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(Foto: Cena do Édipo Rei, de Pasolini)
Por Tomaz Amorim
Estes três parágrafos cometem generalizações imperdoáveis sobre gêneros, formas, movimentos e estilos literários. Ignoraremos desavergonhadamente as variações no uso modernista da rima e os diversos momentos de sua recusa e retomada nas últimas décadas. O tema destes parágrafos é a diferença na relação entre rima e destino para pré-modernos e modernos. Quando um som surge num verso, ouvido ou imaginado, e momentos depois, após uma série de outros sons, se repete, talvez com uma pequena variação, talvez idêntico, uma sensação agradável toma o leitor-ouvinte. De onde vem o prazer que a rima causa quando acontece? Uma resposta possível seria que o prazer vem da sensação de segurança com o cumprimento de uma promessa. A intensidade deste prazer varia com a qualidade da rima, chamada de pobre ou rica em nossa tradição, que é também uma variação na qualidade da trama. Um final esperado causa mais prazer se quase parecer que não vai se concretizar, até fazê-lo. Como regra geral, a rima entre palavras que não são comumente relacionadas surpreende e agrada mais do que a velha relação entre amor e dor.
Se parte do prazer da rima consiste no cumprimento de uma promessa, então talvez ela possa ser comparada com a forma da profecia. O mito do Édipo tem início com a revelação oracular a Laio e Jocasta de que seu filho assassinará o pai e desposará a mãe, e tem fim com Édipo se descobrindo assassino do pai e esposo da mãe. O verso clássico tem uma forma semelhante: o primeiro surgimento do som no fim do verso é a profecia, sua repetição no fim do verso posterior é seu cumprimento. A poesia, de alguma forma, nos introduz no mundo em que reina não o tempo da causalidade, mas o do destino: concepção de história em que o acontecimento não depende do acontecido. Laio e Jocasta enviam seu filho para longe, Édipo foge de Corinto para que a profecia não se cumpra, sem sucesso. A variação infinita dos acontecimentos não produz variações paralelas no futuro – pelo contrário, quanto maior o afastamento do profetizado, maior é o triunfo da profecia em seu cumprimento – porque o futuro é único, pré-determinado. No verso clássico, portanto, o som no fim do verso profetiza e cumpre, mas no verso modernista, a profecia se cumpre sem ter sido profetizada, aparece como acontecimento. Ou, simplesmente, não acontece. A história como campo aberto, imprevisível, infinito.
Se é assim, talvez se possa pensar que as mudanças no uso da rima no verso moderno, caracteristicamente livre, sem métrica fixa, são acompanhadas dialeticamente de mudanças na concepção de história. Rima no fim do verso, como no clássico, associada ao destino; sem rima, em uma concepção histórica causal, mecânica, baseada nas ações de um sujeito; e com a rima no meio, que é a que nos interessa. Nesta modalidade, a tensão do leitor se acirra, pois a qualquer momento a promessa pode ser cumprida. Mas qual promessa? Isto também não é mais evidente, já que o som pode surgir e se repetir a qualquer momento. Com isto não se deve compreender apenas que o verso modernista é mais esclarecido, em oposição ao que seria a expectativa mitológica de repetição do verso clássico, ou mais irracional, em oposição ao triunfo do sujeito autônomo no verso sem rima. O mais interessante talvez seja refletir sob a forma temporal para a qual este tipo de rima aponta: como cumprimento de uma promessa desconhecida. Do ponto de vista de uma filosofia da história, esta versão moderna é mais irracional (do ponto de vista do cálculo) – porque vive na espera de algo de bom que não se sabe o que é – mas menos determinista – porque sabe que o bom pode surgir em qualquer tempo e lugar. Algo de messiânico permanece, mas talvez em uma versão “gratuita”, de graça, crença em uma redenção sem sua profecia: esperança.
Tomaz Amorim nasceu e cresceu na cidade de Poá, às margens da Grande São Paulo. É poeta, faz doutorado em literatura e pensa misturadamente sobre três coisas: arte, amor e justiça social.