João de barro e a cartomante



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Por Bruno Pereira

– Olá João de barro. Belo dia!

Assim ouvi a voz da Cartomante que passeava pelo bosque. Sempre elegante com seus trajes ciganos. Eu estava a sossegar no galho de um Ipê-amarelo. Cantarolando baixinho sons que ouvi em meus voos.

– Olá, belo dia senhorita Cartomante. Muitos futuros para prever? Perguntei esperando a mais óbvia das respostas. Afinal, ela era uma cartomante. Mas seus olhos me anteciparam uma mudança. Seu imenso sorriso, que hoje se mostrou tímido, me encantava. Respondeu-me decidida e mesmo assim sua voz suavizava o mundo.

– Não, João de barro, sem futuros para prever. Joguei fora as minhas cartas reveladoras dos mistérios do que há por vir. Abri mão do meu dom para aprender o dom de viver. Cansei das belezas e desgraças das vidas alheias. Quero as minhas incertezas. Quero desvendar, vivendo, os segredos que o vento sopra sobre mim.

Silenciei. Eu que ali cantava os sons de outros pássaros, melodias de outros ares e poesias de amores que não foram meus. Eu que tenho a liberdade do voo, uma visão sobre a vida que poucos possuem, me engaiolava no medo de ser eu, trilhando sempre as mesmas rotas. Escondia-me na beleza dos Ipês. Perdia-me no meu próprio canto.

Falei: – Tenho medo do futuro e de sabê-lo. Como vivem aqueles que o futuro você desvendou? Algo pode surpreendê-los, motivá-los? Na incerteza encontro força para escrever a minha história. Na folha que a vida me entregou em branco, com sorrisos e lágrimas, faço os desenhos de cada letra. Com meu canto quero desvendar os encantos dos dias chuvosos e ensolarados.

– Querido João de barro, triste me sinto pelos futuros que as cartas espiaram. Por cada alegria sem o espanto da surpresa, por cada tristeza que foi chorada nos cantos de minha pequena sala. Amores sem os sorrisos da incerteza e a morte sem a esperança da vida.

– Mas para ti ainda há tempo para surpresas e novos amores. E para mim amores com novos ares.

– Sim, novos amores. Vou-me embora do bosque e por cartomante não mais atenderei.

– Para onde vais? E como te chamas?

– Me chamo Vida. Meu pai quis assim. E eu vou pela estrada do meu coração.

– Vais embora do bosque? Ah Vida, mande notícias e sorrisos. Sentirei saudades da beleza tua.

– Eu vou, meu querido João de barro. Tu vais continuar aqui? Não desejas novos voos? Deixe de medo.

– O medo eu venço, Vida. Cansei de voar sozinho. Quero compartilhar asas.

Ela me olhou e chegou mais perto do Ipê-amarelo. Levantou o braço e vi sua mão tão próxima de mim. Ergueu o dedo indicador e entendi o que a Vida me oferecia. Voei baixinho e pousei no seu dedinho. Ela começou a andar e o bosque ficava para trás. E sussurrou assim:

– O encanto é uma página por dia. Conhecer o desfecho, antes da primeira curva, é matar à punhalada o enredo da vida.


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