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{"id":1322,"date":"2014-10-04T09:52:29","date_gmt":"2014-10-04T12:52:29","guid":{"rendered":"http:\/\/revistaberro.com\/?p=1322"},"modified":"2016-10-01T10:49:14","modified_gmt":"2016-10-01T13:49:14","slug":"o-circo-que-promovia-a-tristeza","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/revistaberro.com\/colunas\/impressoesmundanas\/o-circo-que-promovia-a-tristeza\/","title":{"rendered":"O circo que era triste"},"content":{"rendered":"

Por tr\u00e1s das montanhas \u00a0aonde o Vento gostava de passear e o Sol repousava alaranjado\u00a0no entardecer, havia um reino bem grande e diverso, aben\u00e7oado pela Natureza, mas que tinha como\u00a0rei o Dinheiro e como rainha a Apar\u00eancia. Nele, havia um circo que, a mando das realezas, de dois em dois anos, percorria todo o territ\u00f3rio, levando entretenimento\u00a0\u2013\u00a0ainda que ilus\u00f3rio \u2013 aos habitantes daquela terra. O circo era repleto de palha\u00e7os de todos os matizes, dos vermelhos aos amarelos, passando pelos azuis, roxos, verdes e laranjas. Os palha\u00e7os eram sem gra\u00e7a na maioria das vezes: quando tentavam fazer rir, n\u00e3o conseguiam, mas quando estavam s\u00e9rios e prometiam melhorias para o circo, a\u00ed sim eram hil\u00e1rios. Os palha\u00e7os eram os representantes dali e cuidavam, com muito esmero, dos neg\u00f3cios do picadeiro \u2013 sendo acompanhados de perto pelos monarcas, que interferiam o tempo todo no andamento daquele circo. A turma dos le\u00f5es, chimpanz\u00e9s e elefantes, coitada!, vivia maltratada. Ao inv\u00e9s da liberdade, a jaula! Mas os palha\u00e7os faziam quest\u00e3o de dizer que nenhum dos bichos passava fome e estavam com as jaulas sempre limpinhas. P\u00e3o e circo!<\/p>\n

Grande parte dos bichos que sofria os maus tratos achava que aquilo era normal, que num circo \u00e9 isso mesmo: os palha\u00e7os d\u00e3o as ordens e os bichos obedecem, ainda mais se est\u00e3o sendo alimentados. Na verdade, os palha\u00e7os os queriam bem alimentados para que trabalhassem 10, 12, 14 horas por dia!<\/p>\n

Outra parte dos bichos maltratados n\u00e3o concordava com aquela \u201cpalha\u00e7ada\u201d – e pensava radicalmente que a \u00fanica maneira de acabar com aquela malvadeza seria destruindo por completo o circo e libertando-se dali. N\u00e3o sabiam ainda como, mas tinham certeza que enquanto existisse aquele circo n\u00e3o seriam, de fato, livres, pois os palha\u00e7os eram muito espertos e pareciam sempre tramar pelo controle eterno do picadeiro. Eram chamados de loucos e v\u00e2ndalos pelos bichos que achavam os maus tratos algo normal,\u00a0e de sonhadores por outra parte dos bichos maltratados; essa tamb\u00e9m queria mudar as coisas por ali, mas dizia aos bichos \u201csonhadores\u201d que n\u00e3o precisava destruir o circo, mas apenas trocar os palha\u00e7os ruins por palha\u00e7os bons, ou, na pior das hip\u00f3teses, que se um palha\u00e7o bom \u2013 representante dos bichos \u2013 estivesse entre os palha\u00e7os ruins, ele iria lutar para conseguir uma melhor alimenta\u00e7\u00e3o pros bichos, ainda que estes continuassem enjaulados. P\u00e3o e circo!<\/p>\n

Essa turma de bichos, que queria mudar o circo, mas n\u00e3o destru\u00ed-lo por inteiro, era uma das que, nessas andan\u00e7as bianuais, trabalhava mais entusiasmada pela manuten\u00e7\u00e3o daquele espet\u00e1culo circense ilus\u00f3rio, sempre se aliando a algum palha\u00e7o \u2013 que dizia ser dos palha\u00e7os de boas inten\u00e7\u00f5es. Ora mais, um s\u00f3 palha\u00e7o com boa inten\u00e7\u00e3o no meio de uma palha\u00e7ada de m\u00e1s inten\u00e7\u00f5es n\u00e3o consegue fazer muita coisa sen\u00e3o acrescentar um pouco mais de ra\u00e7\u00e3o aos bichos.<\/p>\n

Passaram-se d\u00e9cadas, s\u00e9culos e o circo manteve-se inc\u00f3lume \u00e0s mudan\u00e7as estruturais. De dois em dois anos, a mesma peregrina\u00e7\u00e3o pelos quatros cantos. Os le\u00f5es, chimpanz\u00e9s e elefantes continuaram aprisionados. Uma parte deles continuou dizendo que \u201c\u00e9 assim mesmo\u201d, uma outra que \u201cs\u00f3 destruindo o circo poderemos recome\u00e7ar nossas vidas\u201d, ao passo que uma terceira parte diz que \u201cagora vai!\u201d, pois eles t\u00eam certeza que o palha\u00e7o da vez, representante deles, \u201cvai trabalhar por leis circenses que ponham fim \u00e0 explora\u00e7\u00e3o dos bichos\u201d.<\/p>\n

Alheios \u00e0s aspira\u00e7\u00f5es de seus s\u00faditos, o rei Dinheiro e a rainha Apar\u00eancia refestelam-se soberbamente em seus tronos, que n\u00e3o existem \u2013 mas todos no reino pensam que sim \u2013 \u00a0e seguem convictos de que o circo, mesmo decadente mas cheio de pompa, \u00e9 a ilus\u00e3o mais real daquele reino e o melhor m\u00e9todo para manter palha\u00e7os e bichos sob sua realeza!<\/p>\n

A Natureza, m\u00e3e de todos\u00a0os\u00a0bichos – inclusive dos palha\u00e7os, do rei e da rainha\u00a0\u2013, “sabedora” e generosa que \u00e9, n\u00e3o interfere, pois abra\u00e7a a liberdade de\u00a0seus\u00a0filhos e filhas. E segue sendo Natureza, sabendo que um raio de sol \u00e9 encanto e a Aurora encantamento, mas n\u00e3o ilus\u00f5es. Ela sabe\u00a0que o brilho da lua \u00e9 maior do que todos os reinos e do que todas as viv\u00eancias e filosofias humanas.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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