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{"id":1677,"date":"2014-12-02T10:00:50","date_gmt":"2014-12-02T13:00:50","guid":{"rendered":"http:\/\/revistaberro.com\/?p=1677"},"modified":"2019-07-29T21:29:29","modified_gmt":"2019-07-30T00:29:29","slug":"torcidas-organizadas-resistencia-e-folego-com-muito-amor-e-paixao","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/revistaberro.com\/artigo\/torcidas-organizadas-resistencia-e-folego-com-muito-amor-e-paixao\/","title":{"rendered":"Torcidas organizadas: resist\u00eancia e f\u00f4lego com muito amor e paix\u00e3o*"},"content":{"rendered":"

Kinzin<\/em><\/strong><\/p>\n

(Foto-montagem: Kinzin, a partir de fotos de reprodu\u00e7\u00e3o da internet e de Domicio Pinheiro, do arquivo hist\u00f3rico do Jornal dos Sports)<\/em>\u00a0<\/strong><\/p>\n

Antes de introduzir o texto sobre as torcidas organizadas brasileiras, gostaria de lembrar que a ideia que me instigou a escrever essa se\u00e7\u00e3o sobre futebol aqui na Berro<\/em><\/strong> \u00e9 tentar dar um outro olhar para o tema, n\u00e3o procurar v\u00ea-lo como 90% da grande m\u00eddia costuma mostr\u00e1-lo, n\u00e3o quero fazer nada pr\u00f3ximo do oba-oba nem do puxa-saquismo e tamb\u00e9m n\u00e3o quero recair sobre lugares-comuns esquerdistas que costumam ver o futebol apenas como um mero \u201c\u00f3pio do povo\u201d (sim, ainda hoje muitas pessoas t\u00eam essa vis\u00e3o rasa, felizmente o quadro parece mudar positivamente). Quero sim ter uma posi\u00e7\u00e3o cr\u00edtica, que possa enxergar toda a sujeira presente nesse espa\u00e7o, assim como tamb\u00e9m prefiro v\u00ea-lo como uma manifesta\u00e7\u00e3o cultural e social marcadamente presente na cultura do povo brasileiro e que ressignifica os nossos modos de enxergar o mundo.<\/p>\n

No final do s\u00e9culo XIX e in\u00edcio do XX o futebol chega ao Brasil atrav\u00e9s de um brasileiro filho de ingleses, Charles Miller, que trouxe as regras e material da Inglaterra para o nosso pa\u00eds e organizou uma partida entre aristocratas paulistas e imigrantes. E assim foi o futebol em seu in\u00edcio por aqui, um local destinado aos homens poderosos desfrutarem momentos de lazer. Os jogadores costumavam encontrar-se nos clubes de elite (naquele momento crescia a pr\u00e1tica associacionista no pa\u00eds e era prestigioso fazer parte desses espa\u00e7os de sociabilidade) para a pr\u00e1tica do esporte. Na virada do s\u00e9culo surgiram as primeiras resist\u00eancias a esse tipo de situa\u00e7\u00e3o: \u201cora, mas se os bar\u00f5es podem praticar o jogo deles por que n\u00f3s n\u00e3o podemos?\u201d E assim surgiram as peladas, varia\u00e7\u00e3o do esporte que era praticada nas v\u00e1rzeas e com muita popularidade nas classes oper\u00e1rias.<\/p>\n

As ligas, antes amadoras e que s\u00f3 se profissionalizaram a partir dos anos 20, consistiam em campeonatos entre os clubes j\u00e1 supracitados. Inicialmente, s\u00f3 pessoas de classes sociais abastadas podiam participar, mas com o tempo isso mudou, principalmente gra\u00e7as aos torneios organizados pela v\u00e1rzea. Com o surgimento de v\u00e1rios jogadores com potencial nos campos da periferia e a necessidade de t\u00edtulos por parte de clubes de elite, esses passaram a aceitar jogadores de v\u00e1rzea, uns de forma mais acelerada, outros de forma mais gradual, processo que tamb\u00e9m apressou a profissionaliza\u00e7\u00e3o da pr\u00e1tica.<\/p>\n

Com todas essas partidas, antes chamadas matches<\/em> \u2013 palavra oriunda do ingl\u00eas -, os clubes atra\u00edam pessoas para assisti-las, se no in\u00edcio eram s\u00f3 os associados e os mais pr\u00f3ximos que se interessavam, com o tempo o futebol se popularizou e passou a ser o esporte mais importante desses espa\u00e7os, suplantando a vela, que era o preferido at\u00e9 ent\u00e3o. A imprensa noticiava as partidas e a popula\u00e7\u00e3o de uma forma geral passava a nutrir simpatia por um clube e a criar rivalidade com outros. O hist\u00f3rico fundacional (Palmeiras como um time dos imigrantes italianos paulistas e uma pequena burguesia e Corinthians como o time de classes oper\u00e1rias e do pov\u00e3o) ou at\u00e9 mesmo um jantar comemorativo de t\u00edtulo preparado para um time e festejado por outro (marco inicial da exist\u00eancia da querela entre Cear\u00e1 e Fortaleza) s\u00e3o motivos para que haja uma identifica\u00e7\u00e3o com cada agremia\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

E o crescimento de adeptos foi tamanho que durante a d\u00e9cada de 1940 torcedores se juntavam para incentivar o seu time de forma coordenada. Com gritos de apoio, bandinhas de m\u00fasica e bandeiras, surgiam as charangas, primeiras formas de torcida presentes na cultura futebol\u00edstica brasileira. Estas eram marcadas pela figura de um l\u00edder ou chefe, que costumeiramente tinha liga\u00e7\u00f5es com as diretorias dos clubes, as quais poderiam interferir totalmente nas charangas se assim quisessem, e daquelas recebiam incentivos financeiros para promover a festa nos jogos da equipe. At\u00e9 mesmo viagens das charangas poderiam ser bancadas pelos dirigentes.<\/p>\n

As torcidas organizadas<\/strong><\/p>\n

No final da d\u00e9cada de 1960, durante o apogeu da ditadura civil-militar brasileira, surge uma nova forma de ser parte do jogo do futebol. Agora, os torcedores n\u00e3o queriam apenas incentivar o seu time, mas tamb\u00e9m queriam ter voz ativa perante as atitudes duvidosas de muitos cartolas, que viam no futebol apenas uma forma de enriquecimento f\u00e1cil. As organizadas surgem com a proposta de praticarem uma oposi\u00e7\u00e3o aos desmandos dos clubes e de ter uma criticidade quando preciso. Al\u00e9m disso, com novos c\u00e2nticos e g\u00e1s, al\u00e9m de uma padroniza\u00e7\u00e3o nunca vista, estas passam a adquirir um grande apelo popular nas arquibancadas. Por fim, se existe algum outro fator preponderante para o surgimento e fortalecimento desses espa\u00e7os, este \u00e9 a liberdade pol\u00edtica e democr\u00e1tica que as torcidas tinham como local de sociabilidade, j\u00e1 que, embora viv\u00eassemos numa ditadura, nestes espa\u00e7os todos podiam ter suas ideias, e n\u00e3o seriam repreendidos caso estas batessem de frente com o governo da \u00e9poca.<\/p>\n

Com a chegada dos anos 1980 e 1990 a viol\u00eancia passou a crescer vertiginosamente nas grandes capitais brasileiras. Juntamente com essa alta, tamb\u00e9m eram elevados os n\u00edveis de desigualdade e m\u00e1 distribui\u00e7\u00e3o de renda, que permanecem at\u00e9 hoje, provocando com que muitos fiquem com muito pouco e pouqu\u00edssimos fiquem com um absurdo. Se muitos t\u00eam e outros n\u00e3o t\u00eam, a chance de termos \u00edndices de viol\u00eancia alta \u00e9 maior, pois a m\u00eddia e o capitalismo comercial tentam conseguir com que mais pessoas consumam, e quem n\u00e3o tem aquele valor para consumir pode tent\u00e1-lo fazer de outras maneiras. Tudo isso foi dito para que cheg\u00e1ssemos at\u00e9 este questionamento: se uma sociedade tem uma \u00edndole de viol\u00eancia e desigualdade, no esporte, que \u00e9 a g\u00eanese do brasileiro, ela ter\u00e1 muitas possibilidades de tamb\u00e9m ser assim, n\u00e3o \u00e9?<\/p>\n

As torcidas organizadas, assim como os bailes funks, as galeras hip-hop e as gangues, passaram a ter muita significa\u00e7\u00e3o para a juventude do final dos anos 1980 e 1990. Aqueles eram um dos poucos espa\u00e7os destinados para a sociabilidade desses jovens, que sem perspectiva nenhuma de um futuro n\u00e3o obscuro, utilizavam esses ambientes como forma de possibilidade de fuga da invisibilidade social a que estavam submetidos. Em um mundo desigual e que os obriga a comprar, que os deseja a isso, eles buscavam atrav\u00e9s de uma nega\u00e7\u00e3o violenta mostrar: \u201cestamos aqui\u201d, \u201ca gente existe\u201d. E isso se manifestou em diversos contextos: desde o fortalecimento do rap com suas letras engajadas politicamente e que buscavam dar autonomia para esses indiv\u00edduos, at\u00e9 mesmo nas brigas de gangues e de torcidas e sua corporalidade expressiva de uma viol\u00eancia positivada.<\/p>\n

Em dias de jogos importantes, como em cl\u00e1ssicos, por diversas cidades Brasil afora, se torna dif\u00edcil para quem n\u00e3o entende das din\u00e2micas das torcidas organizadas decifrar todos aqueles c\u00f3digos. Enquanto uns gritam o nome de seus bairros e tentam representar as suas galeras, a sua comunidade, outros picham a cidade e demarcam o seu espa\u00e7o e outros ainda brigam ferozmente com meninos de outro bairro por conta de alguma rixa antiga que ainda n\u00e3o foi encerrada. Esse \u00e9 o outro lado das torcidas organizadas que muitas vezes s\u00f3 nos \u00e9 mostrado como algo chocante, mas n\u00e3o se procura entender os contextos de cada situa\u00e7\u00e3o. N\u00e3o estou fazendo vista grossa e muito menos buscando que se valorize a viol\u00eancia, mas sim mostrando que esses gritos n\u00e3o podem ser simplesmente calados, como se tenta fazer muitas vezes.<\/p>\n

\u00c9 ineg\u00e1vel observar que as torcidas fazem um espet\u00e1culo inigual\u00e1vel nos est\u00e1dios. \u00c9 tamb\u00e9m digno de nota que em jogos nos quais elas n\u00e3o v\u00e3o por algum motivo, seja ele proibicionista ou qualquer outro, a din\u00e2mica \u00e9 diferente. A festa proporcionada por essas organiza\u00e7\u00f5es \u00e9 vista, aplaudida e copiada mundialmente, e costumam incentivar os seus clubes e lev\u00e1-los a resultados muitas vezes imposs\u00edveis. Contudo, o lado da viol\u00eancia pesa demais contra essas institui\u00e7\u00f5es e muito j\u00e1 se falou em bani-las do futebol brasileiro, por conta de suas liga\u00e7\u00f5es com esses comportamentos.<\/p>\n

O questionamento que eu desejo fazer \u00e9: o problema dessa viol\u00eancia no futebol brasileiro \u00e9 culpa exclusivamente das torcidas ou dividiremos a culpa admitindo que elas est\u00e3o inseridas numa sociedade injusta e que corrobora para essas atitudes? Ser\u00e1 que extingui-las far\u00e1 com que esses sujeitos, que vivem sob a influ\u00eancia da viol\u00eancia a que s\u00e3o submetidos em todos os momentos, mudem de atitude e desloquem essa pot\u00eancia de destrutivo-criativa para outros campos ou n\u00e3o seria melhor que se melhorasse a educa\u00e7\u00e3o dos seus n\u00edveis mais b\u00e1sicos at\u00e9 os avan\u00e7ados e se dessem oportunidades reais para esses jovens?<\/p>\n

Posiciono-me permanentemente contra o fim das organizadas, por tudo que essas representam, representaram e representar\u00e3o. As T.O.\u2019s sempre foram um espa\u00e7o de rebeldia no futebol brasileiro e hoje com tantas modernidades que a cada dia descaracterizam o esporte, elas funcionam como uma forma de respiro num instante de falta de ar. Creio que, sim, precisam ser discutidas medidas que as mudem e que essas acompanhem um processo de melhoria educacional e profissional para os jovens da periferia. Sem isso, tudo ser\u00e1 s\u00f3 balela.<\/p>\n

Refer\u00eancias:<\/strong><\/em><\/p>\n

AZEVEDO, Nirez de. Hist\u00f3ria do Campeonato Cearense de Futebol<\/strong>. Fortaleza: Equatorial Produ\u00e7\u00f5es, 2002. 416 p.<\/p>\n

DAMO, Arlei Sander. Para o que der e vier: o pertencimento club\u00edstico no futebol brasileiro a partir do Gr\u00eamio Foot-ball Porto Alegrense e seus torcedores.<\/strong> Porto Alegre: UFRS, 1998.<\/p>\n

DI\u00d3GENES, Gl\u00f3ria. Itiner\u00e1rios de corpos juvenis: o baile, o jogo e o tatame<\/strong>. 2 ed. S\u00e3o Paulo: Annablume, 2003. 226p.<\/p>\n

SOBREIRA FILHO, Joaquim.\u00a0“Jogo de uma s\u00f3 torcida”: Os diferentes discursos sobre a pol\u00eamica envolvendo torcida \u00fanica em um cl\u00e1ssico-rei no ano de 2012.<\/strong>\u00a0<\/strong>2014. 113 f. Monografia (Gradua\u00e7\u00e3o) – Curso de Publicidade e Propaganda, UFC, Fortaleza, 2014.<\/p>\n

* O texto faz parte da s\u00e9rie\u00a0<\/em><\/strong>\u201cFutebol e rebeldia<\/em>\u201c. Veja outra:\u00a0<\/strong><\/p>\n

Futebol e rebeldia<\/strong><\/a><\/p>\n

Kinzin \u00e9 amante dos mais variados tipos de m\u00fasicas poss\u00edveis e das boleiragens cotidianas da vida, n\u00e3o necessariamente nessa ordem<\/em><\/strong><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Kinzin (Foto-montagem: Kinzin, a partir de fotos de reprodu\u00e7\u00e3o da internet e de Domicio Pinheiro, do arquivo hist\u00f3rico do Jornal dos Sports)\u00a0 Antes de introduzir o texto sobre as torcidas organizadas brasileiras, gostaria de lembrar que a ideia que me instigou a escrever essa se\u00e7\u00e3o sobre futebol aqui na Berro \u00e9 tentar dar um outro […]<\/p>\n","protected":false},"author":3,"featured_media":1138,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_mi_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[34],"tags":[],"yoast_head":"\nTorcidas organizadas: resist\u00eancia e f\u00f4lego com muito amor e paix\u00e3o* | Revista Berro<\/title>\n<meta name=\"robots\" content=\"index, follow, max-snippet:-1, max-image-preview:large, max-video-preview:-1\" \/>\n<link rel=\"canonical\" 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