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{"id":7169,"date":"2021-10-15T15:03:17","date_gmt":"2021-10-15T18:03:17","guid":{"rendered":"https:\/\/revistaberro.com\/?p=7138"},"modified":"2021-10-29T14:20:39","modified_gmt":"2021-10-29T17:20:39","slug":"eu-nao-posso-deixar-que-meu-amigo-que-foi-morto-no-dia-do-sarau-morra-de-novo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/revistaberro.com\/series\/artelariadequebrada\/eu-nao-posso-deixar-que-meu-amigo-que-foi-morto-no-dia-do-sarau-morra-de-novo\/","title":{"rendered":"\u201cEu n\u00e3o posso deixar que meu amigo que foi morto no dia do sarau morra de novo\u201d"},"content":{"rendered":"
\"\"
(Foto: arquivo pessoal)<\/figcaption><\/figure>\n

O Padre Andrade<\/strong> \u00e9 um bairro fortalezense onde existe um trilho de trem. Segundo B\u00e1rbara Ara\u00fajo, jovem que completa 22 anos em novembro, morou na localidade por mais de uma d\u00e9cada, esse mesmo trilho separa econ\u00f4mica e socialmente os moradores da localidade<\/strong>: \u201cA gente morou numa rua que era um pouco mais elitizada quando eu era pequena, s\u00f3 que era uma quest\u00e3o de diferen\u00e7a, o lado esquerdo e o lado direito do trilho\u201d. Estamos em mais um bairro da periferia fortalezense atravessado por hist\u00f3rias que permeiam a dor da perda, a disparidade social e a perman\u00eancia no fazer art\u00edstico.<\/span><\/p>\n

\u00c9 um bairro que fica na zona oeste da capital cearense e, segundo o olhar da poeta, possui uma intensa desigualdade socioecon\u00f4mica: \u201cEu via que minha m\u00e3e fazia um esfor\u00e7o gigante pra me dar um monte de coisa meio desnecess\u00e1ria, por conta do luxo, n\u00e9? Eu cresci no Padre Andrade, eu vi que eu tinha uma perspectiva maior do que a galera que andava comigo\u201d. Ela teve acesso \u00e0 literatura bem cedo.<\/span><\/p>\n

A m\u00e3e dela foi trabalhadora dom\u00e9stica por muitos anos e hoje trabalha com servi\u00e7os gerais. O seu pai era professor do curso de letras de uma universidade em Fortaleza. O que o patriarca considerava como \u201cverdadeira poesia\u201d, para ela era algo distante de uma viv\u00eancia nas ruas onde come\u00e7ou a ter suas primeiras socializa\u00e7\u00f5es. \u201c\u00c9 dif\u00edcil ensinar matem\u00e1tica para quem n\u00e3o tem feij\u00e3o e arroz no prato para\u00a0 comer<\/strong>\u201d, diz B\u00e1rbara. \u00a0 \u00a0 <\/span><\/p>\n

Quando tinha onze anos, B\u00e1rbara passou a apresentar sintomas de depress\u00e3o. Nessa \u00e9poca tamb\u00e9m que ela come\u00e7ou a fazer teatro com os amigos da escola em que estudava. Esse fato, somado com a quest\u00e3o dela ter se mudado para uma vila ainda crian\u00e7a, s\u00e3o motivos que ela considera pontuais para ter tomado gosto pelo fazer art\u00edstico. A partir dessa viv\u00eancia, ela desvela que ainda crian\u00e7a gostava mesmo de brincar com os meninos da rua, transcendendo o espa\u00e7o delimitado como sua casa:<\/span><\/p>\n

Nessa vila era mais atraente o que estava fora, eu sempre gostei muito de pipa, de jogar pi\u00e3o, e isso acontecia mais com a galera da bandidagem, n\u00e9, que \u00e9 a galera do rol\u00ea, a galera da disputa mesmo no cerol. Era a perspectiva que era muito colocada a mim, entendeu? Tinha uma vila e eu cresci ali e tal, onde aconteceram as primeiras repress\u00f5es femininas porque tinha muito menino na vila. Da\u00ed eu sa\u00ed pra soltar pipa bem nova e onde conheci uma galera com outra perspectiva de realidade mesmo.<\/span><\/p><\/blockquote>\n

Na viv\u00eancia com os outros adolescentes de suas \u00e1reas, ela tamb\u00e9m passou a ter acesso \u00e0s “balinhas” de maconha que se transformavam em baseados que rodavam de m\u00e3o em m\u00e3o. Com o dinheiro que ela recebia da m\u00e3e para a merenda na escola, ela guardava uma parte para fazer as \u201cintera\u201d. Alguns amigos j\u00e1 estariam no curso de venda de drogas, o que na g\u00edria popular a gente chama \u201cavi\u00e3o\u201d.\u00a0<\/span><\/p>\n

A artista tinha um convite para ir a um sarau que Baticum<\/span><\/a> organizaria na noite de uma sexta-feira. Durante a manh\u00e3, ela foi socializar com os amigos frequentadores das redondezas da escola, acontecimento que fazia parte do cotidiano da estudante. B\u00e1rbara n\u00e3o sabia que o baseado era um \u00faltimo elemento de partilha entre ela e o amigo.<\/span><\/p>\n

Na mesma noite em que ela ia celebrar a poesia, Alexandre foi sequestrado e assassinado. Agora n\u00e3o era s\u00f3 a disparidade social que atravessava a vida e a percep\u00e7\u00e3o da garota, nesse momento foi a fragilidade da vida e o arrependimento de n\u00e3o ter convidado o rapaz para aquele sarau de poesia. Nesse momento tamb\u00e9m, na vida de B\u00e1rbara, o inc\u00f4modo passou a gerar crises mais intensas de depress\u00e3o.<\/span><\/p>\n

Surreal \u00e9 o nome art\u00edstico de B\u00e1rbara Ara\u00fajo<\/strong>. Foi ap\u00f3s esses acontecimentos, e de uma crise mais aguda de depress\u00e3o, que a sua m\u00e3e decidiu se mudar para perto da av\u00f3 materna, do lado oposto ao bairro onde ela cresceu. Al\u00e9m de querer melhorar o quadro mental da poeta, a sua m\u00e3e vislumbrou ajudar a irm\u00e3 mais velha e a av\u00f3 de B\u00e1rbara. B\u00e1rbara hoje mora com a m\u00e3e, na regi\u00e3o metropolitana de Fortaleza, em Maracana\u00fa.<\/span><\/p>\n

Sobre a principal motiva\u00e7\u00e3o que levou a mudan\u00e7a ela \u00e9 objetiva: \u201cA gente saiu de l\u00e1 porque minha m\u00e3e queria que eu ficasse mais saud\u00e1vel\u201d. \u00c0 medida que sua mente adoeceu, o fazer art\u00edstico tamb\u00e9m foi reaparecendo como uma forma de remediar as afli\u00e7\u00f5es<\/strong>.<\/span><\/p>\n

Surreal pensava poeticamente desde os doze anos, concebendo seus primeiros escritos que ela garante ser por influ\u00eancia dos jogos po\u00e9ticos com o arte-educador e poeta, morador do Ant\u00f4nio Bezerra, Baticum: <\/span><\/p>\n

Conheci o Baticum aos doze anos, no Garimpo de Talentos do Teatro Antonieta Noronha, e come\u00e7amos a brincar de poesia. Fui entrando mais pro lado de rock, Baticum me mostrou a poesia. Eu fazia teatro desde pequena e a arte foi o que me tirou mesmo daquela perspectiva mais hostil pra minha sa\u00fade mental.<\/span><\/p><\/blockquote>\n

B\u00e1rbara, a Surreal, fez um olhar de esperan\u00e7a ao falar da sua rela\u00e7\u00e3o com o bairro onde cresceu. Voltar ao Padra Andrade, para ela, carrega um significado para al\u00e9m da perda do seu amigo. A repara\u00e7\u00e3o para ela se faz na suas constantes idas ao bairro: \u201cEu acho que devo voltar sempre porque eu acho que devo resgatar algu\u00e9m, eu n\u00e3o posso deixar que meu amigo que foi morto no dia do sarau morra de novo, morra de novo e morra de novo<\/strong>\u201d.\u00a0<\/span><\/p>\n

\/\/\/<\/p>\n

A s\u00e9rie\u00a0Artelaria de quebrada<\/strong><\/span><\/a>\u00a0\u00e9 publicada semanalmente no #siteberro. Clique nos links abaixo para acessar os textos anteriores.\u00a0<\/em><\/p>\n

jernesto@revistaberro.com \/ revistaberro@revistaberro.com<\/p>\n

i. Artelaria de quebrada: poetas e saraus de periferia<\/em><\/a><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

O Padre Andrade \u00e9 um bairro fortalezense onde existe um trilho de trem. Segundo B\u00e1rbara Ara\u00fajo, jovem que completa 22 anos em novembro, morou na localidade por mais de uma d\u00e9cada, esse mesmo trilho separa econ\u00f4mica e socialmente os moradores da localidade: \u201cA gente morou numa rua que era um pouco mais elitizada quando eu […]<\/p>\n","protected":false},"author":4,"featured_media":7179,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_mi_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[60,28],"tags":[],"yoast_head":"\n\u201cEu n\u00e3o posso deixar que meu amigo que foi morto no dia do sarau morra de novo\u201d | Revista Berro<\/title>\n<meta name=\"robots\" content=\"index, follow, max-snippet:-1, max-image-preview:large, max-video-preview:-1\" \/>\n<link rel=\"canonical\" href=\"https:\/\/revistaberro.com\/series\/artelariadequebrada\/eu-nao-posso-deixar-que-meu-amigo-que-foi-morto-no-dia-do-sarau-morra-de-novo\/\" \/>\n<meta property=\"og:locale\" content=\"pt_BR\" \/>\n<meta property=\"og:type\" content=\"article\" \/>\n<meta property=\"og:title\" content=\"\u201cEu n\u00e3o posso deixar que meu amigo que foi morto no dia do sarau morra de novo\u201d | Revista Berro\" \/>\n<meta property=\"og:description\" content=\"O Padre Andrade \u00e9 um bairro fortalezense onde existe um trilho de trem. 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