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(Foto: Drawlio Joca)
Por Vitor Grilo
Hoje acordei
e meu mundo era só o que eu via
só o que eu ouvia
só o que eu tocava
só o que eu sentia.
Hoje eu acordei e fui fazer um avião
porque lá nas área o homi manda
e nóis obedece.
Hoje eu acordei levando tapa
porque lá em casa os homi chega e arrepia mermo.
Motivo?
Eu não sei.
Também… nunca precisou.
Hoje eu acordei na madruga
peguei minha tinta e fui metê meus nome
porque aqui, pra ser respeitado, tem que tê nome.
E num é só rodapé não.
Tem que ter altura, escalar combogó, subir cabo de aço.
Hoje eu acordei chorando
porque nasci negra, pobre e favelada.
Meu pai me estuprou ao invés de dizer bom dia.
Minha mãe, de longe, via, sofria, não entendia.
Mas fazer alguma coisa ela não fazia.
A minha dor era o mermo medo que ela sentia.
Hoje eu acordei chorando
porque sou homem
mas nasci num corpo de mulher.
Meu pai, pastor, trouxe um amigo pra me estuprar
dizendo que era pra eu aprender
que o que Deus faz o homem não mexe.
Hoje acordei de ressaca
mas não era ressaca de birita não, bem que eu queria.
Era ressaca da fome
do papelão que eu tava em cima
do chão duro que tava embaixo
do vento frio que fazia.
Era ressaca do nada que eu tinha.
Hoje eu acordei.
Tava com preguiça de fazer qualquer coisa
porque enfim…. eu nem precisava mesmo.
Uma doméstica pra fazer a comida
outra pra limpar a casa e ser comida
papai pra me dar dinheiro
mamãe pra me encher o saco.
Vou dormir de novo.
Mais tarde vou de carro pro clube
boto meu paredão com o som mais alto
e como a piranhada toda.
Amigo?
Só pra babar meu ovo mesmo.
Pra pobre?
Nada mais que desprezo.
Hoje me olhei
mas me vi de longe
quase a perder de vista.
Quem era aquele?
Era eu?
Não me conhecia.
Mas ainda assim eu sabia
que o outro era eu
e que de mim…
ufa!
ele não sabia.
Vitor Grilo é “pixador” e poeta