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Enquanto não houver transparência, a erradicação dessa prática será quase impossível.
As dinâmicas entre a escravização do período colonial e a contemporânea são distintas, mas a finalidade das duas é a mesma: o lucro. Apesar de ser menor na era colonial, hoje, medido pela taxa Retorno Anual de Investimento (ROI), o lucro com o trabalho escravo vai de 70% a 1.000%. Uma porcentagem com grande margem devido à exploração sexual que gera lucros absurdos. Mesmo após sua proibição, a prática continua a existir.
Alguns aspectos diferenciam a escravidão colonial da contemporânea. Antigamente, a prática era legalizada e gerava grandes custos com o deslocamento. Por ser feito em navios, o trajeto durava meses e muitos escravizados morriam no meio do caminho. Nos dias atuais, em nenhum país o trabalho escravo é reconhecido por lei como prática de mercado, o que não quer dizer que não exista.
É barato e ágil para os produtores. “Os motivos que ensejaram a escravidão colonial e que fazem com que até hoje exista a escravidão contemporânea são na verdade os mesmos motivos: conseguir aumentar ao máximo o lucro a partir da exploração do trabalho de alguém, da desumanização de alguém”, explica Paula Nunes, advogada especialista em Direito Penal Econômico da Conectas Direitos Humanos.
Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2005 a 2012 o lucro do trabalho forçado cresceu significativamente. Foi de uma estimativa de 12,3 milhões de trabalhadores escravizados, que geraram 32 bilhões de dólares para seus exploradores, a 20,9 milhões de trabalhadores, que geraram 150 bilhões de dólares.
Os números da escravidão moderna são preocupantes. Ainda de acordo com a OIT, havia mais de 40 milhões de pessoas vítimas de escravidão moderna em 2016. Desse número, 396 mil estariam no Brasil.
O Brasil, que foi o último país a deixar o regime da escravidão, define o trabalho escravo em seu Código Penal, no artigo 149, a partir de quatro elementos: trabalho forçado, jornada exaustiva, servidão por dívida e condições degradantes.
As leis no país são um exemplo internacional de combate à escravização contemporânea. Há três formas de responsabilidades legais: a criminal, a trabalhista e ações civis públicas. Apesar disso, a especialista afirma que “existe uma discrepância dentro do próprio judiciário sobre como enxergar, como compreender e como responsabilizar o trabalho escravo”.
Existem também pelo menos três projetos legislativos que preveem a redução no conceito de trabalho escravo à restrição de locomoção. A possibilidade de retrocesso legislativo gera preocupação somada à extinção do Ministério do Trabalho e Emprego e a aprovação da Reforma Trabalhista e Lei Geral de Terceirização. A primeira prejudica a fiscalização e a sustentação do combate à escravização. Já a segunda autoriza a contratação de terceirizados para atividades fins e facilita a contratação de empresas que admitem trabalhadores na cadeia de trabalho escravo.
“Lista Suja”
Ainda assim, o Brasil possui um mecanismo de combate importante considerado pela ONU como um exemplo global, a “Lista Suja”, uma base de dados criada pelo governo em novembro de 2003. Ela divulga empresas, fazendas ou empregadores no geral que foram autuados pelos auditores fiscais do trabalho, cujos locais mantinham pessoas em situação análoga à escravidão. Por ser público, é um mecanismo importante de divulgação para garantir que as empresas coloquem em prática as políticas de responsabilidade social.
A Lista Suja divulgada pelo governo em outubro apontou 28 novos empregadores responsáveis por submeter 288 trabalhadores à escravidão contemporânea. Estão entre elas a administração do evento Vaquejada da Serrinha, fazendas de plantação de café, banana, carnaúba, uma empresa espanhola que atua no setor de gás no Rio de Janeiro, e o filho de uma deputada estadual do Espírito Santo.
A lista suja possui, ao todo, 190 empregadores autuados pelo crime. Ações de fiscalização já resgataram 2.005 trabalhadores. Essa ação pode ser dificultada, uma vez que era feita pelos auditores fiscais do trabalho em parceria com o Ministério extinto.
Devido à grande competição do mercado, as grandes empresas utilizam mão de obra barata e violam os direitos humanos na intenção de baratear seus produtos e maximizarem os lucros. Desse modo, o trabalho escravo é tido como fundamental para a produção imposta hoje. Os impactos são globais.
A competitividade é impulsionadora do trabalho escravo. Muitas empresas não estão preocupadas em combater essa prática em sua cadeia de produção enquanto a concorrência a utiliza. Além disso, poucas são as companhias responsáveis por começar a produção e ir até o final.
Em 2011, pensando no papel das empresas no combate a esse problema, a ONU lançou os Princípios Orientadores de Empresas para proteger os Direitos Humanos. A responsabilidade não fica mais encarregada apenas ao Estado, e diretrizes são estabelecidas para elas seguirem.
Uma dessas orientações é a devida diligência de Direitos Humanos, que não impede somente que o trabalho escravo aconteça na cadeia produtiva das companhias, mas é responsável por impedir de forma proativa que tais violações aconteçam. A advogada afirma que a ação “é importante para entender o papel proativo que as empresas precisam ter”.
Esse é o primeiro passo esperado das empresas que se dizem responsáveis pelo desenvolvimento sustentável: a compreensão de que suas atividades podem causar efeitos nocivos para a vida dos seres humanos. Como a especialista em Direito Penal Econômico afirma, “é interessante olhar para as cadeias produtivas das empresas para poder cobrar”. O avanço no combate ao trabalho escravo é, então, pensado a partir da transparência nas cadeias produtivas e no olhar sustentável para o mercado global.
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Vitória Macedo é estudante de jornalismo da PUC-SP.