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Alexandre Mourão
As manifestações de junho do ano passado entraram para a história como as maiores desde as “Diretas Já” e o “Fora Collor”. Mais de 80% da população apoiou os atos e boa parte foi às ruas gritar sua indignação perante a atual situação. A maioria dos manifestantes era formada por jovens. Sem dúvida alguma, a juventude está reocupando um espaço importante no espectro político. Isso quer dizer que essa parcela social está incomodando e esse incômodo tem gerado uma série de reações de setores conservadores da sociedade.
Muitos de nós sentimos o cheiro irritante dos gases lacrimogêneos, outros foram presos arbitrariamente, manifestantes tiveram materiais apreendidos, outros espancados e levados para delegacias, sem nenhuma explicação. Houve até a morte de alguns manifestantes decorrente dos abusos da polícia (advindo, por exemplo, do excesso do uso de gás). Um dos maiores absurdos foi o enquadramento de manifestantes na Lei de Segurança Nacional, criada na época da ditadura.
Bom lembrar que essa juventude, que foi em massa às ruas protestar, nasceu durante ou depois do período de redemocratização do país, época essa em que seus pais e avós lutavam para que pudessem votar e exercer outras atividades políticas das quais hoje pode-se usufruir livremente: produzir mídia alternativa sem perseguição, escrever livremente nas redes sociais, publicar uma foto, criar um blog, marcar eventos e ter acesso a qualquer filme, jornal, música,etc. Precisamos valorizar e cultivar esses direitos adquiridos por milhares de pessoas que foram presas, morreram e desapareceram anos atrás.
Somos a geração que levará a história de resistência da geração anterior. Precisamos conhecer nosso passado para não deixar que ações autoritárias advindas de uma cultura violenta se repitam em nossa frágil democracia.
Se ainda passamos por momentos que muito se parecem com os anos de chumbo é porque a democracia não foi aprofundada. Ou melhor: é porque ainda existem muitos entulhos da ditadura num país que ainda possui práticas escravocratas. Esses entulhos do regime militar são, dentre tantos: a militarização da Polícia, a forte concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucas famílias, o desaparecimento de vários “Amarildos” nas periferias, a criminalização dos movimentos sociais e a impunidade aos agentes de estados responsáveis por torturas, sequestros, desaparecimentos e assassinatos.
Fica a pergunta: se nosso país não fez justiça ontem, como queremos que haja justiça hoje?
É justamente nesse sentido de justiça (e não vingança nem revanchismo) que centenas de cidades do Brasil, e inclusive, outros países se mobilizaram nesses 50 anos de “descomemoração” do golpe militar pra gritar em alto e bom som: ditadura nunca mais! Nosso coletivo, Aparecidos Políticos, criado em 2010 com a intenção de realizar ações de arte e política por memória, verdade e justiça, tem feito nesse mês uma série de intervenções: uma no ex-centro de detenção e tortura de Fortaleza (23º BC do Exército), no nosso Espaço Cultural “Aparelho” (com a abertura de uma exposição com o Comitê pela Desmilitarização da Política e a Associação 64/68 Anistia); na Casa dos Horrores (em Maranguape, em parceria com o Comitê Memória, Verdade e Justiça do Ceará), além de ação a ser realizada dentro da programação do 65º Salão de Abril. Todas essas iniciativas podem ser vistas no nosso sítio eletrônico: www.aparecidospoliticos.com.br.
Por memória, verdade e justiça! Ditadura nunca mais!
Alexandre Mourão é psicólogo e intergrante do Coletivo Aparecidos Políticos