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{"id":7242,"date":"2022-09-08T10:00:16","date_gmt":"2022-09-08T13:00:16","guid":{"rendered":"https:\/\/revistaberro.com\/?p=7242"},"modified":"2022-08-28T15:17:23","modified_gmt":"2022-08-28T18:17:23","slug":"1968-o-ano-da-rebeliao-mundial-estudantil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/revistaberro.com\/series\/jornalismoalternativo\/1968-o-ano-da-rebeliao-mundial-estudantil\/","title":{"rendered":"1968: o ano da rebeli\u00e3o mundial estudantil"},"content":{"rendered":"
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(Ilustra\u00e7\u00e3o: Levi Noli\/Revista Berro)<\/figcaption><\/figure>\n

Ainda contextualizando sobre o terreno hist\u00f3rico onde vicejou o jornalismo alternativo na ditadura civil-militar brasileira, seguimos analisando o cen\u00e1rio pol\u00edtico-cultural da \u00e9poca, antes de entrar propriamente nas a\u00e7\u00f5es encampadas por estes jornais. <\/span><\/p>\n

N\u00e3o sou historiador, mas penso que a historiografia deveria considerar 1968 como o marco inicial de uma nova modernidade. \u00c9 not\u00f3rio que parte relevante dos movimentos pol\u00edticos e culturais, da ecologia \u00e0 cr\u00edtica ao consumismo, passando pelo feminismo, movimentos de conscientiza\u00e7\u00e3o negra, organiza\u00e7\u00f5es dos direitos LGBTQIA+, n\u00e3o-governamentais e defensoras dos direitos humanos, brotou naquele ano com uma sali\u00eancia talvez nunca antes vista. Viscerais manifesta\u00e7\u00f5es pol\u00edticas, sexuais, comportamentais e \u00e9ticas surgiram em seus 12 meses<\/strong>.<\/span><\/p>\n

Fil\u00f3sofos\/as, soci\u00f3logos\/as e intelectuais olham para 1968 sem saber, de modo definitivo e conclusivo, o que se passava na mente daquela gera\u00e7\u00e3o que se entregou t\u00e3o passionalmente a uma luta que, at\u00e9 hoje, n\u00e3o se tem precis\u00e3o concreta dos seus reais objetivos. A gera\u00e7\u00e3o de 1968, defende Zuenir Ventura em <\/span>1968: O ano que n\u00e3o terminou<\/span><\/i><\/span><\/a>, \u201cexperimentou os limites de todos os horizontes: pol\u00edticos, sexuais, comportamentais, existenciais, sonhando em aproxim\u00e1-los todos. Era uma juventude que se acreditava pol\u00edtica e achava que tudo devia se submeter ao <\/span>pol\u00edtico<\/span><\/i>: o amor, o sexo, a cultura, o comportamento\u201d.\u00a0<\/span><\/p>\n

O mais impressionante \u00e9 que em uma \u00e9poca d\u00e9cadas antes do que viria a ser o mundo globalizado e hiperconectado do s\u00e9culo XXI, ocorreu uma combust\u00e3o generalizada e espont\u00e2nea de rebeldia mundo afora, tendo como denominador comum a necessidade em contrariar a ordem pr\u00e9-estabelecida<\/strong>. Esses nervos \u00e0 flor da pele em n\u00edvel global n\u00e3o foram for\u00e7adamente combinados, simplesmente aconteceram. E \u00e9 exatamente nessa espontaneidade mundial que reside o mito de 1968, uma vez que a dimens\u00e3o mundial das manifesta\u00e7\u00f5es n\u00e3o fora combinada ou organizada.\u00a0<\/span><\/p>\n

Um setor social destacou-se e logo assumiu a vanguarda das manifesta\u00e7\u00f5es, passeatas, ocupa\u00e7\u00f5es de pr\u00e9dios e pra\u00e7as e <\/span>sit-ins<\/span><\/i> pelo mundo todo: o movimento estudantil<\/strong>. Isto talvez explique o fato da frase \u201cn\u00e3o confie em ningu\u00e9m com mais de 30 anos\u201d tornar-se t\u00e3o corriqueira naquele ano na boca de jovens ao redor do planeta. \u201cA maioria das pessoas que chegaram em <\/span>campi <\/span><\/i>universit\u00e1rios em meados da d\u00e9cada de 1960 tinha um profundo ressentimento e desconfian\u00e7a de qualquer tipo de autoridade. As pessoas em posi\u00e7\u00f5es de autoridade em qualquer parte n\u00e3o mereciam confian\u00e7a\u201d, sublinha Mark Kurlansky, em <\/span>1968 \u2013 O ano que abalou o mundo<\/span><\/i><\/a><\/span>.\u00a0<\/span><\/p>\n

Manifesta\u00e7\u00f5es contestat\u00f3rias espalhavam-se pelo mundo ordinariamente. Na Am\u00e9rica Latina, as reivindica\u00e7\u00f5es eram mais pol\u00edticas; na Europa e nos Estados Unidos, onde a contracultura j\u00e1 demonstrava maior pujan\u00e7a do que em terras latino-americanas, o corpo estudantil reivindicava transforma\u00e7\u00f5es comportamentais<\/strong>, influenciado pelo movimento dos direitos civis. \u201cAs universidades das cidades francesas, italianas, alem\u00e3s e espanholas mal funcionavam. Em junho, violentos confrontos entre estudantes e policiais irromperam no Rio de Janeiro, em Buenos Aires e Montevid\u00e9u e no Equador e Chile. Em 6 de agosto, uma manifesta\u00e7\u00e3o estudantil no Rio foi cancelada quando apareceram 1.500 soldados de infantaria e policiais, com 13 tanques leves, 40 ve\u00edculos blindados e oito jipes com metralhadoras\u201d, lembra Kurlansky.\u00a0\u00a0<\/span><\/p>\n

As manifesta\u00e7\u00f5es estudantis tornaram-se t\u00e3o populares e comuns a ponto de o di\u00e1rio nova-iorquino <\/span>The New York Times<\/span><\/i> lan\u00e7ar m\u00e3o de um editorial pontuando que \u201co tumulto, o <\/span>sit-in<\/span><\/i> e a manifesta\u00e7\u00e3o s\u00e3o a moda da vanguarda nos <\/span>campi<\/span><\/i> do mundo, este ano. Provar a aliena\u00e7\u00e3o da sociedade \u00e9 estar <\/span>in<\/span><\/i> em universidades t\u00e3o distantes quanto T\u00f3quio, Roma, Cairo e Rio de Janeiro\u201d.\u00a0<\/span><\/p>\n

Obviamente, se nem a pol\u00edcia com cassetetes e armas e, em alguns pa\u00edses, como o Brasil e M\u00e9xico, com ordens \u201cpara matar\u201d, conseguiam esfriar o movimento estudantil<\/strong>, n\u00e3o seriam editoriais de jornais conservadores que iriam arrefecer a luta daquele movimento. Em abril de 1968, os estudantes da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, liderados por Mark Rudd, ocuparam cinco pr\u00e9dios da institui\u00e7\u00e3o e a fecharam. \u201cNa primavera de 68, as manifesta\u00e7\u00f5es universit\u00e1rias tinham virado um acontecimento t\u00e3o corriqueiro nos Estados Unidos que at\u00e9 estudantes de escolas secund\u00e1rias e dos \u00faltimos anos do gin\u00e1sio aderiram \u00e0s manifesta\u00e7\u00f5es\u201d, pontua Kurlansky.\u00a0<\/span><\/p>\n

Naquele ano, o mundo estava em combust\u00e3o. De acordo com Kurlansky, na It\u00e1lia, os estudantes protestavam contra instala\u00e7\u00f5es inadequadas no <\/span>campus <\/span><\/i>da Universidade de Roma; na Alemanha, liderados por Rudi Dutscke \u2013 Rudi, o Vermelho \u2013, o mais velho dos l\u00edderes estudantis alem\u00e3es, os estudantes se reuniam para discutir quest\u00f5es alem\u00e3s, principalmente condizentes com a educa\u00e7\u00e3o universit\u00e1ria e a infra-estrutura das universidades; na Espanha, os manifestantes protestavam contra a ditadura fascista de Francisco Franco; no Jap\u00e3o, protestavam violentamente contra a presen\u00e7a de militares americanos em seu territ\u00f3rio; no Reino Unido, os estudantes, que come\u00e7aram protestando contra a Guerra do Vietn\u00e3, logo depois passaram para quest\u00f5es nacionais, como verbas para a educa\u00e7\u00e3o e o controle das universidades.\u00a0<\/span><\/p>\n

O maio franc\u00eas\u00a0<\/b><\/h4>\n

Se analisarmos com profundidade o que ocorreu na Fran\u00e7a naquelas quatro semanas incendi\u00e1rias de maio de 1968 podemos apontar que ali houve uma guerra, protagonizada entre estudantes e policiais, entre oper\u00e1rios e governo, entre a sociedade e o <\/span>establishment<\/span><\/i>. Como compreender o que ocorreu naquele m\u00eas nas ruas de Paris? Como explicar aquela f\u00faria, que come\u00e7ou com os estudantes, mas depois espalhou-se por setores civis, oper\u00e1rios, sindicais, enfim, para a popula\u00e7\u00e3o francesa?<\/strong><\/span><\/p>\n

Segundo Kurlansky, \u00e9 de impressionar porque a Fran\u00e7a passava por um per\u00edodo de crescimento econ\u00f4mico e o pa\u00eds estava em paz desde o fim da guerra na Arg\u00e9lia. Aproveitando a bonan\u00e7a econ\u00f4mica que a Fran\u00e7a vivia nos anos de 1960, um n\u00famero cada vez maior da popula\u00e7\u00e3o obtinha educa\u00e7\u00e3o superior. No entanto, esse n\u00famero crescente de universit\u00e1rios\/as n\u00e3o foi acompanhado por melhorias na infraestrutura das universidades tampouco por uma reforma concreta do ensino superior franc\u00eas<\/strong>. Esses fatores, apesar de aparentemente banais, seriam os combust\u00edveis para o incendi\u00e1rio maio de 1968 na Fran\u00e7a.<\/span><\/p>\n

As universidades francesas estavam apinhadas de estudantes. De 1958 a 1968, a popula\u00e7\u00e3o universit\u00e1ria saltou de 175 mil para incr\u00edveis 530 mil, o dobro do n\u00famero de estudantes que tinha a Gr\u00e3-Bretanha, por exemplo. Somente a Universidade de Paris concentrava 160 mil estudantes. Foi por isso que quando come\u00e7aram as manifesta\u00e7\u00f5es, as causas estudantis atra\u00edram uma massiva participa\u00e7\u00e3o<\/strong>.\u00a0<\/span><\/p>\n

Outro fator que contribuiu para a revolta da juventude francesa foi o r\u00edgido sistema de ensino na Fran\u00e7a. A universidade francesa era uma absoluta autocracia, com as decis\u00f5es sendo tomadas sempre de forma engessada e hier\u00e1rquica<\/strong>. O corpo estudantil franc\u00eas n\u00e3o decidia nada sobre os rumos da universidade.\u00a0<\/span><\/p>\n

Associando os fatores que podem ter gerado o maio franc\u00eas, percebemos que muitos deles estavam obscurecidos pela prosperidade econ\u00f4mica que passava a Fran\u00e7a naqueles anos de 1960, mas que, somados e em iminente combust\u00e3o, poderiam paralisar um pa\u00eds inteiro, como ocorreu. <\/span><\/p>\n

De acordo com Kurlansky, \u201cescondidos dentro desta sociedade entediada, demasiado abarrotada, complacente, havia elementos quase despercebidos \u2013 uma juventude radicalizada, com um l\u00edder geri\u00e1trico desesperan\u00e7adamente antiquado, universidades superpovoadas, oper\u00e1rios irados, um repentino consumismo escravizando alguns e enjoando outros, agudas diferen\u00e7as entre gera\u00e7\u00f5es e talvez at\u00e9 o t\u00e9dio, em si \u2013 que, quando colocados juntos, podiam ser explosivos\u201d.<\/span>\u00a0<\/span><\/p><\/blockquote>\n

E realmente explodiram. Em 2 de maio, a Universidade de Paris, na tentativa de esvaziar o movimento estudantil, ordenou seu l\u00edder Cohn-Bendit a comparecer a uma junta disciplinar. (Bendit, mais conhecido historicamente como \u201cDani, Le Rouge\u201d, teve papel crucial nas semanas seguintes nas barricadas daquele m\u00eas na Fran\u00e7a). Foi o estopim para irar o corpo estudantil de Nanterre, que decidiu interromper as aulas para protestar contra essa medida. O Minist\u00e9rio da Educa\u00e7\u00e3o decidiu extraordinariamente fechar a universidade<\/strong>. Como diz o ditado, o tiro saiu pela culatra. As a\u00e7\u00f5es estudantis, antes restritas a Nanterre, no sub\u00farbio, deslocaram-se para o centro de Paris. A multid\u00e3o de estudantes de Nanterre rumou em dire\u00e7\u00e3o a Paris, para a Sorbonne. Depois desse come\u00e7o agitado, a escalada foi cont\u00ednua.\u00a0<\/span><\/p>\n

As manifesta\u00e7\u00f5es nas ruas cresciam exponencialmente. E serviram para unir uma sociedade marcadamente estratificada<\/strong>. \u201cPela primeira vez, naquela sociedade r\u00edgida, formal, do s\u00e9culo XIX, todos conversavam com todos\u201d, diz Kurlansky. Essa intera\u00e7\u00e3o entre setores sociais impulsionou sobremaneira o maio parisiense. Em 13 de maio, os sindicatos orquestraram conjuntamente uma greve geral. A Fran\u00e7a parou. Enquanto o movimento estudantil realizava suas manifesta\u00e7\u00f5es nas universidades e pr\u00f3ximo aos <\/span>campi<\/span><\/i>, dez milh\u00f5es de oper\u00e1rios entraram em greve, as lojas de alimentos se esvaziavam, o tr\u00e2nsito sufocou, e o lixo se amontoava por Paris e nas principais cidades francesas<\/strong>.\u00a0<\/span><\/p>\n

Na tentativa de conter o \u00edmpeto das manifesta\u00e7\u00f5es, De Gaulle apresentou um pacote de medidas que satisfazia as demandas oper\u00e1rias, inclusive com um robusto aumento salarial de trinta e cinco por cento. Algumas das demandas dos estudantes tamb\u00e9m foram contempladas: as universidades passariam por uma sens\u00edvel reforma estrutural, bem como na rela\u00e7\u00e3o docente-discente, tornando-se levemente mais democr\u00e1tica. Com estas medidas, o presidente conseguiu arrefecer o movimento e despontou novamente como \u201csalvador da p\u00e1tria\u201d.<\/span><\/p>\n

Estava decretado o fim do m\u00eas mais agitado da hist\u00f3ria da sociedade moderna francesa. Ainda hoje, maio de 68 \u00e9 o maior movimento de massa da hist\u00f3ria da Europa desde a segunda metade do s\u00e9culo XX<\/strong>. Contudo, como bem pontuou Kurlansky, \u201co resultado foi reforma, n\u00e3o revolu\u00e7\u00e3o\u201d<\/strong>, como sonhavam os\/as estudantes. Incrivelmente, apesar da violenta repress\u00e3o policial, apenas tr\u00eas pessoas morreram durante os trinta e um dias daquele ins\u00f3lito m\u00eas.\u00a0<\/span><\/p>\n

A luta estudantil brasileira<\/b><\/h4>\n

O Brasil, logicamente, n\u00e3o ficaria de fora desse turbilh\u00e3o de rebeldia do ano de 1968. Passeatas foram realizadas com imensa participa\u00e7\u00e3o popular, tendo como vanguarda a classe m\u00e9dia urbana, capitaneada pelo movimento estudantil, endossada por artistas, intelectuais e religiosos\/as<\/strong>. De acordo com Zuenir Ventura, \u201c \u201c\u00e9 prov\u00e1vel que os estudantes inscritos nas escolas e faculdades brasileiras de 66 a 68 tenham passado mais tempo na rua do que nas salas de aula. De 66 at\u00e9 68, quando se tornaram habituais os choques com a pol\u00edcia, a popula\u00e7\u00e3o das grandes cidades se acostumou \u00e0quela esp\u00e9cie de guerra campal que todas as semanas, quando n\u00e3o todos os dias, opunha as pedras dos estudantes aos cassetetes, balas e bombas de g\u00e1s da PM. A correria dos jovens na contram\u00e3o dos carros \u2013 uma inova\u00e7\u00e3o estrat\u00e9gica daquele ano\u00a0 \u2013, o cheiro de g\u00e1s lacrimog\u00eaneo, o coro de \u2018Abaixo a ditadura\u2019 pareciam incorporados \u00e0 paisagem urbana daqueles tempos\u201d. \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 <\/span><\/p>\n

E foi em um desses confrontos com os policiais que tombou morto com um tiro no peito, em 28 de mar\u00e7o de 1968, no restaurante universit\u00e1rio do Calabou\u00e7o, no Rio de Janeiro, o estudante Edson Lu\u00eds de Lima Souto. A morte de Edson foi a primeira de um estudante pela ditadura e, por isso, representou o in\u00edcio das grandes mobiliza\u00e7\u00f5es e passeatas estudantis naquele ano<\/strong>. Esse epis\u00f3dio \u00e9 bastante significativo em termos hist\u00f3ricos, pois \u201cpode-se dizer que tudo come\u00e7ou ali, foi o primeiro incidente que sensibilizou a opini\u00e3o p\u00fablica para a luta do movimento estudantil. Como cinicamente lembrava a direita, \u2018era o cad\u00e1ver que faltava\u2019\u201d, ressalta Ventura. Aquele \u00f3bito comoveu a sociedade civil brasileira a tal ponto que 50 mil pessoas acompanharam emocionadas o cortejo do corpo do secundarista ao cemit\u00e9rio S\u00e3o Jo\u00e3o Batista. A insatisfa\u00e7\u00e3o com o governo agora n\u00e3o era apenas estudantil, mas de toda uma sociedade igualmente indignada e revoltada com a forma brutal como o jovem havia sido morto.<\/span><\/p>\n

Nas semanas que sucederam a morte de Edson Lu\u00eds, foi lugar-comum o confronto entre pol\u00edcia e estudantes nas ruas. Manifesta\u00e7\u00f5es que se encontravam em estado de imin\u00eancia fora do eixo Rio-S\u00e3o Paulo explodiram por todo o Brasil. <\/span><\/p>\n

\u201cEm Fortaleza, o Servi\u00e7o de Informa\u00e7\u00f5es dos Estados Unidos, o USIS, era destru\u00eddo por manifestantes; em Recife, 2 mil universit\u00e1rios realizavam uma passeata proibida; em Bel\u00e9m, estudantes eram retirados \u00e0 for\u00e7a da universidade, fechada pelo reitor; em Natal, uma greve paralisava todas as faculdades; em Macei\u00f3, protestos; na Bahia, um estudante ferido por um policial revoltava a popula\u00e7\u00e3o; em Bras\u00edlia, a universidade permanecia ocupada pelos estudantes cercada pela pol\u00edcia; em Minas, tr\u00eas estudantes eram baleados, um policial gravemente ferido por um paralelep\u00edpedo e um carro oficial incendiado; em S\u00e3o Lu\u00eds, os muros amanheceram pichados : \u2018O Brasil \u00e9 o novo Vietn\u00e3\u2019. Em Goi\u00e2nia, um policial civil invadiu a Catedral Metropolitana, onde se reuniam estudantes, e feriu a bala dois deles\u201d, elenca o autor de <\/span>1968: O que fizemos de n\u00f3s<\/span><\/i><\/span><\/a>.<\/span><\/p><\/blockquote>\n

Entretanto, o pior estava por vir. No final de junho, durante os dias 19, 20 e 21, quando o governo Costa e Silva temia que se repetisse aqui o <\/span>maio franc\u00eas<\/span><\/i>, as ruas do Rio de Janeiro pareciam muito com a Paris das barricadas, principalmente no dia 21, que depois ficaria conhecido por \u201csexta-feira sangrenta\u201d<\/strong>. As ruas da capital fluminense eram verdadeiros cen\u00e1rios de guerra, com excitantes batalhas campais. De acordo com Ventura, a sexta-feira, 21 de junho, no Rio de Janeiro, talvez tenha causado mais feridos do que as barricadas de Paris no m\u00eas de maio todo. Durante os 21 anos de ditadura militar, \u201cfoi o que mais se pareceu com uma insurrei\u00e7\u00e3o popular\u201d<\/strong>, lembra Ventura. O balan\u00e7o da \u201cguerra\u201d registrou \u201c23 pessoas baleadas, 4 mortas, 35 soldados feridos a pau e pedra, 6 intoxicados e 15 espancados pela pol\u00edcia. No DOPS, \u00e0 noite, amontoavam-se cerca de mil presos\u201d.<\/span><\/p>\n

Os militares perderam de vez a batalha pela conquista da opini\u00e3o p\u00fablica nos dias 19, 20 e, principalmente, no sangrento 21 de junho<\/strong>. A morte de Edson Lu\u00eds havia sido o estopim \u00e0 medida que a \u201csexta-feira sangrenta\u201d representaria a implanta\u00e7\u00e3o, ainda que moment\u00e2nea e fugaz, do \u00f3dio ao governo pela classe m\u00e9dia, ocasionado pela cobertura audaciosa de jornais como o <\/span>Correio da Manh\u00e3<\/span><\/i> e <\/span>Jornal do Brasil<\/span><\/i>, ou pela experi\u00eancia pr\u00f3pria de quem viveu as barricadas. \u201cAs manifesta\u00e7\u00f5es estudantis emocionavam a classe m\u00e9dia, o que for\u00e7ava a imprensa convencional a manter seus espa\u00e7os abertos \u00e0 cobertura cr\u00edtica da repress\u00e3o\u201d,\u00a0 pontua Bernardo Kucinski, em <\/span>Jornalistas e revolucion\u00e1rios: nos tempos da imprensa alternativa<\/span><\/i><\/span><\/a>.\u00a0<\/span><\/p>\n

Ap\u00f3s o torpor inicial promovido pelas batalhas campais da \u201csexta-feira sangrenta\u201d, intelectuais, jornalistas e artistas come\u00e7aram a se mobilizar para dar um alento \u00e0 sociedade. Depois de muita articula\u00e7\u00e3o pol\u00edtica, os negociantes, capitaneados pelo intelectual H\u00e9lio Pellegrino e pelo poeta Ferreira Gullar, convenceram o ent\u00e3o governador do Estado da Guanabara (atual Rio de Janeiro), Negr\u00e3o de Lima, a permitir uma passeata sem a presen\u00e7a da pol\u00edcia nas ruas. A participa\u00e7\u00e3o popular na marcha coletiva do dia 26 de junho foi massiva a tal ponto que o evento ficou conhecido como a Passeata dos Cem Mil<\/strong>. Esta, certamente, marcou o epicentro da luta estudantil no Brasil durante o regime militar.<\/span><\/p>\n

Entretanto, o movimento estudantil que no segundo semestre de 1968 ganhava uma pujan\u00e7a nunca antes vista com o apoio de parte da classe m\u00e9dia, de um setor da m\u00eddia \u2013 sobretudo dos impressos \u2013\u00a0 e de diversos setores da esfera sindical, armou sua pr\u00f3pria arapuca. Ao realizar o XXX Congresso da UNE (Uni\u00e3o Nacional dos Estudantes), organiza\u00e7\u00e3o \u00e0 \u00e9poca clandestina, mais de mil estudantes se reuniram em Ibi\u00fana, interior de S\u00e3o Paulo, e deram um doce na boca do aparato repressor militar. De acordo com Ventura, o Congresso da UNE foi mais que um erro estrat\u00e9gico, foi um \u201cato politicamente suicida. N\u00e3o se conhece uma organiza\u00e7\u00e3o capaz de reunir cerca de mil pessoas clandestinamente\u201d.<\/strong><\/span><\/p>\n

Na manh\u00e3 chuvosa de s\u00e1bado, 12 de outubro, a repress\u00e3o invadiu o congresso estudantil, prendendo 920 estudantes e suas principais lideran\u00e7as. Foram precisos nove \u00f4nibus, cinco caminh\u00f5es, um micro\u00f4nibus, duas Kombi e uma Rural Willys para embarcar todos os estudantes presos. Entre eles, seus destacados l\u00edderes \u2013 Lu\u00eds Travassos, Jos\u00e9 Dirceu e Franklin Martins. Foi o in\u00edcio do fim das grandes manifesta\u00e7\u00f5es estudantis populares. <\/span><\/p>\n

\u201cCom suas principais lideran\u00e7as na cadeia, o ME estertorava. Iam longe os tempos em que era capaz de colocar 100 mil pessoas na rua, ou mesmo 150 mil como no dia 4 de julho. […] N\u00e3o eram mais movimentos de massa, mas agita\u00e7\u00f5es promovidas por piquetes estudantis que n\u00e3o sensibilizavam nem a pr\u00f3pria classe, nem a popula\u00e7\u00e3o \u2013 ao contr\u00e1rio, atemorizavam\u201d, afirma Ventura.\u00a0<\/span><\/p><\/blockquote>\n

1968 foi realmente um ano diferente. Segundo Ventura, pode-se amar ou odiar aquele ano, o que n\u00e3o se pode \u00e9 expuls\u00e1-lo da hist\u00f3ria por capricho, mesmo porque ele se recusa a sair \u00e0 for\u00e7a. J\u00e1 Kurlansky traz \u00e0 tona a velha luta de classes de Marx em sua an\u00e1lise. O autor de <\/span>1968 \u2013 O ano que abalou o mundo <\/span><\/i><\/span><\/a>conclui que uma das grandes li\u00e7\u00f5es que podemos carregar daqueles doze meses explosivos foi que \u201cquando as pessoas tentam mudar o mundo, outras pessoas que est\u00e3o interessadas por uma quest\u00e3o de direitos adquiridos em manter o mundo como est\u00e1, n\u00e3o se deter\u00e3o diante de nada para silenci\u00e1-las<\/strong>\u201d.\u00a0<\/span><\/p>\n

\/\/\/<\/p>\n

A s\u00e9rie\u00a0O jornalismo alternativo na ditadura militar<\/strong><\/a><\/span>\u00a0\u00e9 publicada sistematicamente no #siteberro.<\/p>\n

revistaberro@revistaberro.com<\/p>\n

Clique nos links abaixo para acessar os textos anteriores:<\/p>\n

I.\u00a0O contexto s\u00f3cio-hist\u00f3rico do nascedouro da imprensa alternativa no Brasil<\/em><\/a><\/span><\/p>\n

II.\u00a0A revolu\u00e7\u00e3o dos \u201cbichos-grilos\u201d: o nascimento da contracultura<\/em><\/a><\/span><\/p>\n

III.\u00a0O movimento dos direitos civis: as lutas feministas e negras<\/em><\/a><\/span><\/p>\n

IV.\u00a0Sexo, drogas e rock\u2019n\u2019roll: o movimento hippie\u00a0<\/em><\/a><\/span><\/p>\n

V. Arte corajosa nos tr\u00f3picos<\/span><\/a><\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Ainda contextualizando sobre o terreno hist\u00f3rico onde vicejou o jornalismo alternativo na ditadura civil-militar brasileira, seguimos analisando o cen\u00e1rio pol\u00edtico-cultural da \u00e9poca, antes de entrar propriamente nas a\u00e7\u00f5es encampadas por estes jornais. N\u00e3o sou historiador, mas penso que a historiografia deveria considerar 1968 como o marco inicial de uma nova modernidade. \u00c9 not\u00f3rio que parte […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":7243,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_mi_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[68,28],"tags":[92,90,85,69,70,91],"yoast_head":"\n1968: o ano da rebeli\u00e3o mundial estudantil | Revista Berro<\/title>\n<meta name=\"robots\" content=\"index, follow, max-snippet:-1, max-image-preview:large, max-video-preview:-1\" \/>\n<link rel=\"canonical\" href=\"https:\/\/revistaberro.com\/series\/jornalismoalternativo\/1968-o-ano-da-rebeliao-mundial-estudantil\/\" \/>\n<meta property=\"og:locale\" content=\"pt_BR\" \/>\n<meta property=\"og:type\" content=\"article\" \/>\n<meta property=\"og:title\" content=\"1968: o ano da rebeli\u00e3o mundial estudantil | Revista Berro\" \/>\n<meta property=\"og:description\" content=\"Ainda contextualizando sobre o terreno hist\u00f3rico onde vicejou o jornalismo alternativo na ditadura civil-militar brasileira, seguimos analisando o cen\u00e1rio pol\u00edtico-cultural da \u00e9poca, antes de entrar propriamente nas a\u00e7\u00f5es encampadas por estes jornais. 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