Não, eu não sou macaco!



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Racismo
(Ilustração: Ares/Cuba, 2012)

Não, eu não sou macaco! Sou negro, sou índio, uma mistura das duas “raças”, mas macaco não! Macaco não! É impressionante como a sociedade do espetáculo tenta se apropriar dos discursos e das lutas sociais dos oprimidos e de disputas no campo simbólico para legitimar sua opressão; nesse caso, endossar com uma campanha cretina – “somos todos macacos” – o racismo à brasileira.

A atitude do jogador Daniel Alves, do Barcelona, que comeu uma banana atirada ao campo de jogo na sua direção, foi louvável – isso é, se tiver sido espontânea. Tirou uma onda com o imbecil que jogou a fruta no gramado, mas está longe, muito longe de ser uma resposta eficiente aos casos de racismo no futebol. Logo em seguida, pipocou nas redes sociais a campanha “somos todos macacos”, duma agência de publicidade aí que nem vou atrás de saber o nome. Jogadores de futebol, “artistas” (?), apresentadores de televisão e muitos outros globais logo encamparam a frase e posaram com bananas em suas páginas. Os mesmos que são contra cotas para negros nas universidades, em concursos públicos… Vai entender!

Essa publicidade tacanha, que usa cada vez mais técnicas rebuscadas de condicionamento e fetiche, vende a ilusão de que com a frase estaremos todos combatendo o racismo. “Não esqueça do seu selfie com uma banana”, é o que nos impõe. O apresentador oportunista não perdeu tempo e, um dia depois, já disponibilizava camisas da campanha em seu sítio de vendas eletrônicas, não sem antes posar na sua rede social com a banana em riste. De repente, a luta histórica do povo negro está nas mãos de meia dúzia de oportunistas midiáticos, que nada sabem (sabe de nada, inocente!) da opressão racista, que nada entendem sobre o que é ver uma pessoa mudar de calçada na rua ou segurar a bolsa com mais firmeza porque você, que é negro, está indo na mesma direção dela!

De má-fé ou não, o que essa campanha danosa faz, em síntese, é referendar a opressão racista, é afirmar que negros continuem sendo chamados de macacos. Não! Nós não somos macacos! E isso não é coisa que se brinque! Os índices sociais da população negra no Brasil, no que diz respeito à educação, acesso à moradia, mercado de trabalho, violência, entre outros, deixam claro que há dois países num só. Se o Brasil fosse dividido pelas “raças” e pelo acesso destas aos serviços sociais prestados pelo Estado, constataríamos um país com padrões nórdicos de um lado – a face branca -, e outro de índices semelhantes aos países mais pobres da África – o pedaço negro. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) constatou que mais de 70% dos brasileiros situados na faixa de vulnerabilidade social e econômica são negros.

Onde você guarda seu racismo
(Ilustração: Divulgação/internet)

É necessário, portanto, desconstruir o mito do paraíso racial brasileiro, desenhado em Casa Grande & Senzala por Gilberto Freyre e assimilado como verdade absoluta pela sociedade brasileira. “Tenho nada contra os negros, eu até tenho uma empregada de cor lá em casa”. É esse o tipo de discurso comum de grande parte do nosso tecido social. O imaginário coletivo nacional tem a visão encoberta pelo mito da democracia racial: essa maneira deturpada de enxergar a realidade objetiva traz desdobramentos negativíssimos à população negra do país.

Enfim, é preciso abandonar de vez essa idéia de que não há racismo no Brasil. O país é racista, sim! Esse mito foi uma das “criações” mais prejudiciais da história brasileira à luta contra o racismo, pois, a partir do pressuposto de que não há divisão racial, não se atacam as raízes e a espinha dorsal do preconceito de “raça”.

Como já dito, dependendo da pigmentação da pele, um brasileiro pode ter oportunidades bem diversas e contrastantes. O racismo, arraigado no seio da sociedade nacional desde a formação do povo brasileiro, exclui e marginaliza uma parcela significativa da população do país. Chamar-se de macaco não vai contribuir em nada para resolver essa tragédia social. Tenha certeza, absoluta convicção de que autonomeando-se macaco você não estará contribuindo em nada para o fim da opressão histórica contra o povo negro. E, reiterando, piora as coisas: porque, simbolicamente, só confirma e autoriza um dos xingamentos mais odiosos e violentos à população negra. Não, eu não sou macaco!


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