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{"id":6948,"date":"2021-06-18T08:08:51","date_gmt":"2021-06-18T11:08:51","guid":{"rendered":"http:\/\/revistaberro.com\/?p=6948"},"modified":"2021-06-09T20:11:19","modified_gmt":"2021-06-09T23:11:19","slug":"ao-meu-lado","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/revistaberro.com\/literatura\/conto\/ao-meu-lado\/","title":{"rendered":"Ao meu lado"},"content":{"rendered":"
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(Ilustra\u00e7\u00e3o: Lara Albuquerque)<\/figcaption><\/figure>\n

Ao contr\u00e1rio do que pregam as m\u00e1s l\u00ednguas, adianto que n\u00e3o sou afeita a brigas, confus\u00f5es. Sabe o ditado: \u201cDou um boi pra n\u00e3o entrar numa briga e uma boiada pra n\u00e3o sair dela\u201d? Pois \u00e9 justamente disso que quero falar. Um desabafo. A minha psiquiatra, a simp\u00e1tica doutora Cinira Lopes, pediu que eu descarregasse no papel as minhas frustra\u00e7\u00f5es. N\u00e3o s\u00f3; dramas, intrigas e aborrecimentos. Na verdade, uso o papel para muito mais. Poderia escrever uns dez livros com o material que tenho. H\u00e1 anos as folhas dos cadernos \u2013 tantos \u2013 me suportam. Quem estaria disposto a ouvir as minhas dores? S\u00e3o muitas. Sim, Cinira escuta, porque \u00e9 paga pelo governo para isso. \u00c9 sua obriga\u00e7\u00e3o. Ela n\u00e3o faria voluntariamente, de bom grado, tenho certeza. Mas, vamos ao ponto: na sexta-feira atrasada, sa\u00ed, como se diz, com uma m\u00e3o na frente e outra atr\u00e1s. Em suma: lisa, batendo, sem um puto no bolso. A ideia era de passar na casa de Val\u00e9ria e perguntar, na maior das boas inten\u00e7\u00f5es, se ela seria capaz de quebrar o meu galho, mais uma vez. Em \u00faltimo caso, iria ao banco para tentar um novo empr\u00e9stimo, para pagar o agiota. N\u00e3o queria mexer com bancos \u2013 ladr\u00f5es! \u2013, e sabia que, me chegando \u00e0 Val\u00e9ria, mulher de cora\u00e7\u00e3o bom, n\u00e3o teria de me aventurar na desordem \u2013 esta, que me persegue desde quando a minha exist\u00eancia era uma indesejada expectativa no saco do meu genitor. No caminho, seis quarteir\u00f5es, recebi cinco mensagens do sanguessuga cobrador; ele me dava tr\u00eas dias para eu \u201cresolver a minha vida\u201d. Contando que estava com dez dias de atraso no pagamento da presta\u00e7\u00e3o, mais tr\u00eas eram para mim uma b\u00ean\u00e7\u00e3o. Fui mais aliviada. Contei ao perseguidor que, impreterivelmente, \u201ca presta\u00e7\u00e3o estar\u00e1 em sua m\u00e3o na segunda-feira\u201d. O homem respondeu: \u201cD\u00ea seu jeito! Ou darei o meu!\u201d. Quem me atendeu foi Ricardo, \u201co marido\u201d, com a sua cara t\u00edpica de azedume. \u201cVal\u00e9ria n\u00e3o est\u00e1!\u201d. Quis me despachar, no ato. De longe ouvi a voz dela: \u201c\u00d4, Juan, meu filho, saia desse computador e v\u00e1 estudar!\u201d. O caboclo ficou desconcertado e disse: \u201cEspere a\u00ed\u201d. N\u00e3o pediu desculpas e saiu bufando. N\u00e3o perdi a oportunidade, porque n\u00e3o sou de guardar as coisas: \u201cOlha, Ricardo, bastava me dizer para voltar outra hora; que ela estava ocupada. N\u00e3o precisava mentir\u201d. Ele n\u00e3o teve sequer a aten\u00e7\u00e3o de se virar e terminar o col\u00f3quio com educa\u00e7\u00e3o. Entrou feito uma bala. Eu, sinceramente, n\u00e3o sei o que Val\u00e9ria viu nesse encosto. O homem finge que trabalha e deixa a mulher ralando o bucho para preparar bolos e quitutes para a padaria da esquina. Eu tenho pena da minha amiguinha. E sei que ela n\u00e3o tem muito a oferecer. Mas esse cora\u00e7\u00e3o bom se nega a esquecer o favor que lhe fiz, ao salvar a sua m\u00e3e, dona Deolinda, que quase morreu engasgada com uma espinha de peixe. Fui eu quem a levou para o hospital. E isso, felizmente, a queridinha Val\u00e9ria n\u00e3o apaga da mem\u00f3ria. Deolinda morreu bem depois, mas de uma fatalidade igual ou mais bizarra que esse acidente relatado: uma carreta tombou no centro, e a velha passava no exato momento, sendo atingida por um engradado de cerveja na cabe\u00e7a. Eu ri, claro, mas longe das vistas de Val\u00e9ria. Parece que a mulher estava condenada a morrer de gra\u00e7a e matar os outros de gra\u00e7a. Bem, voltando \u00e0 minha amiguinha, quando ela me viu, for\u00e7ou uma cara de choro; n\u00e3o sa\u00eda uma gota de l\u00e1grima. Entendi o recado. Ela estava disposta a enredar numa ladainha sem fim. Ent\u00e3o, para n\u00e3o encompridar a conversa, disse que o agiota me mataria na segunda-feira se n\u00e3o arranjasse mil reais. Val\u00e9ria arregalou os olhos e, como sempre, n\u00e3o me reprimiu em nada. Apesar de saber que me enfio em empr\u00e9stimos e mais empr\u00e9stimos, desta feita n\u00e3o soltou um ai. Olhou-me e, com a cabe\u00e7a pendendo sobre o ombro esquerdo, como a desfalecer, disse que desta vez era ela que precisava da minha ajuda: Ricardinho estava sendo procurado pela pol\u00edcia, por tr\u00e1fico de drogas. Pronto, descobri a ocupa\u00e7\u00e3o do malandro. Claro que andar ostentando, sem um trabalho fixo, fazendo bicos de encanador e de eletricista, n\u00e3o lhe renderiam uma caminhonete Toro, lustrosa, estacionada na garagem. Dava nas vistas. Portanto, nas minhas contas, Val\u00e9ria teria duas alternativas: uma, me emprestar o dinheiro e ter o marido preso; outra, n\u00e3o me arranjar o dinheiro e, mesmo assim, ter o marido preso. Ela falou em fian\u00e7a. Eu disse: \u201cBoba, n\u00e3o tem fian\u00e7a para isso. Ele vai ser preso de qualquer maneira; e voc\u00ea n\u00e3o pode ficar acobertando, porque pode sobrar para voc\u00ea. Entendeu?!\u201d. Ela franziu a testa, intrigada; p\u00f4s as m\u00e3os na cabe\u00e7a, come\u00e7ou a chorar de verdade, e eu a acalentei. Peguei as suas m\u00e3os suadas, beijei-as, e provei quem, de fato, a amava. Ela se sentiu acautelada, reconfortada, e me agradeceu o apoio; que assim que recebesse algum dinheiro me ajudaria, mas que, agora, n\u00e3o teria de onde tirar. Eu dei a sugest\u00e3o de pegar \u201cemprestado\u201d com o marido rico; ela riu e captou a mensagem. Logo mais, ao chegar em casa, denunciei o embusteiro, para liberar a minha amiguinha do peito. Enviei detalhadamente as descri\u00e7\u00f5es e uma foto do sujeito \u00e0 pol\u00edcia. A pris\u00e3o foi algo teatral, orquestrada, que parou o bairro. Soube, depois, que ele era procurado h\u00e1 tempos, usava nome falso e, inclusive, teria mudado as fei\u00e7\u00f5es, para despistar a pol\u00edcia. Val\u00e9ria me ligou, confirmando a sina e me chamando para ficar com ela; para aquietar o seu cora\u00e7\u00e3ozinho; para me agradecer. Quando cheguei, de cara, ela me deu muito mais que mil: cinco mil reais. Ela falou que era um \u201cpresente\u201d, por tudo de bom que lhe teria feito. \u201c\u00c9 o que voc\u00ea merece, por me fazer abrir os olhos; por me salvar de tantas enrascadas!\u201d. Paguei o agiota, livrei a minha pele; comprei uma m\u00e1quina de lavar, uma televis\u00e3o smart 50\u2019\u2019 e um micro-ondas, a prazo, s\u00f3 mesmo porque estava precisando, e porque tenho cr\u00e9dito na pra\u00e7a; e enchi-a de mimos, como num \u201cdia de princesa\u2019\u201d, no centro da cidade. Finalmente, mesmo na dor, Val\u00e9ria entendeu o que \u00e9 felicidade \u2013 ao meu lado.<\/span><\/p>\n

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Adriano B. Esp\u00edndola Santos \u00e9 natural de Fortaleza, Cear\u00e1. Em 2018 lan\u00e7ou seu primeiro livro, o romance \u201cFlor no caos\u201d, pela Desconcertos Editora; e em 2020 os livros de contos, \u201cCont\u00edculos de dores refrat\u00e1rias\u201d e \u201co ano em que tudo come\u00e7ou\u201d, ambos pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados em revistas liter\u00e1rias nacionais e internacionais. \u00c9 advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir \u2013 sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Liter\u00e1ria. Membro do Coletivo de Escritores Delirantes. \u00c9 dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o cora\u00e7\u00e3o inquieto.\u00a0<\/span><\/p>\n

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