(Ilustra\u00e7\u00f5es: Kl\u00e9visson Viana, na HQ Lampi\u00e3o… Era o cavalo do tempo atr\u00e1s da besta da vida; 1998, SP, Hedra)<\/em><\/p>\n Foi no Assar\u00e9, Cariri cearense, que vivi os primeiros anos da minha inf\u00e2ncia. Nasci em Barbalha (por vontade de minha m\u00e3e, que \u00e9 de l\u00e1), tamb\u00e9m no Cariri (e viajava para l\u00e1 e para o Crato com frequ\u00eancia para visitar a parentada), mas \u00e9 do Assar\u00e9 que carrego as mais remotas reminisc\u00eancias pueris, l\u00e1 pelos derradeiros anos da d\u00e9cada de 80. Mor\u00e1vamos eu, meus pais e uma das minhas irm\u00e3s numa casa simples e bonita, de mureta branca e port\u00e3ozinho de ferro – \u00e0 vista de todos os que passavam em frente ao local -, jardim multicor, tomado de flores e plantas, que davam uma suavizada de brisa leve e fagueira ao calor de suar em bicas que fazia por aquelas bandas do sert\u00e3o caririense.<\/p>\n As samambaias suspensas em jarros se espregui\u00e7avam na varanda, os cr\u00f3tons margeavam os cantos do muro com sua mistura de cores, os beija-flores toda manh\u00e3 vinham bicar as papoulas e, pintando parte da paisagem do jardim de encarnado, um bouganville vermelho recebia cotidianamente a visita de sabi\u00e1s e bem-te-vis em seus galhos.<\/p>\n No quintal, mais p\u00e9s de plantas: goiaba, ata, mostarda, pimenta malagueta, piment\u00e3o, tomate, capim santo, erva cidreira e erva doce esverdeavam aquela parte de tr\u00e1s da morada. Os calangos eram vistos aos magotes. Ficavam tamb\u00e9m por ali as galinhas de capoeira que minha m\u00e3e criava. Nesta fase da inf\u00e2ncia, meus animais de estima\u00e7\u00e3o eram os pintinhos. Quando brincava com eles, minha m\u00e3e ficava de olho em mim para que n\u00e3o os esmagasse em arrochos desmedidos. Algumas vezes os vi nascer, naquela luta \u00e1rdua pela liberdade:<\/p>\n “O pinto dentro do ovo<\/em> De vez em quando, uma galinha mais gorda era escolhida e ia para a panela. N\u00e3o gostava que lhes torcessem o pesco\u00e7o para mat\u00e1-las, mas as adorava ao molho ou \u00e0 cabidela. Huummmm! Certa vez, mam\u00e3e inventou de criar tamb\u00e9m no quintal um veado, o Bambi, que pouco tempo depois foi morto por uma cobra.<\/p>\n – Tenho impress\u00e3o de que foi cascavel ou coral \u2013 diz ela, ainda hoje.<\/p>\n S\u00f3 sei que, por conta desse ataque mortal, meus pais eram cheios de cuidados quando eu e Alana, minha irm\u00e3, \u00edamos ao quintal:<\/p>\n – Cuidado, voc\u00eas, que a\u00ed tem cobra. Calcem pelo menos uma chinela \u2013 dizia mam\u00e3e, com voz firme.<\/p>\n No tempo de chuva, as jias, os cururus e as pererecas sa\u00edam do brejo e se entocavam nas matas do jardim e do quintal l\u00e1 de casa. As r\u00e3zinhas corriam pros banheiros.\u00a0De noite, era um coaxado medonho, mas a gente se acostumava. As cigarras, com seu grito agudo, tamb\u00e9m surgiam aos montes. Mas eu me vidrava mesmo era nos vaga-lumes e seu piscar de luzinhas m\u00e1gico.<\/p>\n – Chega, Artur, vem ver um vaga-lume!<\/p>\n E eu sa\u00eda de onde estivesse, em disparada, para apreci\u00e1-lo. E ficava ali, embasbacado, observando-o, at\u00e9 a hora em que ele cansava de se exibir para mim e ia embora.<\/p>\n
\n aspirando um mundo novo<\/em>
\n n\u00e3o deixa de biliscar,<\/em>
\n bate o bico, bate o bico,<\/em>
\n bate o bico, tico tico<\/em>
\n pra poder se libertar”<\/em>
\n(Patativa do Assar\u00e9 \u2013 Li\u00e7\u00e3o do Pinto<\/em>)<\/p>\n