antes de decidir colocar?
Pesquisei bastante e li relatos da chamada “rejeição”, que costuma acontecer com pouco tempo de implante. Li depoimentos na internet de casos de mulheres cujas próteses estavam expostas no seio, pontos que não fechavam, infecções, porém tudo sendo relatado como raro. Nunca ouvi falar sobre outros sintomas relacionados às próteses além de rejeição e contratura capsular. Havia pouca informação disponível na internet em 2012, mesmo assim, pelo que li, achei seguro e decidi colocar.
Quais eram as contraindicações da prótese mamária que lhe foram repassadas durante a consulta com o cirurgião?
Também perguntei ao médico sobre as intercorrências sobre amamentação, se interferia, além de ser informada também que a taxa de incidência de contratura capsular era baixa, menos de 5% em 5 anos. Tirando isso, não fui informada de nenhuma contraindicação. As únicas ressalvas do médico eram em relação à proporção da prótese em relação ao meu corpo, ou seja, eram preocupações estéticas somente.
Como uma profissional que também produz conteúdo pra internet, qual a sua opinião em relação à cirurgia plástica?
Penso que a cirurgia plástica é um excelente caminho na questão de corrigir as deformidades das pessoas, como em pessoas com problemas congênitos, más formações, queimaduras. Em alguns casos estéticos como pós-bariátricas, rinoplastia significante, até concordo.
Porém, o que estamos vendo atualmente são cirurgias completamente desnecessárias, mulheres, principal público alvo dos cirurgiões devido à pressão social, fazem lipo lad (HD) sem necessidade, rinoplastia para “melhorar” a aparência de um nariz que nem era feio, enfim, está encaminhando para uma falta total de senso e as pessoas estão se tornando iguais com tantos procedimentos cirúrgicos faciais e corporais. A cirurgia plástica deveria ser feita somente após um ano de terapia com psicólogo.
Como foi sua reação pós-cirurgia de implante de silicone e quais as mudanças que isso trouxe na sua vida?
O pós-imediato às próteses foi bem complicado, pois tinha dificuldade de respirar, os pontos demoravam a fechar e fiquei com uma cicatriz bem feia. O resultado foi satisfatório inicialmente, depois percebi o quanto usar um decote chamava muita atenção e fui me incomodando cada vez mais com isso.
Como a prótese de silicone se tornou um problema?
A partir do momento em que coloquei, engravidei um tempo depois e tive dificuldades para amamentar, desenvolvi mastite. Depois de 3 anos, as mamas começaram a enrijecer ainda mais, sentia dores e sintomas que não associava às próteses pela falta de conhecimento mesmo. Quando encontrei relatos sobre a Doença do Silicone, percebi que tinha tido diversos sintomas ao longo dos quase 7 anos com as próteses, dentre os quais olhos secos, pele seca, queda de cabelo, perda de memória, ovários micropolicísticos, cistos nas mamas, dores locais, deformidade na mama, perda de sensibilidade, diminuição da libido, rinite, sinusite, hipotermia, dentre outros.
Como foi o processo hospitalar para retirar as próteses? Se sentiu julgada ou desconfortável?
O processo até encontrar um médico foi já, por si só, bem difícil. Consultei três antes de decidir por um. Muitos estão tão acostumados a somente colocar próteses que não sabem nem como lidar com a paciente. Fiz uma série de exames, e sempre relatava para as funcionários das clínicas o motivo. Muitos me questionavam, ficavam curiosos. Em alguns momentos me senti julgada sim, afinal, eu estava indo contra o desejo de muitas mulheres, estava querendo me livrar de algo que muitas consideram um “sonho”. No hospital foi tranquilo, me trataram bem.
Como você descobriu sobre a síndrome ASIA? Quais canais de comunicação foram importantes nesse momento?
Em posse de informações importantes para o diagnóstico através de leitura de artigos científicos e grupos de apoio ao explante no Facebook, busquei uma reumatologista. Assim, fiz todos os exames solicitados e houve indicação dela para que eu fizesse a cirurgia. Desta forma, a rede de apoio e as informações foram muito importantes para mim, assim como são para milhares de mulheres na mesma situação.
Qual sua opinião sobre os cirurgiões plásticos no Brasil serem em grande maioria homens? Isso influenciou nas suas cirurgias?
Ainda busquei alguma referência feminina para realizar minha cirurgia, mas não encontrei indicações ou não senti firmeza nos argumentos quando perguntei sobre retirada de próteses.
Não me agrada o fato de ver a classe médica de cirurgiões plásticos do sexo masculino ditando formas ou sugerindo “defeitos” em mulheres, tendo em vista que estamos em uma sociedade extremamente machista.
O constrangimento ao se consultar com um cirurgião ainda é grande, ainda que exista tal profissionalismo e a relação ética médico-paciente. Enfim, se eu pudesse escolher, escolheria uma médica para meu explante, sem dúvidas.
Como você se sentiu após retirar as próteses de silicone?
Tive um alívio imediato na respiração. Costumo dizer que o explante foi um sopro de vida para mim, uma vez que eu estava com fadiga crônica, perda de memória e inúmeros outros sintomas que cessaram totalmente após cerca de 180 dias. Me senti estranha somente nos primeiros 20 dias, ainda com cicatrizes que puxavam e incomodavam. Depois os seios foram tomando mais forma, fui aprendendo a admirar meu decote sem silicone, bem mais delicado e feminino. Fui me empoderando cada vez mais e me amando na minha essência!
Como os cirurgiões deveriam se posicionar com as mulheres que buscam colocar implantes? Quais deveriam ser os avisos prévios?
Recentemente, devido aos estudos e à pressão de mulheres sobre a FDA (Food and Drug Administration – agência reguladora estadunidense), foi criado um aviso de tarja preta para as próteses, contendo inúmeras afirmações sobre os possíveis problemas, e todas as pessoas interessadas em próteses terão de ler e assinar os itens, um por um. Creio que a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não tem recebido a mesma pressão. As próteses continuarão a serem vendidas (no Brasil) sem nenhum aviso. Além de ser necessário esse aviso, uma mulher deve ler relatos de outras mulheres com as próteses, pesquisar artigos, pesquisar também o histórico do médico, enfim, a consciência deve partir da paciente e o médico tem que ter o dever de informar todas as intercorrências, ainda que sejam cientificamente consideradas como “raras”.
Você é uma das administradoras do perfil @explantedesilicone, como funciona a produção de conteúdo do perfil e a proporção que ele tem hoje?
Criei o perfil em dezembro de 2019 e convidei duas amigas para me ajudarem na administração do perfil. Até o mês passado, era uma conta privada, pois tivemos postagens apagadas pelo Instagram sem explicações. Como medida de segurança, fechamos o perfil. Foi bem difícil no começo, recebíamos muitas mensagens e comentários desdenhando e descredibilizando a nossa causa, porém não focamos no negativo, focamos nas inúmeras mulheres que já ajudamos.
Recentemente, tivemos de abrir o perfil devido a um bloqueio do próprio Instagram, que nos impedia de aceitar mais seguidores. Enfim, hoje, dividimos as tarefas entre produção de conteúdo com base científica, relatos, respostas aos directs, postagens de autoestima nos stories e repostagens de citações feitas nos stories. É bastante trabalhoso, porém passamos de 120 mil seguidores de forma totalmente orgânica (no momento da publicação desta entrevista, o perfil apresentava 147 mil seguidoras/es), sem pagar publicidade ou qualquer tipo de parceria com influenciadores.
Muitas influenciadoras passaram a falar do assunto, citando nosso perfil, por isso, sempre que isso acontece, ganhamos muitos seguidores. Nosso público hoje é 96% feminino e entendemos que nosso perfil se divide em duas grandes partes: mulheres que desejam colocar próteses e mulheres que desejam retirar. Acreditamos que influenciamos positivamente milhares de mulheres a compreenderem melhor sobre as próteses e seus efeitos em nosso corpo.
Falar sobre a retirada de prótese vai contra o que é postado pela maioria das influenciadoras digitais no Brasil, como poderíamos popularizar e abordar esse tema?
Quanto mais a gente puder falar sobre os nossos corpos, empoderando outras mulheres, mostrando que somos perfeitas justamente por conta das nossas diferenças, talvez teremos um menor número de mulheres fazendo implantes, uma vez que iremos nos espelhar nas mulheres mais naturais. Quando outras influenciadoras tiram suas próteses e falam abertamente sobre isso, também é uma forma de popularizar este tema. Recentemente, a blogueira carioca Evelyn Regly tirou suas próteses e fez com que ganhássemos mais de 10 mil seguidoras em menos de 6h, além de recebermos inúmeras perguntas. Quanto mais se fala, mais proporção.
Após a retirada da prótese, qual sua relação com a cirurgia plástica e a sua opinião com quem decide colocar a prótese?
Ainda acredito que a cirurgia plástica é uma área da medicina que pode ajudar muita gente, principalmente em casos de reconstrução, como em pessoas queimadas, abdominoplastia pós-bariátrica, deformidades congênitas, dentre outros casos. No entanto, muitos médicos dessa área, em sua maioria homens, opinam de maneira incisiva em nossos corpos.
Acredito fortemente que as pessoas podem fazer o que querem com seus corpos, os mais diversos procedimentos que existem, porém, todas devem ser informadas de quaisquer efeitos adversos ou consequências possíveis de acontecer com determinados procedimentos. Tudo tem seu ônus e bônus. O médico não deve ser detentor único das informações. Temos que pesquisar também!
Como você consegue ajudar outras mulheres que consideram o explante uma opção?
Muitas procuram por resultados e também por inspirações em mulheres fortes que passaram por isso, é o que tento mostrar e fazer.
São mulheres que projetam um sonho num pedaço de plástico, mas nós temos muito mais a conquistar do que somente dois pedaços de bolas tóxicas dentro do nosso organismo. Empoderar é a chave!
Como que você trata os procedimentos estéticos após as complicações pós-silicone?
Não faço e nem recomendo nenhum tipo de procedimento estético invasivo. Tenho meu corpo como maior experiência de que substâncias fabricadas não são feitas para estarem dentro do nosso organismo.
E sobre a síndrome ASIA, quais foram as principais mudanças no seu corpo que aconteceram pós-explante?
Olhos secos, fadiga crônica e perda de memória eram os sintomas mais recorrentes da ASIA em meu corpo e todos desapareceram como um passe de mágica após o explante. Outros sintomas sistêmicos também desapareceram. Não existe coincidência, existe relação causal.
Se pudesse voltar no tempo, o que diria à Larissa do passado que quer muito colocar silicone?
Larissa, por favor, me escute: colocar próteses não será benéfico para sua saúde, milhares de mulheres estão adoecendo no mundo por conta da vaidade. Não acredite em quem quer te vender procedimentos! Faça sua viagem pela Europa em vez de colocar próteses. Se sentir vontade novamente, viaje mais uma vez, para outro destino. Depois de conhecer o país inteiro e vários continentes e culturas, busque terapia e procure ler sobre os malefícios das próteses.
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Mário Victor – mariovictorr@gmail.com
Mário Victor é estudante de Comunicação Social/Jornalismo na Universidade Federal do Ceará (UFC) e esta entrevista foi realizada como atividade do curso de Comunicação Popular e Marketing Digital, facilitado pela Revista Berro, no Centro Cultural do Grande Bom Jardim (CCBJ).