Corpo delito



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Relato sobre o lançamento em Fortaleza (Arte: Yuri Leonardo)

Por Dani Guerra

A sessão de pré-estreia do filme Corpo Delito, do jornalista e cineasta Pedro Rocha, trouxe a risada entalada há dias. Fez lembrar a infância, quando a minha mãe nos levava esporadicamente ao São Luiz com uma parada na Barão do Rio Branco para garantir o amendoim dori e a tortuguita.

O salão de cinema ficou pequeno para a quantidade de interações produzidas pela a audiência, entre risadas, choro de criança e “iei”, faltou só o barulho do xilito e do canudo no refrigerante como antigamente, agora proibidos. As reações ganharam impulso por um elemento essencial para quem assiste, a identificação. Ali, povoando menos de um terço do Cineteatro São Luiz, estavam moradores da Favela dos Índios, local onde a história é contada.

O jeito bruto e o falar cearensês despertou as “gaitadas”, o estilo “vetim” das personagens, com o riso, quase nos fez esquecer do tema central do filme: o baculejo. Seria cômico se não fosse trágico. A favela que convive na tela está acostumada a ser abordada diariamente em outro tipo de produto audiovisual, os programas policialescos, criando e reforçando que tipo de corpo é delito.

Seja a constância do baculejo, seja a intransigência policial contada no diálogo, seja o olhar do segurança no shopping da Aldeota, eles estão à procura de uma confirmação para o aspecto de vagabundo. O corpo negro, de calção, camisa e boné é o limite da cidadania e do transitar na cidade de Fortaleza. Ivan e Neto são monitorados, com e sem tornozeleira.

As mulheres do filme vivem entre a espera e a perda, ativas, comunicam o que pensam, mas são impactadas pelo que discordam. Cemitério, cozinha e quarto são os cenários para elas em um roteiro que representa o desejo de um homem por liberdade. A TV, ou a presença dela, reflete o acesso à cultura no país em que passamos mais de seis horas por dia assimilando conteúdo televisivo. Qual outra forma representaria melhor a prisão domiciliar?

A expectativa que aflora com o passar dos meses no filme, finda no baculejo. A “justiça” morosa e lenta, entre os seus pontos e vírgulas, hora dos cochichos na sessão de pré-estreia, revela a superlotação dos presídios e a não-comunicação existente entre a “bondade” pública e o “criminoso”. Fecho essa história com o começo dela, Ivan diz para a funcionária de uma empresa de ressocialização: “É cadeia ou cemitério, não tem outro destino”.


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