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Nestes anos de existência, a Berro tentou dar conta de temas importantes. O foco da revista é nítido: visibilizar os setores vulnerados da sociedade e abordar temas importantes desde uma perspectiva contra-hegemônica – desafiando, inclusive, a hegemonia dos meios ditos progressistas ou de esquerda.
A Berro é, dentro do mundo de periódicos alternativos, um sucesso. O conteúdo é interessante, as entrevistas dão o que falar e há espaço para poesia e para construção de narrativas mais sensíveis que permitem disputar sentidos. Entretanto, a busca por um jornalismo diferente que se propõe como ferramenta de transformação da sociedade e não como um canal de notícias cotidianas que invadem, e contaminam, as páginas das publicações engolidas diariamente de um jornalismo enlatado e de baixa potência – sem falar das notícias falsas – também demonstra fragilidades.
Sabemos que as redes sociais, longe de ser um espaço democrático e de construção de política real, são importantes e também permitem que o público tenha condições de acompanhar a vida do meio de comunicação. Durante todo este tempo, a Berro teve momentos praticamente inativos nas redes o que fazia com que o/a leitor/a não soubesse se o bode estava vivo ou se já tinha batido as botas.
Manter um meio de comunicação ativo não é tarefa fácil, exige tempo e dedicação. É ainda mais difícil quando é necessário passar o chapéu para garantir o almoço. As campanhas de financiamento da Berro poderiam ter mais visibilidade para garantir que a revista possa chegar ao público de forma mais assídua e também para construir um vínculo de mais proximidade com as pessoas que, assim como eu, adoram ler as publicações e o cotidiano do Bode.
Popular, mas nem tanto. Apesar de o Bode ser nitidamente da periferia e das ilustrações da revista demonstrarem uma irreverencia marginal, as publicações são marcadas por um vocabulário pouco popular mesmo quando a discussão é sobre temas de interesse da quebrada e/ou dos setores mais populares da sociedade. Construir uma linha editorial alternativa também implica descolonizar a linguagem, mas talvez este debate dê pano pra manga.
Perspectiva de gênero na veia do Bode. As primeiras edições da Berro foram majoritariamente escritas por homens, fato que foi melhorando com o tempo e que demonstra que o Bode já entendeu que não tem jeito, a mulherada está tomando mesmo todos os espaços e é necessário destruir o patriarcado já. Para isso funcionar, também é necessário mudar as formas como se escreve para não seguir reproduzindo a narrativa sexista que está presente em todos os periódicos, inclusive estes que se dizem de esquerda. Pensar em adotar uma linguagem inclusiva pode ser um bom caminho. As análises que são feitas de forma mais ampla nas notas deveriam levar em consideração o recorte de gênero, e não só de classe e raça, para visibilizar as violências que o movimento feminista e de mulheres está denunciando na rua e em todos os espaços.
Somos todos racistas, é verdade já que o racismo em nossa sociedade é estrutural. Por isso mesmo um cuidado especial para não usar termos racistas é importante. É nítido que a Berro é antirracista e isso se reflete na construção de seus artigos, por isso um “nítido” em lugar de “claro” vai bem e ajuda a desnaturalizar a linguagem racista que reproduzimos diariamente.
Pesquisar mais para entrevistar melhor. Só quem está no lugar de entrevistador/a sabe a dificuldade que é fazer perguntas, quando não há muito conhecimento sobre a trajetória da pessoa entrevistada é o fim da picada. O Bode é um provocador (sabemos bem!), mas entrevistar pessoas muito famosas e que já foram entrevistadas diversas vezes cobra um pouco mais de preparo. A entrevista com a Laerte foi incrível, mas poderia ter sido muito melhor.
E aproveitando que falamos em Laerte, ouvir o berro das trans e travestis seria genial. Em tempos cinza como os de hoje, seria lindo derramar um pouco mais de purpurina na Berro.
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Vanessa Dourado – vanedourado.m@gmail.com