As estrat\u00e9gias para interditar a efetiva\u00e7\u00e3o dos direitos constitucionais s\u00e3o diversas, entre elas o desmanche do \u00f3rg\u00e3o indigenista oficial. Nos \u00faltimos anos, a Funda\u00e7\u00e3o Nacional do \u00cdndio (FUNAI) vem sofrendo uma s\u00e9rie de cortes or\u00e7ament\u00e1rios, falta de pessoal, sucateamento da frota e da infraestrutura em geral. Isso impossibilita a fiscaliza\u00e7\u00e3o, as diligencias, a assist\u00eancia aos povos ind\u00edgenas e a a\u00e7\u00e3o principal do \u00f3rg\u00e3o indigenista oficial: a regulariza\u00e7\u00e3o dos territ\u00f3rios ind\u00edgenas.<\/em><\/p>\n
\n![\"marcof\"](\"http:\/\/revistaberro.com\/wp-content\/uploads\/2017\/04\/marcof-300x200.png\")
O Marco Vivo \u00e9 uma forma de autodemarca\u00e7\u00e3o da terra com vida por meio do plantio de um tronco que renasce, o da Yburana, tamb\u00e9m chamada de Amburana, Umburana. A festa que envolve o plantio acontece desde quando a terra foi delimitada pela FUNAI em 1999. Al\u00e9m de reafirma\u00e7\u00e3o de cultura, a celebra\u00e7\u00e3o \u00e9 luta por territ\u00f3rio que se iniciou h\u00e1 tr\u00eas d\u00e9cadas como relembra Cacique Pequena: \u201cDe 80 para c\u00e1, faz um bocado de janeiro\u201d. Em 1995, quando ela chegou \u00e0 Bras\u00edlia \u201cpara a FUNAI vir reconhecer esse povo\u201d, a Cacique Pequena diz que mal sabia falar ao microfone. Em 1997, escutou dos funcion\u00e1rios que visitaram o local: \u201cPor mais que voc\u00eas n\u00e3o queiram ser \u00edndios, voc\u00eas s\u00e3o \u00edndios leg\u00edtimos, \u00edndio pr\u00f3prio\u201d<\/p>\n
No tor\u00e9 ao fim da tarde, antes do plantio do tronco, h\u00e1 men\u00e7\u00e3o \u00e0queles que se encantaram, os ancestrais que, ao morrerem, viraram parte da natureza. Os dizeres dos presentes em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 terra divergem de encar\u00e1-la como mercadoria: \u201ca terra \u00e9 sagrada\u201d. Entre os passos ritmados ao som da maraca e do tambor, o coro:<\/p>\n
\nQuem deu esse n\u00f3 n\u00e3o soube dar<\/em>
\n Esse n\u00f3 t\u00e1 dado, eu desato j\u00e1<\/em>
\n E desenrola essa corrente, deixa o \u00edndio trabalhar<\/em><\/p>\n
\n <\/p>\n
Cacique Ir\u00ea resolve: \u201c\u00cdndio n\u00e3o negocia a terra\u201d. Ela recebeu o cacicado em 2012, mas ainda \u00e9 mais conhecida como Juliana Alves, professora e diretora da Escola Ind\u00edgena Jenipapo-Kanind\u00e9. Para entender um pouco mais sobre a festividade e a luta por territ\u00f3rio na aldeia dos Jenipapo, conversamos com ela sobre o Marco Vivo e o Ocupa Funai.<\/p>\n
Por que n\u00f3s estamos aqui hoje?
\n<\/strong>
\nA festa do marco vivo \u00e9 uma festa tradicional do povo Jenipapo-Kanind\u00e9. A gente, desde 99, tirou o nove de abril para festejar o Marco Vivo de yburana. A gente referenda a yburana e coloca ela, replanta ela em algum dos pontos das nossas terras, o dia nove de abril pros Jenipapo-Kanind\u00e9 \u00e9 mais de festividade e celebra\u00e7\u00e3o por ter adquirido a posse da terra, por ter a terra de novo em nossas m\u00e3os.<\/p>\nHoje, a nossa terra se encontra demarcada, e a gente sabe muito bem que \u00e9 um processo lento para as comunidades ind\u00edgenas do Cear\u00e1, se a gente bem observar s\u00f3 existe uma terra demarcada e homologada aqui no Estado que \u00e9 a Terra C\u00f3rrego Jo\u00e3o Pereira que \u00e9 do Povo Trememb\u00e9, as outras terras est\u00e3o em fase de reconhecimento ou em fase demarcat\u00f3ria, ent\u00e3o, para a gente, o dia nove de abril \u00e9 uma alegria.<\/p>\n
Por ser uma festa tradicional, a gente n\u00e3o podia quebrar porque a Cacique Pequena n\u00e3o permite que essa data n\u00e3o seja celebrada, s\u00f3 que, nesse ano, a gente at\u00e9 que fica meio TEMERoso em festejar, porque est\u00e3o vindo tantos retrocessos da causa ind\u00edgena, dos movimentos sociais, principalmente em rela\u00e7\u00e3o a essa pol\u00edtica a n\u00edvel nacional tirando todas as conquistas que n\u00f3s conseguimos, ent\u00e3o a gente n\u00e3o teria muito o que festejar.<\/p>\n
Por ser uma festa tradicional do povo, a m\u00e3e de toda aldeia n\u00e3o permite que passe um ano em branco ent\u00e3o a gente t\u00e1 celebrando junto aos parentes e parceiros da causa ind\u00edgena e, ao mesmo tempo, divulgando a ocupa\u00e7\u00e3o da FUNAI, divulgando todos esses retrocessos e mostrar que n\u00f3s estamos aqui resistindo.<\/p>\n
Como est\u00e1 o processo de demarca\u00e7\u00e3o da terra aqui?<\/strong><\/p>\nA nossa terra ela foi demarcada no dia 24 de fevereiro de 2011, sendo que, em setembro do mesmo ano, eu fiz uma viagem a Bras\u00edlia e soube l\u00e1 que a empresa Ypi\u00f3ca tinha contestado no STJ. A\u00ed, desde 2011 at\u00e9 2016, a terra n\u00e3o tinha sido julgada nem para ganho de causa da comunidade ind\u00edgena, nem para ganho de causa da empresa.<\/p>\n
A empresa Ypi\u00f3ca que fazia retirada da \u00e1gua da nossa Lagoa Encantada para aguar os seus canaviais sempre contestava o processo da terra e esse ela tamb\u00e9m contestou. Em maio de 2016, Weber Tapeba que \u00e9 uma grande lideran\u00e7a a n\u00edvel nacional das comunidades ind\u00edgenas do Cear\u00e1 acompanhou a audi\u00eancia e o juiz deu ganho de causa para a comunidade ind\u00edgena.<\/p>\n
Hoje, a gente sabe que a terra n\u00e3o saiu do processo demarcat\u00f3rio para sair para o processo de desintrus\u00e3o, sendo que com essa situa\u00e7\u00e3o da FUNAI n\u00e3o tem como a gente saber do restante dos passos: como \u00e9 que t\u00e1, se est\u00e1 na fase de desintrus\u00e3o, de homologa\u00e7\u00e3o, de registro oficial no cart\u00f3rio para a terra ser considerada Terra Ind\u00edgena dos Jenipapo-Kanind\u00e9 e passar a ser da Uni\u00e3o.<\/p>\n
![\"marco05\"](\"http:\/\/revistaberro.com\/wp-content\/uploads\/2017\/04\/marco05.jpg\")
<\/p>\n
\nPorque voc\u00eas escolheram a yburana?
\n<\/strong>
\nPorque a yburana, ela renasce, como a Cacique Pequena explicou, na \u00e9poca que pensou \u201cVamos fazer um marco, um marco de que? – De uma planta\u201d. Se pensou em v\u00e1rias plantas, um cajueiro, um coqueiro, planta que s\u00f3 refloresce se a gente aguar. \u201cAh! Vamos fazer com a yburana\u201d. A yburana \u00e9 exatamente porque ela renasce independente da \u00e1gua, mesmo que seja longe de \u00e1gua, ela renasce, o segredo dela \u00e9 n\u00e3o cortar, n\u00e3o raspar, se raspar o pau da yburana ela n\u00e3o nasce.<\/p>\nComo voc\u00ea se sente nessa edi\u00e7\u00e3o sem a presen\u00e7a de outros povos ind\u00edgenas?
\n<\/strong>
\nInfelizmente, nesse ano, n\u00f3s vamos ter que conviver com essa realidade, os parentes eles est\u00e3o concentrados na ocupa\u00e7\u00e3o, n\u00f3s, Jenipapo, est\u00e1vamos at\u00e9 ontem, quando entrou um grupo grande l\u00e1. Hoje, a gente s\u00f3\u00a0 teve que deixar dois representantes do Jenipapo que \u00e9 a Vald\u00eania e o Danilo, est\u00e3o l\u00e1 representando o povo para alguma coisa que acontecer de emerg\u00eancia, o restante do povo se encontra aqui hoje na festa.
\nSe n\u00e3o tivesse feito essa ocupa\u00e7\u00e3o com certeza n\u00f3s estar\u00edamos celebrando com os outros parentes, Pitaguary, Tapeba, Trememb\u00e9, Anac\u00e9s, Kanind\u00e9, os parentes da regi\u00e3o metropolitana, os mais de perto s\u00e3o comuns com a gente nesse dia.<\/p>\nComo voc\u00ea v\u00ea a nomea\u00e7\u00e3o da Tan\u00fasia?<\/strong><\/p>\nEu acredito que nenhum de n\u00f3s, lideran\u00e7a ind\u00edgena, conhecemos essa senhora, a gente conhece o deputado que indicou ela, que \u00e9 o An\u00edbal Gomes, que tem amigos posseiros de terras ind\u00edgenas. Ent\u00e3o, por ela vir por indica\u00e7\u00e3o de desse senhor, \u00e9 que a gente se recusa a aceitar a perman\u00eancia dela como coordenadora regional, da CR2 aqui em Fortaleza.<\/p>\n
A gente sabe que hoje os pol\u00edticos que est\u00e3o a\u00ed, deputado federal, a pessoa que ocupou a presid\u00eancia que a gente n\u00e3o tem como presidente porque presidente deveria ser quem foi votado pelo povo, escolhido pelo povo e ele n\u00e3o foi escolhido pelo povo, ent\u00e3o, para gente ele n\u00e3o representa a presid\u00eancia do nosso pa\u00eds. A gente est\u00e1 vendo que est\u00e1 sendo uma pol\u00edtica de retrocesso, pol\u00edtica onde eles querem engolir os movimentos sociais, quilombolas, ind\u00edgenas, \u00e9 como se eles quisessem exterminar toda essa popula\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Ent\u00e3o, n\u00e3o d\u00e1 para a gente acreditar no trabalho de uma senhora que tem a indica\u00e7\u00e3o de um senhor desse tipo, dessa corja pol\u00edtica que est\u00e1 a\u00ed, o nosso posicionamento \u00e9: N\u00e3o a Tan\u00fasia na CR2 Cear\u00e1, n\u00e3o ao Michel Temer na presid\u00eancia da rep\u00fablica e n\u00e3o a todos os golpistas que est\u00e3o a\u00ed balburdiando todas as causas sociais e o movimento ind\u00edgena, a gente n\u00e3o aceita.<\/p>\n
Ela j\u00e1 tentou vir aqui no povo Jenipapo-Kanind\u00e9, mandou pessoas vir conversar com a Cacique Pequena pra ver se ela recebia e tudo que a gente faz \u00e9 sempre de comum acordo uma com a outra, ela n\u00e3o podia estar na ocupa\u00e7\u00e3o, mas eu estava junto com o restante do povo, ela veio me dizer: \u201cMinha filha, essa mulher veio me perguntar e eu mandei dizer pra ela que se ela quisesse conversar com algu\u00e9m que ela conversasse com os povos na ocupa\u00e7\u00e3o da FUNAI\u201d.<\/p>\n
Ela j\u00e1 est\u00e1 usando de m\u00e1 f\u00e9 e indo em outros povos e fazendo com que os povos se confrontem, ela j\u00e1 andou nos Pitaguary, a gente soube que ela andou na comunidade Tapeba l\u00e1. Pelo que ela est\u00e1 fazendo, a gente est\u00e1 vendo que n\u00e3o \u00e9 uma pessoa de boa \u00edndole, porque ela est\u00e1 tentando confrontar povos com povos e isso n\u00e3o \u00e9 legal no nosso pr\u00f3prio movimento.<\/p>\n
Qual local que voc\u00eas escolheram nesse ano para replantar a yburana?<\/strong><\/p>\nNesse ano, provavelmente vai ser colocado nas Bazias. Ontem, eu estava conversando com a Cacique Pequena e a gente estava vendo os pontos que a gente j\u00e1 tinha colocado. Ela deu a ideia para que a gente replante ele esse ano l\u00e1 na fundura das Bazias, dividindo a \u00e1rea da Caponga Funda com a terra Jenipapo-Kanind\u00e9<\/p>\n
Como est\u00e3o os preparativos para o Acampamento Terra Livre?<\/strong><\/p>\nL\u00e1 se pensa em fazer algumas conversas nos minist\u00e9rios e ver o que se ganha, porque j\u00e1 vai fazer\u00a0 um m\u00eas de ocupa\u00e7\u00e3o e nada se foi resolvido, \u00e9 como se eles tivessem querendo ganhar a gente pelo cansa\u00e7o, mas a gente n\u00e3o vai render, a gente n\u00e3o vai recuar, a gente vai continuar firme e forte nesse movimento, embora seja preciso ocupar outros espa\u00e7os a n\u00edvel estadual.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
O tor\u00e9 marca o terreiro sagrado do Tio Teodorico, antecessor da Pequena, primeira mulher cacique do Brasil, conhecida por enfrentar o grupo Ypi\u00f3ca na defesa do territ\u00f3rio. \u00c0 sombra das mangueiras, os Jenipapo-Kanind\u00e9 e \u201cos parceiros\u201d se re\u00fanem na manh\u00e3 do nove de abril para a Festa do Marco Vivo na Aldeia da Lagoa Encantada […]<\/p>\n","protected":false},"author":18,"featured_media":3791,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_mi_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[16],"tags":[],"yoast_head":"\n
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