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Por Artur Pires
Hoje, 13 de maio de 2014, completam-se 126 anos da abolição da escravidão no Brasil. Na teoria, sublinhe-se. Na prática, as condições de acesso e oportunidades nos processos sócio-econômicos, culturais e educacionais à população negra brasileira continuam sendo negadas, tal qual na época das senzalas.
Apesar de constituírem mais da metade da população brasileira (IBGE, 2010), com 51% dos habitantes do Brasil, os negros (pretos e mulatos) são recorrentes na grande maioria dos indicadores negativos do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Se o país fosse dividido pelas “raças” e pelo acesso destas às oportunidades, constataríamos um Brasil com padrões nórdicos de um lado – a face branca -, e outro de índices semelhantes aos países mais pobres da África – o pedaço negro.
Ainda que o Brasil tenha evoluído em IDH, melhorado a distribuição de renda, diminuído a taxa de analfabetismo, a população negra continua sendo a que menos tem acesso a estas recentes conquistas sociais, pois, segundo estudo de 2010 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mais de 70% dos brasileiros situados na faixa de vulnerabilidade social e econômica são negros.
Mercado de trabalho
No mercado de trabalho, a desigualdade proporcionada pela cor da pele também salta aos olhos. Segundo o Relatório Global sobre Igualdade no Trabalho, estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a taxa de desemprego é bem maior entre negros. Já outra pesquisa desenvolvida pelo Instituto Ethos, mostra que quanto maior o nível hierárquico nas empresas no Brasil, menor a probabilidade de ter um negro no comando. No ano do levantamento, 2010, os negros representavam residuais 5% dos executivos e 13% dos gerentes nas 500 maiores empresas brasileiras. Para completar o quadro, levantamento elaborado pela instituição Salário BR, que pesquisa diferenças salariais no país, constatou que a remuneração média de um negro no Brasil é 35% menor do que a de um branco; enquanto a média salarial de profissionais negros é de R$ 1.822,00, a de profissionais brancos é de R$ 2.461,00.
Ainda hoje, 126 anos após a abolição da escravatura, é comum tomarmos conhecimento de trabalhadores sendo escravizados, principalmente em atividades no campo, relativas ao agronegócio. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), há cerca de 27 mil trabalhadores laborando sob condições subumanas, sem direito a água potável, alojamento, salário e, o mais absurdo, com o direito à liberdade de ir e vir cerceado. São, em sua maioria, semianalfabetos e negros. 126 anos depois!
Índices de violência
Outro dado alarmante que recai com maior força sobre a população negra brasileira diz respeito aos indicadores de violência. A mortalidade de jovens negros entre 15 e 29 anos é três vezes maior do que entre jovens brancos. Segundo estudo do IPEA, de 2011, intitulado Dinâmica Demográfica da População Negra Brasileira, em 2001 e 2007 – anos pesquisados – a principal causa externa de morte na população negra foram os homicídios, responsáveis por aproximadamente 50% dos óbitos. O grau de vitimização da população negra é assustador! Há uma probabilidade 103,4% maior de um negro ser vitimado do que um branco. Quando se analisa só a faixa etária dos jovens de 15 a 25 anos, essa probabilidade aumenta para 127,6%.
Ainda na década de 60 do século passado, o líder negro Malcolm X disse que “depois que a polícia convence o público de que o negro é um elemento criminoso, a polícia pode chegar e interrogar, brutalizar e assassinar negros desarmados e inocentes. Isso faz da comunidade negra um Estado policial. Isso faz do bairro negro um Estado policial. É o bairro mais patrulhado. Tem mais polícia que qualquer outro bairro, e ainda assim, tem mais crimes que qualquer outro bairro. Como pode ter mais policiais e mais crimes? Como pode? Isso nos mostra que a polícia deve estar envolvida com os criminosos”. De tão atual parece que ele falou isso hoje, né?
De acordo com pesquisa mais recente do IPEA, divulgada em 2013, a probabilidade de um negro ser vitimado é 135% maior do que um branco: enquanto a taxa de homicídios de negros é de 36,5 por 100 mil habitantes, no caso dos brancos, a relação é de 15,5 por 100 mil habitantes. Ainda segundo o mesmo estudo, “a cor negra ou parda faz aumentar em cerca de 8% a probabilidade de um indivíduo ser vítima de um homicídio. Isso tem como consequência uma perda de expectativa de vida devido à violência letal 114% maior para negros”. Dos 52.198 mortos por homicídio no Brasil em 2011, 71,5% eram negros.
Em suma, com esses números alarmantes, constata-se que a matança violenta no Brasil tem rosto e cor: jovem, negro, morador da periferia das grandes cidades.
Acesso à educação
No que diz respeito ao acesso à educação, a situação se mantém extremamente desigual. Segundo o IBGE (2010), 70% dos 14 milhões de analfabetos do país são negros. De acordo com o pesquisador Kabengele Munanga, em Políticas de ação afirmativa em benefício da população negra no Brasil:um ponto de vista em defesa de cotas, a situação é tão desfavorável à população negra que se, hipoteticamente, por um passe de mágica, os ensinos básico e fundamental melhorassem seus níveis para que os estudantes de escola pública pudessem competir em igualdade de condições no vestibular com alunos de colégios particulares, os estudantes negros levariam mais de três décadas para atingir o atual nível dos alunos brancos.
No ensino superior, o quadro é também bastante excludente. De acordo com pesquisa de 2011 da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) sobre o perfil dos estudantes de graduação no Brasil, constatou-se que apenas 8,72% dos estudantes são pretos, ao passo que os brancos representam 53,9% desse universo, e os pardos, 32%.
Como se percebe, a questão racial naturaliza e contribui para o enorme fosso de desigualdade no Brasil. Há um claro desequilíbrio de oportunidades de acesso às diversas esferas da sociedade. Todos os indicadores sociais apontam para um deletério quadro de vulnerabilidade social da população negra brasileira, seja no mercado de trabalho, no acesso à moradia urbana, à terra, à educação, à saúde e à justiça, enfim, aos direitos sociais básicos.
A mobilidade social do negro no Brasil – ou seja, sua ascensão social em relação ao conjunto da sociedade – continua em patamares residuais. O que se conclui dessa realidade é que, apesar dos tímidos avanços sociais obtidos na última década, a situação da população negra no Brasil continua extremamente vulnerável. Se nada de concreto, que fuja às soluções fáceis e politiqueiras, for feito no sentido de reverter esse quadro social de marginalização e exclusão, a abolição da escravatura no Brasil, para a população negra principalmente, nunca passará de um mero acordo de congressistas no século XIX que chegaram ao consenso de que um outro modelo de exploração, que não o escravista, era dali para frente mais lucrativo a eles, parlamentares, e aos senhores feudais da época, os latifundiários do café.
Há 126 anos abolia-se a escravidão no Brasil. Para quem?
* Texto inserido nos anais da Câmara Municipal de Fortaleza