Primeiras impressões da vida na cidade



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(Arte: Rafael Salvador)

bodeberro@revistaberro.com

Óia aí, galera. Os caba aqui da revista deixaram esse bicho aqui dando sopa e eu vou aproveitar pra escrever um pouquim.

Aprendi a escrever com um menino lá do interior de onde eu vim, o João. De que interior? Olhe, minha história de como eu vim parar aqui é tão, tão, tão cheia de coisa que qualquer dia desses eu tiro uma manhã ou uma tarde dessa todinha pra contar ela. Ó, vão desculpando aí meus erro de português, que num é nem minha obrigação falar a língua de vocês direito, né? Eu entendo mesmo é de caprinês. Nessa eu sou bom. Quer ver? Ó: béééééééé!!! Entenderam? Não, né? Pois eu disse que ia contar o que tô achando aqui da cidade grande.

Olhe, desde que eu cheguei por aqui – eita Fortaleza réa grande viu! -, tenho reparado numas coisas esquisitas de vocês, seres humanos. Num entendo nada desse negócio de política que vocês tanto fala. Mas, se vocês usa esse negócio pra viver melhor, tem alguma coisa errada aí. Vocês num tão usando esse negócio direito não viu!

Oxe, em pouco tempo vivendo aqui, já vi umas coisas muito estranhas: vi pessoas dormindo no meio da rua, outras catando o lixo pra comer, umas criança em vez de tá brincando, tava era pedindo… comé que vocês chama mesmo? Ah, lembrei, esmola. Que troço doido! Os pobre infeliz que dormia na rua num tinha nem um cobertor pra se agasalhar! Isso lá é coisa que se faça? Comé que vocês deixa os irmão de vocês chegar numas condição dessa? Dormir no meio da rua? Num ter o que comer? Criança sem brincar? Óia, lá do campo donde eu vim, nóis num tinha muito luxo não e nem discutia esse negócio de política, mas num tinha um bode véi ou uma cabra véa que dormisse ao relento, um bode véi e uma cabra véa que num tivesse o de comer, um cabritim ou uma cabritinha que num brincasse pelos mato. Nã-nã-ni-nã-não! No nosso mundo, todo bode e toda cabra tem esses direito tudim. Pra vocês aqui, seres humanos, parece que esses direitos só vale pra uns pouquim, né? Onde já se viu um diacho desses?

Tava andando também na rua e vi uns caba falar de uma tal de copa do mundo. Parece que aquele negócio de política tá envolvida aí. Os caba tava dizendo que o governo gastou um bocado de dinheiro público pra fazer essa copa. E que essa copa tirou um bocado de família de suas casas: 250 mil pessoas!!! E que desrespeitou a lei maior de vocês, uma tal de cons-ti… cons-ti-tu… constituição! É, era esse o nome! Olhe, se os caba tava falando a verdade, eu vou dizer viu: essa copa tá qu´é uma moléstia! Oxe, que diabéisso? E por que num gasta esse dinheiro pra dar um abrigo pros que moram na rua, pra dar de comer pros que tava catando do lixo? Donde já se viu expulsar as pessoas de suas casas por causa de uma tal de copa? Olhe, num sei nem quem é essa tal de copa, mas já tô é com abuso dela! Vê se pode um troço desse! Eu num entendo vocês não, viu! Vocês tão me parecendo meio abirobado das idéias. E é porque vocês dizem que são os únicos bichos da natureza com consciência. Pois eu é que num invejo essa consciência aí de vocês!

Ahhh, e esse troço que vocês chama de televisão? Quando vi pela primeira vez, pensei que era legal. Mas é mais um negócio esquisito de vocês. Tava vendo um futebolzim dia desses (bom mesmo é assistir na beira do gramado, comendo uns matim, como eu fazia lá no interior) e nos intervalo tinha um diacho de um negócio… comé que vocês chama? Pro… propaganda! É vendendo isso pra cá, vendendo isso pra lá… compre isso, compre aquilo! Que troço mais chato! Eu só queria ver o futebol, e não que tivesse vários chatos me dizendo o que fazer, o que comprar, o que comer, o que beber, o que usar o tempo todo! Até dentro do jogo, num sabe?, aparecia essa tal de propaganda! Meus amigos aqui da Berro disseram que muitos de vocês, seres humanos, assistem essa televisão todo santo dia. Alguns, o dia todo! Arre égua! Comé que vocês se acostumaram com isso?

Oxe, minha gente, tem tanta coisa melhor nessa vida do que perder tempo em frente esse troço luminoso. Luz por luz, eu sou mais a do sol ou da lua. Tem também a dos vaga-lume, que é verdinha e bonita que só ela! Tem um marzão desse aqui na cidade e vocês perde um domingo em casa pra ficar assistindo aquele tal de Faustão? Minha gente, me desculpe a sinceridade, mas assisti aquela porcaria uma vez pra nunca mais. Ô negócio sem futuro, nam! E me disseram que ele já tá na televisão tem bem uns vinte anos e as pessoas ainda assiste esse caba. Olhe, essa tal de consciência que só vocês tem deve explicar essas esquisitices medonhas!

Fiquei abestalhado também quando soube que aqueles caba tudo com a mesma roupa, com aquelas cara de raiva, que vocês chama de polícia e guarda municipal, são pagos pra proteger os cidadão. Oxe, comé que pode, homi? Os caba desce a peia nuns pobre duns estudantes que só tava pedindo um direito deles e vocês acham mesmo que eles protege vocês? Pelo que eu vi, essa polícia e essa guarda de vocês num defende as pessoas tudo não. Defende só os barão, aqueles que ou tá na política ou conhece quem tá na política. Onde já se viu? Meter a sola nuns pobre duns estudantes? Essa tal de política num tá servindo pro propósito dela não viu… Nóis lá no campo num entende nada desse negócio de política, mas, óia, lá nóis vive tudo direitim, tem nosso cantim pra dormir, matim pra comer, matim pra fumar, e nóis num precisa de polícia não; lá, nóis mesmo se ajuda, se protege, cada um cuida do outro. Essa tal de política tá levando vocês pro brejo, ou melhor, pro matadouro!

Por enquanto, é isso! Mas olhem: vê se vocês se aprumam nessas doidices! Que eu sou só um bode, num tenho estrutura pra tanta esquisitice assim não, num sabe? Inté a próxima!

Bééééééééé!!!!

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Bode Berro é o mentor intelectual e guru espiritual da Revista Berro


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