Crônicas da Cidade: A mídia ninja e a mídia molecagem



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(Ilustração: Fábio Baroli)

O Brasil passa por uma transformação muito rápida nos últimos 10 anos, no que diz respeito às formas e ferramentas para se fazer comunicação social – que nos dias atuais são múltiplas – e ao acesso às novas tecnologias. Hoje, cada vez mais consumidores procuram por celulares com câmeras digitais e acesso à internet. Difícil achar quem ainda tenha aquele aparelho 3310, da Nokia, que tinha uma lanterninha acoplada. E não faz muito tempo que ele foi lançado; talvez uns sete, oito anos atrás. Menos de uma década e o “bicho” está quase extinto. (Aliás, se alguém tiver ou conhecer quem tenha e queira fazer jogo…).

O fato é que a Cidade dos Funcionários, em Fortaleza, vivencia também estas mudanças. Se há três ou quatro anos quase ninguém tinha sequer um celular, hoje um bocado tem aparelhos com câmera, tocador de músicas e acesso à internet (vale dizer que me refiro somente aos frequentadores da praça e da calçadinha da fumaça, na Rua do T). Hoje, o dedim de prosa na quadra ou na calçada é quase sempre acompanhado de trilha sonora; é raro não ter algum DJ pronto pra soltar as pedras diretamente do seu celular. E, vou te contar, trocar uma idéia com uma musiquinha ambiente irada é massa!

A Cidade também tem seus ninjas em busca de boas imagens em situações de confronto. Nas manifestações recentes, o Tay, garoto da selva da Levada, fez vídeos exclusivos que nenhuma emissora de tevê chegou perto. Era a destruição do carro de uma… pois é, emissora de tevê. Filmou também a retenção de um ônibus pelos manifestantes, que depois saíram empurrando o cambão em direção à polícia. Revelou seu lado videomaker até quando fugíamos da emboscada que a PM armou nesta última manifestação. Num terreno baldio, que conseguimos pular após escapar às carreiras da cavalaria e do Raio – e nos depararmos numa rua sem saída (quer dizer, a única saída era pular o muro e invadir o terreno), ele ainda filmava, com direito a narração e tudo mais: “Estamos aqui, eu e o Artur, acabamos de pular o muro e caímos nesse terreno (uma pausa para uma respirada ofegante e… buuummmm!!!), eita, eita, corre, corre, os homi acabaram de soltar uma bomba dentro do terreno mah…”.

O terreno era gigantesco, muito extenso e com o mato alto. Corremos sem parar até avistar um muro baixo, que dava para uma rua qualquer. Tay, com o celular sempre à frente do corpo, filmou toda a fuga. Depois, encontramos o Cachorrim, e já tomando umas cervejas na pracinha do Renascer, lá no Dias Macedo – corremos até lá, mais perdidos que cego em tiroteio -, para comemorar a escapada, descobrimos que o terreno que tínhamos invadido era do Exército. “Ufa!”, passando a mão na testa e enxugando o suor, que pingava às bicas. Tin-tin!, saúde, cumpade, escapamos! (Golão de cerveja!) Quanto às imagens da fuga, ficaram uma coisa assim… à la Bruxa de Blair à moda cearense, tamanha era a adrenalina (com uma carga maior de medo do que o habitual) e o clima tenso da hora. Ô Mídia Ninja, ô Nigéria, acho que estão deixando passar despercebido, quem sabe, um talento nato pra parada de vocês.

No entanto, o que campeia mesmo por estas bandas é a mídia-molecagem: a arte de captar vídeos e fotos de momentos ridículos, cômicos, fuleiragens. O maior expoente “cidadeano” nessa arte é o Nielsen, que, antes disso, é o melhor contador de histórias que conheço. Interpreta, gesticula, imita a voz, refaz toda a cena do causo que conta como ninguém, sempre com a gaiatice que lhe é peculiar. É risada na certa! Além de ser ainda o narrador oficial do racha da praça, função que exerce com maestria – e putaria (não tem um jogador que ele não dê um apelido fuleiragem, não escapa um). Leva jeito na arte de fazer rir o Neguim da Benjamin. Talento made in Cidade! Imagina agora, na era do uai-fai e das câmeras nos celulares; o homem desembestou a fazer vídeos: não pode ver um bebim daquele preço, ou alguém da galera dançando uma musga ridiculamente, ou o Marco Doido imitando a cabeça de calango ou fazendo a cara do cão, ou um bate-boca banal e cheio de graça entre dois moradores:

– (Numa leve ironia) Cala a boca, Zé Cachacinha, a conversa não é contigo não – disse o Lubinha, numa manhã qualquer embaixo do pé de nim na calçadinha, após o Plok se intrometer numa prosa.

– Vai tomar nesse teu c* – disparou de volta o Plok, enquanto lavava o carro do taxista do outro lado da rua.

– (Num tom bastante irônico) Zé Cachacinha, te acalma que tu pode ter um troço. Tá vendo, já tá é se tremendo todim porque ainda não tomou uma dose hoje!

– Vai se f*%#*, lombreiro.

– (Lubinha capricha mais ainda no tom irônico) Calma, Zé Cachacinha, que ainda vai sobrar um golim aqui pra tu – mostrando e agitando o litro de cana já com menos da metade. E rindo debochadamente.

– Vai se f*%#*, pau no c*! Se eu quiser vou ali no Arnaldo e tomo uma (dose)! Dependo de tu não!

Não se assustem, o Plok é assim mesmo: late, late, late… Mas não morde. Tem esse jeitão seu Lunga, mas por trás da carranca e dos incontáveis palavrões você encontra um sujeito bom. Por sua vez, o Nielsen não dispensa: caiu na rede, é peixe, ou melhor, vídeo. Lendo assim, nem parece tão engraçada a troca de gentilezas entre os dois, mas vendo a cena, reparando nas feições dos dois, na ironia do Lubinha e na mansidão do Plok com a brincadeira (é pior do que cacimba pra pegar corda), é risada na hora! Mídia-molecagem das boas!

O acesso à internet da calçada se faz através da rede uai-fai da casa do Petróleo (ex-atacante do Ceará nos anos 80 e 90), que mora ali. Por enquanto, os vídeos estão somente circulando, via bluetooth, entre os moradores do bairro, mas, se algum dia um deles viralizar na internet, com milhões de visualizações etc. e tal, os mestres da mídia-molecagem da Cidade, enfim, terão seus talentos expostos para o mundo. Embora acredite que essa não seja a intenção de nenhum deles. O intento, único e exclusivo, é molecar, porque a arte milenar da molecagem é, dizem as boas línguas, genuinamente cearense – e, sendo assim, não pode morrer jamais! Arte digna de um povo que já vaiou o Sol por ter demorado a aparecer e elegeu um bode, o Ioiô, para vereador. A tradição da molecagem, a depender dos artistas da Cidade, continuará preservada! Ieeeiiiiii!!!!


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