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{"id":6925,"date":"2021-06-09T18:02:05","date_gmt":"2021-06-09T21:02:05","guid":{"rendered":"http:\/\/revistaberro.com\/?p=6925"},"modified":"2021-06-09T18:16:28","modified_gmt":"2021-06-09T21:16:28","slug":"o-contexto-socio-historico-e-operacional-das-faccoes-no-ceara","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/revistaberro.com\/series\/antropologiadocrime\/o-contexto-socio-historico-e-operacional-das-faccoes-no-ceara\/","title":{"rendered":"O contexto s\u00f3cio-hist\u00f3rico e operacional das fac\u00e7\u00f5es no Cear\u00e1\u00a0"},"content":{"rendered":"
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(Ilustra\u00e7\u00e3o: Lara Albuquerque)<\/figcaption><\/figure>\n

O fen\u00f4meno \u201cfac\u00e7\u00e3o\u201d \u00e9 muito recente no Cear\u00e1. Falo em \u201cfen\u00f4meno\u201d porque foi somente a partir de 2015 que o termo fac\u00e7\u00e3o passou a ser explorado com mais for\u00e7a pelas 239 ag\u00eancias midi\u00e1ticas cearenses para a produ\u00e7\u00e3o de not\u00edcias. O termo tamb\u00e9m entrou no l\u00e9xico ret\u00f3rico das camadas m\u00e9dias e altas das cidades cearenses, principalmente Fortaleza e regi\u00e3o metropolitana, para explicar a \u201cviol\u00eancia urbana\u201d. E, ademais, fac\u00e7\u00e3o foi incorporada como categoria local das popula\u00e7\u00f5es dos bairros populares.\u00a0<\/span><\/p>\n

Entretanto, ao contr\u00e1rio do que pode parecer, n\u00e3o foi apenas em 2015 que fac\u00e7\u00f5es do Rio de Janeiro e de S\u00e3o Paulo chegaram ao Estado. De acordo com a rep\u00f3rter M\u00e1rcia Feitosa, o Comando Vermelho (CV) chegou ao Cear\u00e1 j\u00e1 em meados dos anos de 1980<\/span><\/a> e duas a\u00e7\u00f5es pontuais indicaram sua presen\u00e7a em territ\u00f3rio cearense: um assalto a uma joalheira, em 1986, e o sequestro e assassinato de um corretor de im\u00f3veis por um membro da fac\u00e7\u00e3o, em 1987.\u00a0<\/span><\/p>\n

Em 1996, o l\u00edder da fac\u00e7\u00e3o carioca Amigos dos Amigos (ADA), Ernaldo Pinto de Medeiros, o \u201cU\u00ea\u201d, principal rival do CV no Rio de Janeiro, foi preso em hotel na Av. Beira-Mar, em Fortaleza<\/span><\/a>, metro quadrado mais caro da cidade. \u00c0 \u00e9poca, U\u00ea comandava o tr\u00e1fico de drogas e armas nas favelas Morro do Livramento, Morro do Adeus e Parque Alegria, entre outras comunidades cariocas, e sua presen\u00e7a no Cear\u00e1 n\u00e3o foi suficientemente explicada pela pol\u00edcia. U\u00ea era o principal \u201cinimigo\u201d de Luiz Fernando da Costa, o \u201cFernandinho Beira-Mar\u201d, l\u00edder ic\u00f4nico do CV.\u00a0<\/span><\/p>\n

Em 2002, ap\u00f3s rebeli\u00e3o no pres\u00eddio Bangu 1, comandada pelo \u201cbra\u00e7o-direito\u201d de Beira-Mar, Marcos Marinho dos Santos, o \u201cChapolin\u201d, U\u00ea e mais tr\u00eas comparsas foram assassinados<\/span><\/a>. Entre meados e o final dos anos de 1990, o Comando Vermelho enxergou no Nordeste um local estrat\u00e9gico para o escoamento da coca\u00edna que vinha da Bol\u00edvia e da Col\u00f4mbia.\u00a0<\/span><\/p>\n

Segundo relat\u00f3rio da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, Beira-Mar possu\u00eda \u00e0 \u00e9poca quinze im\u00f3veis apenas na Para\u00edba. O delegado da Pol\u00edcia Civil cearense, Francisco Cris\u00f3stomo \u2013 que comandou as investiga\u00e7\u00f5es relacionadas ao \u201ccrime organizado\u201d no Cear\u00e1 desde os anos de 1980 \u2013, disse que Fernandinho Beira-Mar esteve no Cear\u00e1 no dec\u00eanio de 1990 para organizar o ponto final de uma rota de coca\u00edna vinda da Col\u00f4mbia. <\/span><\/p><\/blockquote>\n

Em Fortaleza, segue Cris\u00f3stomo, o traficante alugou um apartamento no Jardim das Oliveiras, bairro onde est\u00e1 inserido o complexo de favelas GTN: \u201cAlugou um apartamento e passou uma temporada organizando as rotas. Foi \u2018Beira-Mar\u2019 que conseguiu montar esse esquema que leva droga da Col\u00f4mbia para o Paraguai, do Paraguai para o Sudeste do Brasil e do Sudeste para o Nordeste. Daqui enviam para a Europa\u201d.\u00a0<\/span><\/p>\n

O Primeiro Comando da Capital (PCC) chegaria ao Cear\u00e1 tamb\u00e9m nos anos de 1990. At\u00e9 onde se sabe publicamente, nesse in\u00edcio a fac\u00e7\u00e3o paulista n\u00e3o estava envolvida com o tr\u00e1fico de drogas no Estado, mas tendo em vista que \u00e9 justamente nesse dec\u00eanio que o crack se dissemina por Fortaleza, \u00e9 prov\u00e1vel que os primeiros fornecedores dessa droga nas favelas da capital cearense tenham sido agentes ligados \u00e0 fac\u00e7\u00e3o paulista, uma vez que ainda n\u00e3o havia \u201claborat\u00f3rios\u201d clandestinos de crack por aqui. No entanto, o grupo de S\u00e3o Paulo estava mais interessado em assaltos a empresas transportadoras de dinheiro. Dois eventos \u201ccinematogr\u00e1ficos\u201d, como os assaltos \u00e0 Corpvs, em 1999, e \u00e0 Nordeste Seguran\u00e7a de Valores (NSV), em 2000, demarcaram a chegada do PCC ao Cear\u00e1. A pesquisa etnogr\u00e1fica<\/span><\/a> de J\u00e2nia Aquino com os \u201cladr\u00f5es\u201d envolvidos na opera\u00e7\u00e3o, reconstitui analiticamente um desses assaltos.\u00a0<\/span><\/p>\n

De acordo com reportagem de um jornal impresso local, no assalto \u00e0 Corpvs, o grupo entrou na transportadora, no bairro Aeroporto, em Fortaleza, vestindo indument\u00e1rias da Pol\u00edcia Federal e alegando que fariam uma inspe\u00e7\u00e3o. Os assaltantes estavam na companhia do gerente da empresa, que tinha sido sequestrado na noite anterior. Logo depois, o assalto foi anunciado. Levaram 6,9 milh\u00f5es de reais da transportadora. Marcos Willians Herbas Camacho, o \u201cMarcola\u201d, apontado pelos \u00f3rg\u00e3os policiais como l\u00edder do PCC, estava entre os part\u00edcipes do assalto. <\/span><\/p>\n

Outro que tamb\u00e9m participou deste evento foi Ant\u00f4nio Jussivan Alves dos Santos, o \u201cAlem\u00e3o\u201d, considerado como o mentor, em 2005, do furto ao Banco Central de Fortaleza, o maior roubo a banco na hist\u00f3ria brasileira, onde foram roubados 164 milh\u00f5es de reais.\u00a0<\/span><\/p><\/blockquote>\n

O assalto \u00e0 Nordeste Seguran\u00e7a de Valores (NSV), em 2000, na cidade de Caucaia, regi\u00e3o metropolitana de Fortaleza, foi comandado por Marcola \u2013 que participou in loco da a\u00e7\u00e3o \u2013 e logrou \u00eaxito para o PCC. Conseguiram 1,3 milh\u00e3o de reais, mas parte da quadrilha foi capturada dias depois, em Fortaleza, ap\u00f3s troca de tiros com a pol\u00edcia em um bairro das camadas m\u00e9dias e altas da cidade, a Aldeota. Marcola estava no momento do confronto, mas conseguiu fugir. Segundo os assaltantes detidos, em depoimento \u00e0s inst\u00e2ncias policiais, o planejamento para o crime fora de oito meses e aproximadamente cerca de trezentos mil reais foram gastos com a log\u00edstica do roubo.\u00a0<\/span><\/p>\n

De acordo com o delegado Cris\u00f3stomo, \u201cos bandidos que vieram para esses assaltos eram muito perigosos. Linha de frente de a\u00e7\u00f5es de grande porte. O estrago que fizeram no Cear\u00e1 foi grande, porque foi a pris\u00e3o deles que trouxe o PCC para c\u00e1 de forma definitiva\u201d. <\/span><\/p>\n

Maur\u00edcio Alves Ribeiro, o \u201cChina\u201d, foi o principal integrante do PCC preso nesse dia. Foi ele quem, na aurora dos anos de 2000, no Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), em Aquiraz, regi\u00e3o metropolitana de Fortaleza, iniciou os \u201cbatismos\u201d de presidi\u00e1rios cearenses \u00e0 fac\u00e7\u00e3o paulista, que depois foram acentuados ap\u00f3s muitos \u201cbandidos\u201d paulistas terem sido encarcerados em pres\u00eddios cearenses ap\u00f3s o furto ao Banco Central de Fortaleza, em 2005.\u00a0<\/span><\/p><\/blockquote>\n

Portanto, fica claro que o processo de imers\u00e3o das fac\u00e7\u00f5es CV e PCC no Cear\u00e1 n\u00e3o \u00e9 de 2015 para c\u00e1, mas vem se desenvolvendo paulatinamente nas \u00faltimas duas d\u00e9cadas, no caso do grupo paulista; e nos \u00faltimos tr\u00eas dec\u00eanios, no caso da quadrilha carioca. O que se percebeu nos \u00faltimos seis anos foi uma intensifica\u00e7\u00e3o exponencial dessa presen\u00e7a em territ\u00f3rio cearense. N\u00e3o vou me alongar aqui tecendo explica\u00e7\u00f5es aprofundadas sobre o surgimento e o processo de nacionaliza\u00e7\u00e3o dessas duas fac\u00e7\u00f5es, porque j\u00e1 h\u00e1 nesse campo de estudo uma vasta literatura acad\u00eamica \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o. De forma muito sucinta, vou apenas contextualizar historicamente CV e PCC, e incluir nesta contextualiza\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m a Fam\u00edlia do Norte (FDN). <\/span><\/p>\n

Na pr\u00f3xima semana, preparamos um texto exclusivo para analisar a Guardi\u00f5es do Estado (GDE), fac\u00e7\u00e3o cearense que vem se consolidando como emergente a n\u00edvel inter-regional.\u00a0\u00a0<\/span><\/p>\n

Comando Vermelho (CV)\u00a0<\/b><\/p>\n

O Comando Vermelho, no in\u00edcio chamado Falange Vermelha \u2013 a alcunha \u201cComando Vermelho\u201d foi dada pela imprensa e adotada pelos faccionados \u2013, surgiu, em 1979, no pres\u00eddio C\u00e2ndido Mendes, na Ilha Grande (RJ), com o lema \u201cPaz, Justi\u00e7a e Liberdade\u201d, a partir de uma intera\u00e7\u00e3o convivial entre os presos \u201ccomuns\u201d e os presos \u201cpol\u00edticos\u201d dos diversos grupos armados que combatiam o regime civil-militar, para reivindicar melhores condi\u00e7\u00f5es penitenci\u00e1rias e dignidade aos detentos. Michel Misse, em <\/span>Crime e viol\u00eancia no Brasil contempor\u00e2neo: Estudos de sociologia do crime e da viol\u00eancia urbana<\/span><\/i><\/a><\/span>, detalha que desde o in\u00edcio \u201ccriou-se uma \u2018caixinha\u2019, com uma fra\u00e7\u00e3o do dinheiro arrecadado nos assaltos a banco, para financiar fugas, e c\u00f3digos r\u00edgidos de lealdade foram estabelecidos entre os que estavam fora e os que estavam dentro dos pres\u00eddios\u201d. No come\u00e7o, influenciados pelos presos \u201cpol\u00edticos\u201d das guerrilhas urbanas que lutaram contra a ditadura, as a\u00e7\u00f5es do CV estavam mais voltadas a assaltos a bancos, a ve\u00edculos de transporte de valores, e a grandes empresas.\u00a0<\/span><\/p>\n

Todavia, com a entrada definitiva do Brasil, nos anos de 1980, na rota da coca\u00edna vinda principalmente da Col\u00f4mbia e da Bol\u00edvia \u2013 a partir dos portos e aeroportos brasileiros o produto era escoado para a Europa, e parte dele, de baixa qualidade, ficava para o consumo do mercado interno brasileiro \u2013 o CV, por meio de suas quadrilhas que atuavam nas ruas, transita dos assaltos a banco e carros-fortes ao tr\u00e1fico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro \u2013 uma atividade de menos risco e cuja repress\u00e3o ainda n\u00e3o era t\u00e3o intensa \u2013 e, ent\u00e3o, se consolida como grupo criminal. Algumas fontes policiais consideram que a fac\u00e7\u00e3o carioca Amigos dos Amigos (ADA) tamb\u00e9m est\u00e1 presente no Cear\u00e1, por\u00e9m, apoiado na minha pesquisa de campo, em todo o percurso de entrevistas e observa\u00e7\u00e3o participante, ela n\u00e3o foi citada por nenhum dos meus interlocutores. Portanto, resolvi n\u00e3o analis\u00e1-la neste texto.\u00a0<\/span><\/p>\n

A estrutura do Comando Vermelho n\u00e3o tem a figura de um poder centralizador; geralmente os \u201cdonos de morro\u201d atuam com relativa independ\u00eancia moral dentro de seus territ\u00f3rios. O in\u00edcio do seu processo de nacionaliza\u00e7\u00e3o d\u00e1-se ainda no dec\u00eanio de 1980. Durante a d\u00e9cada de 1990, o CV controlou hegemonicamente as rotas transnacionais de armas e drogas que vinham da Col\u00f4mbia, do Peru, da Bol\u00edvia e do Paraguai, e escoavam por todo o territ\u00f3rio nacional. <\/span><\/p>\n

Com a pris\u00e3o de Fernandinho Beira-Mar, em 2002, o crescimento do PCC, e o surgimento da Fam\u00edlia do Norte, em 2006, o monop\u00f3lio do CV se desmancha, o grupo faz uma alian\u00e7a com a FDN na rota fluvial do Solim\u00f5es, na tr\u00edplice fronteira amaz\u00f4nica (Brasil, Peru e Col\u00f4mbia) e acordos tamb\u00e9m com o PCC nas rotas das fronteiras com a Bol\u00edvia e com o Paraguai. Estes acordos foram quebrados em 2016 \u2013 mais \u00e0 frente falarei dessa ruptura.\u00a0<\/span><\/p><\/blockquote>\n

Com rela\u00e7\u00e3o \u00e0 sua presen\u00e7a no Cear\u00e1, de acordo com dados do jornalista Thiago Paiva, atualmente o CV comanda as Casas de Priva\u00e7\u00e3o Provis\u00f3ria de Liberdade (CPPL) I e IV, os pres\u00eddios das cidades de Caucaia, Pacatuba e Sobral, al\u00e9m de vinte e seis cadeias p\u00fablicas. De acordo com dados publicados em jornais cearenses de 2018\u00a0 (portanto, podem estar obsoletos tamanha a din\u00e2mica destas configura\u00e7\u00f5es criminais), tem o maior n\u00famero de integrantes dentro das penitenci\u00e1rias cearenses, com cerca de 9.056 membros. Nas periferias, atualmente, segundo dados do setor de Intelig\u00eancia do governo estadual , o CV domina mais comunidades cearenses do que seu principal rival no Estado, a GDE. No final de julho de 2018, em ordens que partiram de dentro do sistema prisional, a fac\u00e7\u00e3o capitaneou ataques a coletivos e pr\u00e9dios p\u00fablicos e privados em Fortaleza e regi\u00e3o metropolitana. Foram carbonizados quatorze \u00f4nibus; uma ag\u00eancia banc\u00e1ria foi incendiada e em outra conseguiram controlar o fogo a tempo de evitar o inc\u00eandio; uma ag\u00eancia dos Correios, um pr\u00e9dio do Detran\/CE e a sede da Secretaria Municipal de Seguran\u00e7a Cidad\u00e3 foram alvejadas com tiros; coquet\u00e9is molotov foram arremessados em uma das sedes das subprefeituras de Fortaleza, mas o fogo n\u00e3o se alastrou pelo pr\u00e9dio; uma granada e mais de 150 motocicletas foram incendiadas no p\u00e1tio do Detran.<\/span><\/p>\n

De acordo com investiga\u00e7\u00f5es policiais, os ataques, que fizeram as empresas de \u00f4nibus interromperem por um dia o servi\u00e7o p\u00fablico de transporte municipal, foram em retalia\u00e7\u00e3o \u00e0 morte de tr\u00eas membros do CV em confronto com a pol\u00edcia na cidade de Amontada, litoral oeste do Cear\u00e1.\u00a0<\/span><\/p>\n

Primeiro Comando da Capital (PCC)<\/b>\u00a0<\/span><\/p>\n

N\u00e3o h\u00e1 uma hist\u00f3ria \u00fanica para o surgimento do PCC. Mas possivelmente a vers\u00e3o mais recorrente \u00e9 a de que o grupo teria surgido em 1993, no Centro de Reabilita\u00e7\u00e3o Penitenci\u00e1ria de Taubat\u00e9, no Vale do Para\u00edba, em S\u00e3o Paulo. O PCC surge, dizem alguns autores, como um dos efeitos do \u201cMassacre do Carandiru\u201d, que um ano antes deixara 111 presos mortos. Al\u00e9m do narcotr\u00e1fico, o PCC, diferentemente do CV, se especializou nos assaltos a bancos e empresas transportadoras de dinheiro.\u00a0<\/span><\/p>\n

No PCC, tamb\u00e9m h\u00e1 uma taxa mensal que cada integrante deve pagar para financiar o grupo. Seu c\u00f3digo de leis internas \u00e9 considerado, por autores\/as, como mais r\u00edgido do que o do CV. O PCC se caracteriza como fac\u00e7\u00e3o que valoriza a l\u00f3gica de uma organiza\u00e7\u00e3o empresarial atrelada \u00e0s atividades delitivas. A fac\u00e7\u00e3o lan\u00e7a m\u00e3o de inst\u00e2ncias que lembram a estrutura de uma empresa formal, como departamento jur\u00eddico, conselho fiscal, diretoria financeira e comercial, setor de execu\u00e7\u00e3o de tarefas, auditoria interna, entre outras. Diferentemente do CV, o PCC funciona de maneira que suas \u201cc\u00e9lulas\u201d nos Estados respondem \u00e0 hierarquia da \u201csintonia final\u201d, em S\u00e3o Paulo. H\u00e1 uma centralidade que estrutura o modo de opera\u00e7\u00e3o da fac\u00e7\u00e3o.\u00a0<\/span><\/p>\n

Atualmente, o PCC disputa com o Comando Vermelho as rotas transnacionais do tr\u00e1fico de armas e do com\u00e9rcio de coca\u00edna (cujos principais produtores s\u00e3o Col\u00f4mbia, Bol\u00edvia e Peru) e maconha (que tem o Paraguai como expoente na produ\u00e7\u00e3o da erva \u201cprensada\u201d). <\/span><\/p><\/blockquote>\n

Em junho de 2016, o traficante brasileiro Jorge Rafaat Toumani, de 56 anos, foi morto em seu carro blindado, na cidade de Juan Pedro Caballero, no Paraguai, onde morava, a tiros de metralhadora antia\u00e9rea. Investigadores das pol\u00edcias paraguaias e do Minist\u00e9rio P\u00fablico de S\u00e3o Paulo afirmam que o assassinato foi realizado pelo PCC, numa guerra pela disputa da \u201crota Caipira\u201d, na fronteira entre Juan Pedro Caballero e Ponta Por\u00e3 (MS). Segundo o jornalista Fl\u00e1vio Costa, a rota \u00e9 estrat\u00e9gica porque, al\u00e9m da maconha paraguaia, ela tamb\u00e9m escoa a produ\u00e7\u00e3o da pasta base de coca que vem da regi\u00e3o de Chapare<\/span><\/a>, no centro da Bol\u00edvia. Rafaat era apontado como o herdeiro do esp\u00f3lio de Fernandinho Beira-Mar, e por isso tinha liga\u00e7\u00f5es pr\u00f3ximas com o CV, embora n\u00e3o fosse membro. O PCC j\u00e1 domina a rota paraguaia de Ciudad del Leste com Foz do Igua\u00e7u, no Paran\u00e1. Para o PCC, Rafaat representava um empecilho \u00e0s pretens\u00f5es do grupo de dominar monopolicamente tamb\u00e9m o com\u00e9rcio de armas e drogas na \u201crota caipira\u201d, na fronteira sul-mato-grossense.\u00a0<\/span><\/p>\n

O assassinato de Rafaat provocou uma ruptura nacional entre o PCC e o CV. Seus desdobramentos, atrelados \u00e0s configura\u00e7\u00f5es de fac\u00e7\u00f5es locais, geraram rebeli\u00f5es em muitos pres\u00eddios brasileiros, com motins e mortes nas penitenci\u00e1rias de Roraima, Rond\u00f4nia, Amazonas, Cear\u00e1, Rio Grande do Norte, entre outros. Em territ\u00f3rio cearense, o PCC domina a CPPL III, em Itaitinga, e comanda vinte cadeias p\u00fablicas. Segundo o Minist\u00e9rio P\u00fablico de S\u00e3o Paulo, o Cear\u00e1 \u00e9 o terceiro Estado no Brasil com mais integrantes da fac\u00e7\u00e3o, com aproximadamente 2.500 \u201cbatizados\u201d, ficando atr\u00e1s apenas de S\u00e3o Paulo (10.400 membros) e Paran\u00e1 (2.700).\u00a0<\/span><\/p>\n

Segundo contagem da Secretaria de Justi\u00e7a e Cidadania do Cear\u00e1 (SEJUS), o n\u00famero de faccionados do PCC nos pres\u00eddios cearense \u00e9 de 3.230 membros. O MP\/SP acredita que o grupo movimente cerca de 400 milh\u00f5es de reais por ano. Mas alguns promotores consideram que esse valor pode estar subestimado, e que na verdade as cifras anuais atingiram 800 milh\u00f5es de reais, o que colocaria a fac\u00e7\u00e3o entre as quinhentas maiores \u201cempresas\u201d do pa\u00eds.\u00a0<\/span><\/p>\n

Fam\u00edlia do Norte (FDN)<\/b>\u00a0<\/span><\/p>\n

A Fam\u00edlia do Norte (FDN) \u00e9 tratada pelas ag\u00eancias policiais e judici\u00e1rias como a terceira maior fac\u00e7\u00e3o do Brasil, atr\u00e1s apenas do PCC e do CV. Sua origem remete a 2006, no Amazonas. Pela sua posi\u00e7\u00e3o geogr\u00e1fica, consolidou-se como a principal controladora da rota fluvial de coca\u00edna e maconha que vem da Col\u00f4mbia e do Peru pela tr\u00edplice fronteira, entre as cidades de Tabatinga (Brasil), Let\u00edcia (Col\u00f4mbia) e Santa Rosa (Peru). O soci\u00f3logo Luiz F\u00e1bio Paiva, em <\/span>As din\u00e2micas do mercado ilegal de coca\u00edna na tr\u00edplice fronteira entre Brasil, Peru e Col\u00f4mbia<\/span><\/i><\/span><\/a>, analisa esse tr\u00e1fico fronteiri\u00e7o.\u00a0<\/span><\/p>\n

Em janeiro de 2017, no Complexo Penitenci\u00e1rio An\u00edsio Jobim, em Manaus, faccionados da FDN assassinaram 56 detentos do PCC, numa disputa pela hegemonia da \u201crota do Solim\u00f5es\u201d no Amazonas. Nos \u00faltimos cinco anos, a fac\u00e7\u00e3o manauara atravessou um processo de reestrutura\u00e7\u00e3o organizacional \u2013 numa tentativa de imitar o ethos empresarial do PCC \u2013 e de nacionaliza\u00e7\u00e3o. Antes aliada do CV, no primeiro semestre de 2018 essa alian\u00e7a foi quebrada no Amazonas, por \u201ctrai\u00e7\u00e3o\u201d de Gelson Carna\u00faba, um dos fundadores da FDN, que foi expulso pelos outros l\u00edderes, e migrou para o CV. Segundo investigadores policiais, o CV estaria interessado em dominar a \u201crota do Solim\u00f5es\u201d porque teria perdido as outras duas rotas (das fronteiras paraguaias com Ponta Por\u00e3\/MS e Foz do Igua\u00e7u\/PR) para o PCC.\u00a0<\/span><\/p>\n

De acordo com o jornalista Thiago Paiva, a FDN conta com aproximadamente 700 membros nos pres\u00eddios do Estado, e divide o comando da penitenci\u00e1ria da cidade de Sobral com o CV.<\/span><\/p>\n

Na pr\u00f3xima semana, vamos analisar a Guardi\u00f5es do Estado (GDE).<\/p>\n

\/\/\/<\/p>\n

A s\u00e9rie\u00a0Antropologia do crime no Cear\u00e1<\/strong><\/a><\/span>\u00a0\u00e9 publicada semanalmente no #siteberro. Clique nos links abaixo para acessar os textos anteriores.\u00a0<\/em><\/p>\n

artur@revistaberro.com \/ revistaberro@revistaberro.com<\/p>\n

i.\u00a0A dimens\u00e3o \u00e9tica na pesquisa de campo<\/a><\/em><\/p>\n

ii.\u00a0Pesquisando o \u201cmundo do crime\u201d e inserindo-se no \u201ccampo\u201d<\/a><\/em><\/p>\n

iii.<\/em>\u00a0Grande Tancredo Neves: forma\u00e7\u00e3o dos territ\u00f3rios<\/em><\/a><\/p>\n

iv.<\/em>\u00a0As rela\u00e7\u00f5es sociais das camadas populares<\/em><\/a><\/p>\n

v.\u00a0A feira como arte da oralidade popular<\/a><\/em><\/p>\n

vi.<\/em>\u00a0O favel\u00eas cearense<\/em><\/a><\/p>\n

vii.<\/em>\u00a0Estabelecidos e outsiders: a favela dentro da favela<\/em><\/a><\/p>\n

viii<\/em>.\u00a0\u201cTrabalhadores\u201d e \u201cbandidos\u201d: entre separa\u00e7\u00f5es e aproxima\u00e7\u00f5es<\/a><\/em><\/p>\n

ix.\u00a0Sistema de rela\u00e7\u00f5es sociais do crime: uma rede de a\u00e7\u00f5es criminais hier\u00e1rquicas<\/a><\/em><\/p>\n

x.\u00a0\u201cO dinheiro fala mais alto, [com ele] se torna mais f\u00e1cil de fazer justi\u00e7a\u201d: A viol\u00eancia do aparelho judici\u00e1rio<\/a><\/em><\/p>\n

xi.<\/em>\u00a0\u201cN\u00e3o confio na pol\u00edcia\u201d: A rela\u00e7\u00e3o de descren\u00e7a entre a classe trabalhadora e os policiais<\/em><\/a><\/p>\n

xii.\u00a0A economia da corrup\u00e7\u00e3o que move a rela\u00e7\u00e3o entre pol\u00edcia e \u201cbandidos\u201d<\/a><\/em><\/p>\n

xiii.\u00a0\u201cO crime nunca vai acabar por causa da pol\u00edcia\u201d: a participa\u00e7\u00e3o policial decisiva nas rela\u00e7\u00f5es criminais<\/a><\/em><\/p>\n

xiv.\u00a0Tecnopol\u00edtica da puni\u00e7\u00e3o: A fun\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica do encarceramento<\/a><\/em><\/p>\n

xv.\u00a0Estado punitivo-penal e a produ\u00e7\u00e3o social da delinqu\u00eancia<\/a><\/em><\/p>\n

xvi<\/em>.\u00a0\u201cCadeia \u00e9 uma m\u00e1quina de fazer bandido\u201d<\/a><\/em><\/p>\n

xvii.\u00a0A \u201cescolha\u201d \u00e9 uma escolha? Compreendendo o ingresso nas rela\u00e7\u00f5es criminais<\/em><\/a><\/p>\n

xviii.\u00a0Consumo, dinheiro e sexo: a tr\u00edade hedonista da carreira criminal<\/a><\/em><\/p>\n

xix.\u00a0Traumas, complexos e a luta por reconhecimento (parte I)<\/a><\/em><\/p>\n

xx.\u00a0Traumas, complexos e a luta por reconhecimento (parte II)<\/a><\/em><\/p>\n

xxi.\u00a0\u201cFura at\u00e9 o colete dos homi\u201d: As armas como s\u00edmbolo dominante<\/em><\/a><\/p>\n

xxii.\u00a0Os c\u00f3digos morais da criminalidade favelada (parte I)<\/em><\/a><\/p>\n

xxiii.\u00a0Os c\u00f3digos morais da criminalidade favelada (parte II)<\/em>\u00a0<\/a><\/p>\n

xxiv.\u00a0\u201cM\u00e3ezinha\u201d: uma categoria local que p\u00f5e em suspens\u00e3o o ethos violento<\/em><\/a><\/p>\n

xxv.\u00a0\u201cPirangueiro\u201d, \u201ccabueta\u201d, \u201cboca de prata\u201d, \u201ccorre de ganso\u201d, \u201catrasa lado\u201d: compreendendo algumas categorias negativadas da moralidade criminal\u00a0<\/em><\/a><\/p>\n

xxvi.\u00a0\u201cO crack veio pra acabar com tudo\u201d: o noia como um \u201cz\u00e9 ningu\u00e9m\u201d<\/em><\/a><\/p>\n

xxvii.\u00a0\u201cVoc\u00ea conquista o respeito, voc\u00ea num imp\u00f5e\u201d: A lideran\u00e7a nas rela\u00e7\u00f5es criminais\u00a0<\/a><\/em><\/p>\n

xxviii.\u00a0As \u201cbrigas de trono\u201d: as disputas pelo comando territorial<\/em><\/a><\/p>\n

xxix.\u00a0Socialidade juvenil perif\u00e9rica em Fortaleza dos anos 1990\/2000: Dos bailes funks \u00e0s quadrilhas do tr\u00e1fico<\/em><\/a><\/p>\n

xxx.\u00a0Cr\u00f4nica de uma guerra entre quadrilhas de \u201ctraficantes\u201d<\/em><\/a><\/p>\n

xxxi.\u00a0O costume guerreiro da criminalidade pobre<\/a><\/em><\/p>\n

xxxii.\u00a0Traficante \u00e9 aquele que nem pega na droga<\/em><\/a><\/p>\n

xxxiii.\u00a0O assaltante como um n\u00f4made das pr\u00e1ticas criminais<\/em><\/a><\/p>\n

xxxiv.\u00a0\u201cO cara num nasceu pra viver no crime o resto da vida n\u00e3o\u201d<\/em><\/a><\/p>\n

xxxv.\u00a0Uma tentativa de di\u00e1logo entre a \u201cvida nua\u201d e a crueldade<\/em><\/a><\/p>\n

xxxvi. A efic\u00e1cia simb\u00f3lica das fac\u00e7\u00f5es<\/em><\/a><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

O fen\u00f4meno \u201cfac\u00e7\u00e3o\u201d \u00e9 muito recente no Cear\u00e1. Falo em \u201cfen\u00f4meno\u201d porque foi somente a partir de 2015 que o termo fac\u00e7\u00e3o passou a ser explorado com mais for\u00e7a pelas 239 ag\u00eancias midi\u00e1ticas cearenses para a produ\u00e7\u00e3o de not\u00edcias. 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