(Foto: divulga\u00e7\u00e3o<\/em>)<\/p>\n

Por<\/em> Tomaz Amorim<\/em><\/strong><\/p>\n

Em Boi Neon<\/em>, o presente tem muito mais import\u00e2ncia na vida dos personagens do que o passado ou o futuro. O cotidiano n\u00e3o se prende \u00e0s mem\u00f3rias e n\u00e3o tem grandes perspectivas. Embora sejam feitas refer\u00eancias \u00e0 aus\u00eancia do pai da menina Cac\u00e1, sua m\u00e3e, chamada apenas de Galega (interpretada pela maravilhosa Maeve Jinkings), n\u00e3o d\u00e1 a entender que h\u00e1 um drama. Ali\u00e1s, h\u00e1 pouco drama, no sentido pesado, em Boi Neon. O trabalho das vaquejadas \u00e9 pesado, assim como s\u00e3o pesados os corpos dos bois repetidamente derrubados nas festas tristemente dedicadas a isto, mas a vida simples, de estrada, dos personagens em seu caminh\u00e3o – em uma precariedade realista e ao mesmo tempo aliviada por uma nostalgia circense – n\u00e3o \u00e9 dram\u00e1tica. O trabalho contrasta n\u00e3o em oposi\u00e7\u00e3o, mas em composi\u00e7\u00e3o (como no barroco), quase como se pentear o rabo dos bois fosse necess\u00e1rio para costurar as roupas coloridas de madrugada.<\/p>\n

A vida bruta dos cavalos e bois, mantidos em labirintos, marcados com ferro quente desde bezerros, transportados a esmo, sem ter no\u00e7\u00e3o de seu destino, carrega alguma semelhan\u00e7a – felizmente aberta de mais para ser chamada de aleg\u00f3rica – com a vida dos homens que trabalham nos labirintos, marcam os bezerros com ferro, dirigem a esmo, sem nem mesmo ter posse dos bois, trabalhando para um patr\u00e3o t\u00e3o ausente como o pai. Mas h\u00e1 uma diferen\u00e7a entre bois e cavalos. Os bois, inteiramente \u00fateis em sua corporeidade, servem para fazer sorvete e gel\u00e9ia, al\u00e9m de serem macabro churrasco e objeto de demonstra\u00e7\u00e3o da habilidade de derrubar dos pe\u00f5es. Os cavalos, tratados como nobreza no leil\u00e3o, t\u00eam s\u00f3 duas fun\u00e7\u00f5es, segundo Iremar: correr e serem bonitos. A menina que cresce entre vaqueiros prefere os cavalos e sua m\u00e3e sabe triste que ela nunca poder\u00e1 ter um. Iremar deixa em aberto: quem saber\u00e1? Estes cavalos ainda s\u00e3o viris, mas esta caracter\u00edstica desaparece comicamente em sua redu\u00e7\u00e3o ao valor econ\u00f4mico. A revista pornogr\u00e1fica do Gordo, vingada pelo cavalo, j\u00e1 destitu\u00edda de sua fun\u00e7\u00e3o pela preocupa\u00e7\u00e3o art\u00edstica de Iremar, \u00e9 preenchida pela menina com cavalos desenhados de caneta. A rela\u00e7\u00e3o entre as mulheres nuas da revista e os cavalos que existem para serem bonitos \u00e9 silenciosamente estabelecida nas belas cenas do show er\u00f3tico de Galega vestida com a magnum opus de Iremar (que n\u00e3o \u00e9 para raparigas) e a m\u00e1scara de cavalo que deixa os pe\u00f5es delirantes ao encontrar uma s\u00edntese, finalmente, entre trabalho e prazer. Mas o cavalo n\u00e3o \u00e9 apenas feminino ou o boi masculino, como mostra a m\u00e1quina de costura de Iremar, o caminh\u00e3o de Galega e o pegasus iluminado sobre os bois de Cac\u00e1.<\/p>\n

O catolicismo conseguiu por s\u00e9culos separar no imagin\u00e1rio popular duas atividades naturalmente ligadas: o sexo e a concep\u00e7\u00e3o. A Virgem Maria se tornou o modelo absurdo, antibiol\u00f3gico, antif\u00edsico, anticorpo, de uma concep\u00e7\u00e3o sem pai e de m\u00e3e virgem. O sexo e a produ\u00e7\u00e3o da vida foram separados em momentos distintos da vida da mulher: transar e ser m\u00e3e e ser m\u00e3e e n\u00e3o transar. Neste contexto, a ideia do sexo das gr\u00e1vidas \u00e9 vista como sacril\u00e9gio. Como misturar a pureza da crian\u00e7a e a sujeira do sexo? As mulheres sabem que o processo de concep\u00e7\u00e3o, pelo contr\u00e1rio, pode ser er\u00f3tico do seu in\u00edcio at\u00e9 o seu fim. Uma gr\u00e1vida \u00e9 uma mulher – que trabalha, que flerta, que transa. A bela cena de sexo em Boi Neon, antol\u00f3gica, delicada, gozosa, n\u00e3o deixa d\u00favidas. Samia de Lavor entra na hist\u00f3ria do cinema representando em claro-escuro a poderosa libera\u00e7\u00e3o de um desejo oprimido por s\u00e9culos de \u00f3dio ao corpo feminino. Algumas linhas se fecham e outras se abrem.<\/p>\n

Tomaz Amorim tem 28 anos, nasceu e cresceu na cidade de Po\u00e1, \u00e0s margens da Grande S\u00e3o Paulo. \u00c9 poeta, faz doutorado em literatura e pensa misturadamente sobre tr\u00eas coisas: arte, amor e justi\u00e7a social; e \u00e9 autor do blog\u00a03 par\u00e1grafos de cr\u00edtica<\/a><\/em><\/strong><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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