artur@revistaberro.com<\/em><\/a><\/p>\n

Al\u00e9m do mito do para\u00edso racial, que se encontra presente na sociedade brasileira at\u00e9 hoje, h\u00e1 ainda uma outra mitifica\u00e7\u00e3o que foi mantida por muitas d\u00e9cadas pela hist\u00f3ria tradicional: \u00a0a de que os abolicionistas brasileiros eram homogeneamente \u201cbonzinhos\u201d e salvaram os negros das agruras da escravid\u00e3o, cabendo a estes \u00faltimos o mero papel de agentes passivos no processo abolicionista. Mentira! Essa vis\u00e3o distorcida dos fatos hist\u00f3ricos esteve presente por muito tempo, inclusive entre os pr\u00f3prios historiadores.<\/p>\n

Uma outra vers\u00e3o, a da Hist\u00f3ria Social, defende que os abolicionistas estavam preocupados mais com a economia do pa\u00eds do que com qualquer outra coisa. Na vis\u00e3o deles, a escravid\u00e3o deveria acabar; contudo, muito mais por raz\u00f5es econ\u00f4micas do que por quest\u00f5es humanit\u00e1rias. Eles queriam garantir que, ainda assim com a aboli\u00e7\u00e3o, os interesses dos senhores donos de escravos fossem preservados. Dessa forma, na percep\u00e7\u00e3o abolicionista, a elimina\u00e7\u00e3o da condi\u00e7\u00e3o de escravo n\u00e3o implicava em uma luta pelos direitos civis dos negros, e menos ainda em uma distribui\u00e7\u00e3o diferente do poder pol\u00edtico-social.<\/p>\n

\u00c0 \u00e9poca, dois temas foram fundamentais e recorrentes nos discursos abolicionistas: o desequil\u00edbrio social e racial de uma sociedade escravista e a n\u00e3o lucratividade da escravid\u00e3o. \u201cOs abolicionistas brasileiros tendiam mais a enfatizar a necessidade de ultrapassar o atraso e alcan\u00e7ar progresso nacional do que a promover qualquer pol\u00edtica de repara\u00e7\u00e3o voltada para os ex-escravos e seus descendentes\u201d (Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma hist\u00f3ria comparada – s\u00e9culo XIX<\/em>, C\u00e9lia Marinho de Azevedo).<\/p>\n

Por tr\u00e1s da bandeira de ideais nobres iluministas, escondia-se a real inten\u00e7\u00e3o abolicionista de preservar os privil\u00e9gios da elite fazendeira. Sua vis\u00e3o economicista n\u00e3o se importava com o futuro do negro liberto, mas sim com o desenvolvimento e o \u201cprogresso\u201d do pa\u00eds nos moldes das na\u00e7\u00f5es europ\u00e9ias. A aboli\u00e7\u00e3o da escravatura era apenas o pano de fundo do projeto abolicionista, que visava primordialmente a inser\u00e7\u00e3o do Brasil no capitalismo industrial.<\/p>\n

Para se entender todo o pragmatismo das posturas abolicionistas, \u00e9 necess\u00e1rio analisar como e em quais circunst\u00e2ncias surgiu esse movimento no Brasil. O abolicionismo no Brasil, que come\u00e7a a se enraizar entre intelectuais e pol\u00edticos brasileiros por volta da d\u00e9cada de 1860, \u00a0surge a partir de um grande movimento a n\u00edvel mundial contr\u00e1rio \u00e0 escravid\u00e3o, influenciado pelas id\u00e9ias iluministas.\u00a0O abolicionismo surge quase como uma consequ\u00eancia inevit\u00e1vel de todo esse contexto social. Contudo, os abolicionistas brasileiros sempre deixaram claro que a sua inten\u00e7\u00e3o n\u00e3o era revolucion\u00e1ria, mas t\u00e3o-somente reformista.<\/p>\n

No per\u00edodo de efervesc\u00eancia do movimento contra a escravid\u00e3o, at\u00e9 mesmo os fazendeiros propriet\u00e1rios de escravos, percebendo a oportunidade que a situa\u00e7\u00e3o ensejava, iniciam um processo de conceder alforrias. No entanto, encoberta pela aparente sensibilidade humanit\u00e1ria, o que se escondia era uma estrat\u00e9gia cruel de aprisionamento disfar\u00e7ado. A id\u00e9ia, maquiavelicamente pensada, era convencer os escravos de que a alforria necessariamente passava pela obedi\u00eancia e fidelidade ao senhor. Dessa forma, \u201ca concentra\u00e7\u00e3o do poder de alforria exclusivamente nas m\u00e3os dos senhores fazia parte de uma ampla estrat\u00e9gia de produ\u00e7\u00e3o de dependentes, de transforma\u00e7\u00e3o de escravos em negros libertos ainda fi\u00e9is e submissos a seus antigos propriet\u00e1rios\u201d (A constru\u00e7\u00e3o social da cor, <\/em>Jos\u00e9 D\u00b4Assun\u00e7\u00e3o Barros).<\/p>\n

Assim, fica evidente que os abolicionistas, considerados por um corrente da historiografia tradicional como revolucion\u00e1rios em sua luta contra a escravid\u00e3o e o racismo, surgiram, na verdade, a partir de um movimento popular contra a escravid\u00e3o que brotou espontaneamente das ruas \u2013 movimento este influenciado por mudan\u00e7as e transforma\u00e7\u00f5es internacionais – e fizeram apenas o papel de porta-vozes de um processo de transi\u00e7\u00e3o, que tinha em seu bojo como principais objetivos a manuten\u00e7\u00e3o do estado das coisas e a consequente entrada do Brasil no mundo capitalista. \u201cA falta de uma profundidade moral explicava porque os abolicionistas puderam atacar o privil\u00e9gio e a injusti\u00e7a, mas, ao mesmo tempo, foram incapazes de visualizar o futuro do pa\u00eds sobre uma nova base, incluindo-se medidas sociais que beneficiassem os libertos\u201d (Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma hist\u00f3ria comparada – s\u00e9culo XIX<\/em>, C\u00e9lia Marinho de Azevedo).<\/p>\n

*Esse texto faz parte da s\u00e9rie\u00a0<\/em>Consci\u00eancia Negra: a quest\u00e3o racial<\/strong><\/a>, que foi\u00a0publicada em\u00a0novembro de 2014 na\u00a0<\/em>Revista Berro<\/strong><\/a>.\u00a0Veja abaixo todos os outros textos da s\u00e9rie:\u00a0<\/em><\/p>\n

A constru\u00e7\u00e3o social da \u201cra\u00e7a\u201d negra<\/em><\/strong><\/a><\/p>\n

Ci\u00eancia a servi\u00e7o da escravid\u00e3o<\/a><\/em><\/strong><\/p>\n

Desconstruindo o mito do para\u00edso racial brasileiro<\/a><\/em><\/strong><\/p>\n

O protagonismo negro no processo de aboli\u00e7\u00e3o<\/strong><\/em><\/a><\/p>\n

O \u201cblack power\u201d sai \u00e0s ruas<\/em><\/strong><\/a><\/p>\n

Por que o racismo ainda persiste?<\/strong><\/em><\/a><\/p>\n

Cotas raciais: combatendo a desigualdade de cor<\/strong><\/em><\/a><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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