(Arte: Banksy)<\/p>\n

Vanessa Dourado<\/em><\/strong><\/p>\n

Acordou, finalmente levantou-se depois de cinco dias. Teve vertigem, um gosto amargo que sentia subir do est\u00f4mago at\u00e9 \u00e0 boca. Olhou-se no espelho, olheiras profundas, olhos inchados desses de fazerem afundar os c\u00edlios. Como um urso que hibernara por v\u00e1rios meses, n\u00e3o tinha no\u00e7\u00e3o de que horas eram. No quarto escuro com cheiro de sono, divorciou-se dos cobertores que lhe serviram de acolhimento quando nada mais podia trazer-lhe conforto. A alma doeu, mas era a dor da retirada do punhal cravado no peito. Do\u00eda, mas era um al\u00edvio n\u00e3o sentir mais aquele inc\u00f4modo que n\u00e3o permitia o encontro com o mundo.<\/p>\n

O banho abra\u00e7ava seu corpo como o envolver dos amantes \u00edntimos no \u00e1pice de suas trocas, a \u00e1gua lambia seu corpo e deixava a sensa\u00e7\u00e3o refrescante do cheiro c\u00edtrico de lim\u00e3o maduro. Os cabelos pousavam sobre os seios r\u00edgidos e felizes, como quando encontravam uma boca \u00e1vida a massagear suas aur\u00e9olas.<\/p>\n

Tinha perpetuado na mem\u00f3ria do corpo as \u00faltimas sensa\u00e7\u00f5es da plenitude do \u00faltimo encontro, mas n\u00e3o conseguia deixar de pensar no horror dos \u00faltimos momentos, a eterna d\u00favida que sequestrava seus pensamentos e a levava para o mundo da incerteza. Tinha convic\u00e7\u00e3o de que n\u00e3o havia feito nada de errado, sim, sabia disso, tinha feito o que era necess\u00e1rio.\u00a0 Mas n\u00e3o se conformava com o fato de ser responsabilizada por algo que havia ocorrido por for\u00e7a das circunst\u00e2ncias, contra todas as cobran\u00e7as e sobre taxas havia a sua vontade de livrar-se do fardo que n\u00e3o lhe permitia viver em paz. Queria ter o direito de ter sua vida de volta, queria usufruir de suas constru\u00e7\u00f5es individuais e coletivas, viver a si mesma sem precisar prestar contas disso. Dez anos, pensou em todo esse tempo de luta constante contra sua pr\u00f3pria identidade e desde que tinha resolvido n\u00e3o sustentar mais aquela situa\u00e7\u00e3o de devedora.<\/p>\n

Seria duro, deveria ela, depois de todas as tentativas frustradas de resolver a situa\u00e7\u00e3o de forma diplom\u00e1tica, tomar uma atitude mais en\u00e9rgica que fizesse com que entendesse que n\u00e3o sustentaria mais aquele disparate; organizou suas tropas internas, na linha de frente, as fragilidades colocadas \u00e0 prova de toda viol\u00eancia emocional; na retaguarda, as claras certezas maturadas por anos de reflex\u00e3o.\u00a0 Era isso!, guerra declarada! Tomou a coragem de todas as suas fontes, reagrupou as incertezas e insensatezes, e depois de um longo processo de treinamento, estava pronta para enfrentar aquele inimigo.<\/p>\n

Lan\u00e7as, dentes e m\u00fasculos; press\u00f5es, golpes e cansa\u00e7os; ao fim de tudo, ganhou a batalha \u2013 a batalha contra si mesma. Acordou, finalmente levantou-se depois de cinco dias.<\/p>\n

Vanessa Dourado \u00e9<\/em><\/strong>\u00a0autora do livro <\/strong><\/em>Palavras Ressentidas<\/strong>,\u00a0poetisa e feminista latino-americana<\/em><\/strong><\/p>\n

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(Arte: Banksy) Vanessa Dourado Acordou, finalmente levantou-se depois de cinco dias. Teve vertigem, um gosto amargo que sentia subir do est\u00f4mago at\u00e9 \u00e0 boca. Olhou-se no espelho, olheiras profundas, olhos inchados desses de fazerem afundar os c\u00edlios. Como um urso que hibernara por v\u00e1rios meses, n\u00e3o tinha no\u00e7\u00e3o de que horas eram. No quarto escuro […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":2328,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_mi_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[21],"tags":[],"yoast_head":"\n