(Ilustra\u00e7\u00e3o: <\/em>Casal, Elo\u00edsa Serpa<\/em>)<\/p>\n

Por Ribamar Junior<\/strong><\/em><\/p>\n

Uma cr\u00f4nica para quem espera ver o seu caminh\u00e3o voltando de far\u00f3is baixos e p\u00e1ra-choque duro a dois passos do para\u00edso<\/em><\/p>\n

Certa manh\u00e3 fiz igual a Otto, acordei de sonhos intranquilos. Deparei-me com as olheiras e a conclus\u00e3o do sentimento que persiste na teimosia: Saudade. Ainda que a saudade seja a melancolia causada pela lembran\u00e7a, seja essa boa ou ruim, nutre a nostalgia. Ent\u00e3o sendo mam\u00edfero social e descendente de primata, o aumento do cortisol bombeou pro meu cora\u00e7\u00e3o aquele vulto feliz de mulher. O querer briga com a saudade e os amores eu costuro ouvindo Cora\u00e7\u00e3o Vagabundo<\/em>, justificando o amor em risos narcisos no espelho e em orgasmos manuais. Olhos ca\u00eddos, 50 receitas de Frejat na verdade \u00e9 s\u00f3 aquela vontade de beber\/ fazendo de cada gole rima\/ que voc\u00ea nunca ir\u00e1 ler\/ porque meu diabo \u00e9 voc\u00ea.<\/p>\n

Amanh\u00e3 faz dois meses que voc\u00ea partiu. O seu copo ainda est\u00e1 l\u00e1, intacto na mesa de jantar, talvez ainda com as impress\u00f5es do seu tato. Porque eu realmente n\u00e3o tive autoestima pra levantar e lavar ou as formigas que dentro passeiam de alguma forma me trazem saudosas lembran\u00e7as da sua pessoa. N\u00e3o por serem seres mi\u00fados e despretensiosos, mas por, de alguma maneira, remoerem as lembran\u00e7as que s\u00f3 ao ver o movimento da suas min\u00fasculas pernas me v\u00eam a cabe\u00e7a.<\/p>\n

Enfim, eu n\u00e3o escrevo esta carta para falar de formigas, mas sim para deixar clara a sua falta, que \u00e9 o principal motivo delas estarem ali. Desde que tu fostes, eu n\u00e3o penso em fazer outra coisa antes de chegar em casa a n\u00e3o ser dobrar na esquina e pedir uma dose ao seu Jos\u00e9. Comemorar com cara de panaca aquela tacada na sinuca, observando e supondo o modo como as bolas se arrumam na mesa. Voc\u00ea me chamaria de burro, diria que se eu tivesse acertado a bola vermelha eu ganharia. Logo em seguida me mandaria comprar mais duas cervejas, n\u00e3o diria qual a da sua prefer\u00eancia, mas se eu n\u00e3o acertasse me chamaria de burro de novo.<\/p>\n

Chegar\u00edamos em casa e far\u00edamos amor antes de entrar no quarto, depois de trope\u00e7ar no fio da extens\u00e3o que liga a tev\u00ea \u00e0 tomada distante. Falaria antes do orgasmo que aquele jeito de arrumar a sala n\u00e3o dava certo e que amanh\u00e3 mesmo mudar\u00edamos os m\u00f3veis. Acordaria com o l\u00e1pis borrado no canto do olho, olharia na minha cara de homem de Neandertal p\u00f3s-moderno b\u00eabado dormindo e sairia nua para fazer o caf\u00e9. Reclamaria dos meus sapatos largados no tapete e diria que o lugar de cal\u00e7ados \u00e9 no canto da parede. Mas n\u00e3o. Naquele dia ao se levantar depois de uma noite de copula\u00e7\u00e3o em territ\u00f3rios que s\u00f3 n\u00f3s conhecemos, se aproveitou dos meus sonhos \u00e9brios e no lugar de ir nua fazer o caf\u00e9, foi embora. Poderia ter dito que iria comprar cigarros, assim, eu saberia que seria uma despedida e olharia nos seus olhos pintados de on\u00e7a insaciada e beijaria sem escovar os dentes, da maneira mais vintage<\/em> poss\u00edvel, com o amor puro. Na carne.<\/p>\n

\u00c0s vezes tenho a s\u00e3 conclus\u00e3o que somos cobaias de Deus e do amor. Mas outras meu ego diz que somos nosso pr\u00f3prio deus e que o amor inventamos. Olho todos os dias o terminal do \u00f4nibus para v\u00ea se tu vens com aquele batom vermelho estilo Uma Thurman e de mala e cuia. Acordo de manh\u00e3 procurando tua calcinha largada na cabeceira da cama. Porque eu j\u00e1 te esperei, e n\u00e3o h\u00e1 b\u00fazios, nem cartas e nem pedras que me mostre o caminho at\u00e9 teus p\u00e9s. Mas enquanto isso, eu observo as formigas no copo. Observo a mesa de jantar e cada metro quadrado que cont\u00e9m sua car\u00eancia.<\/p>\n

Nunca me deixe partir, pois nunca a deixei ir. Porque \u00e9 cansativo observar as paredes do meu quarto esperando burramente que elas enruguem comigo. Qualquer dia pega um via Metro desse e vem me ver… Ah, se eu pudesse ter escutado Cartola antes de nascer, aqui seria diferente,\u00a0eu seria meu pr\u00f3prio moinho.<\/p>\n

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(Ilustra\u00e7\u00e3o: Casal, Elo\u00edsa Serpa) Por Ribamar Junior Uma cr\u00f4nica para quem espera ver o seu caminh\u00e3o voltando de far\u00f3is baixos e p\u00e1ra-choque duro a dois passos do para\u00edso Certa manh\u00e3 fiz igual a Otto, acordei de sonhos intranquilos. Deparei-me com as olheiras e a conclus\u00e3o do sentimento que persiste na teimosia: Saudade. Ainda que a […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":1015,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_mi_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[20],"tags":[],"yoast_head":"\n