(Pulo da Ponte Velha, no Po\u00e7o da Draga – Fotos: Revista Berro)<\/em><\/p>\n “… Entendo bem o sotaque das \u00e1guas.<\/em> Dia desses, logo ap\u00f3s acordar com o canto dos bem-te-vis que diariamente v\u00eam \u00e0 minha janela, me divertia lendo as travessuras do Fradim. Estava na sala, rindo com as estripulias do personagem em quadrinhos do Henfil, quando um dos bem-te-vis do jardim adentrou sem cerim\u00f4nia a casa e pousou sobre o m\u00f3vel onde ficam alguns livros. N\u00e3o sei o que procurava, mas n\u00e3o se alongou muito tempo. Mirou-me, soltou um sonoro e agudo \u201cbem-te-viiiii\u201d e voou para trepar-se na samambaia da varanda.<\/p>\n Vendo aquilo, larguei o Fradim sobre a mesa por um instante, e passei a divagar sobre a visita do p\u00e1ssaro. Por mais que tenha sido r\u00e1pida, senti uma coisa boa com a presen\u00e7a daquele bicho ali, livre, dentro de casa. Ri t\u00edmido, feliz pela visita inesperada, troquei dois dedos de prosa comigo mesmo, naquela linguagem muda que todos trazemos conosco, e em seguida voltei os olhos \u00e0 leitura: a essa altura o Fradim sofria com as dana\u00e7\u00f5es do Baixim.<\/p>\n Noutro dia desses, choveu forte em Fortaleza. Passeava com o Bono, meu amigo-cachorro, quando o tor\u00f3 teve in\u00edcio. Nos protegemos embaixo de uma marquise, n\u00e3o sem antes tomar alguns pingos no rosto. Estava com o celular no bolso e supunha que, se me atrevesse a enfrentar aquela enxurrada, iria danificar o aparelho. Um, cinco, dez minutos… E nada do temporal passar. Comecei a pensar na maravilha que seria aquele banho de chuva; esta que parecia dan\u00e7ar com o vento forte que soprava as folhas do p\u00e9 de azeitona.<\/p>\n – Preto, bora sair por a\u00ed na chuva correndo, bora?<\/p>\n Ele me olhou feliz e, na sua express\u00e3o, vi que ele disse \u201csim!\u201d N\u00e3o pensei duas vezes. Dane-se o celular!<\/p>\n – Ent\u00e3o, bora, Preto, bora!<\/p>\n
\n Dou respeito \u00e0s coisas desimportantes e aos seres desimportantes.<\/em>
\n Prezo insetos mais que avi\u00f5es.<\/em>
\n Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos m\u00edsseis.<\/em>
\n Tenho em mim esse atraso de nascen\u00e7a.<\/em>
\n Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos.<\/em>
\n Tenho abund\u00e2ncia de ser feliz por isso.<\/em>
\n Meu quintal \u00e9 maior do que o mundo…”<\/em>
\n(O apanhador de desperd\u00edcios – Manoel de Barros)<\/em><\/strong><\/p>\n