Um amor zen



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(Foto: Pintura “Casal”, de Eloísa Serpa)

Nagle Melo

O chão tremeu, o equilíbrio desapareceu, o sangue sumiu das veias e o coração despedaçou. Ela despencou! Morreu por dentro. Deixou que a história de amor se transformasse (não havia jeito) em ideal. Na verdade, no fundo de seu ser, sabia que não passava disto, de um ideal, de uma fantasia de carnaval. A quarta de cinzas chegou opaca no seu recanto de memórias floreadas falsamente.

Achou que a vida lhe pregara uma peça, daquelas que duram 3 horas ininterruptas. Olhou firme nos olhos dele, lá dentro, e não viu mais o amor. Onde estaria? Fugiu? Escapou das minhas mãos? Pensava, pensava… se esforçava pra tentar descobrir onde diabos o amor havia ido. Será que voltaria?

Caminhou pelos bosques, parques, ruas. Olhava pras árvores frondosas e magníficas da Argentina e desejava virar uma. E ficar lá, sem sentir mais amor ou coisa alguma. Chorou, esperneou, sentiu a falta. Que amor é este? Não sabia mais o que falar a respeito. Já não tinha mais aquela segurança dos amantes. Do tanto que amou. Será que amou? A cabeça não aguentava mais!

Passada a intensidade do furacão, retornou ao país de origem e mudou de lar. Nova vida! Novo amor? Não sabia. Definitivamente, não sabia. Foi quando um convite para meditar a tirou, momentaneamente, da confusão mental que a percorria. “Será? Não vou conseguir meditar”. Mas o convite foi um tiro certeiro, mesmo sem intenção alguma de acertar (ou de errar).

O coração batia forte e sentia uma mistura de excitação e medo. O abraço acalmou, assim como a energia de paz do lugar. Instruções dadas, era quase hora de sentar. Foi quando um homem magrinho e careca entrou. Por milésimos de segundos tudo teria sido diferente. Mas não foi. Ou foi. Ao final da prática, durante a troca de experiências, olhava pro ‘monge’ de rabo de olho e pensava: “este já nasceu meditando. Preciso ‘caminhar’ muito pra chegar a este ponto”. Tamanha excentricidade a fez brilhar os olhos. Mal sabia ela que havia brilhado os olhos dele também.

O contato foi estabelecido naturalmente, apesar de serem completos desconhecidos. As primeiras conversas e coisas em comum. As primeiras e infinitas diferenças. A vontade e curiosidade de conhecer e, quem sabe, sentir.

Foi naquele restaurante azul celeste, espaçoso, com as mesas ao ar livre, onde as conversas mais profundas e delicadas aconteceram. O dito e o não dito. O céu e a terra. O rio e o mar.

Experimentar requer arriscar. E a lua vermelha incendiou os corpos que queriam se misturar. Corpos de homem e mulher. Mulher e homem. Os dois num corpo só, os dois em dois corpos colados. Alma e gozo sendo os grandes protagonistas desta história.

Uma prática que ensinou (e ensina) muito sobre o amor. Um amor que não é ideal. Um amor que não necessita categorização, nomeação. Um amor verdadeiro, que brinca com carinho e carícias, admiração e respeito. Compreensão. Um amor zen.

Nagle Melo é psicóloga, amante do ócio e escreve o que seu coração grita


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