Pixadores de Fortaleza realizam intervenções contra a Copa



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Pixações se multiplicam na capital cearense denunciando as violações da Copa do Mundo. Representantes de gerações distintas da pixação (anos 1980/1990 e 2000) abordam o movimento do xarpi, suas potencialidades e resistências (Foto: Revista Berro)

De início, vale deixar claro que os termos pixar, pixadores e todas as suas variáveis serão grafados assim, com “x”. Não temos apego às estruturas impositivas e autoritárias da gramática. É assim que a tribo da pixação escreve. É assim que escreveremos. E aqui, nessa reportagem, muito mais do que falar, vamos ouvi-los.

Quando irromperam as manifestações em junho de 2013 no Brasil, um grupo de pixadores de Fortaleza achou que era hora também de protestar para além dos seus xarpis (pra quem não conhece, xarpi é como os pixadores chamam suas assinaturas, aqueles códigos muitas vezes indecifráveis para quem não é da cena). Primeiramente, durante os atos e passeatas, pixavam frases e expressões que denunciavam as violações da Copa do Mundo no país. Após a Copa das Confederações, decidiram continuar o movimento e espalhar mensagens nos muros por toda a cidade.

Uma das galeras que mais vem atuando nessa iniciativa em Fortaleza é a União dos Grafiteiros (UG), fundada em janeiro de 2000, na Cidade dos Funcionários, mas que hoje conta com integrantes espalhados em várias regiões na cidade, como Tancredo Neves, Messejana, Serrinha, Alvorada, Jardim das Oliveiras, Cajazeiras, Barroso, Castelão, entre outras. A UG é formada por grafiteiros e pixadores, fazem questão de dizer. O nome vem de uma época em que ser grafiteiro significava também ser pixador e vice-versa; naqueles tempos, final dos 90, não havia ainda essa separação jurídica e estética entre as vertentes. Para se ter uma idéia, o Brasil é o único país do mundo que faz a distinção entre esses tipos de muralismos urbanos.

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Av. Paulino Rocha/Castelão (Foto: Revista Berro)

De acordo com Revolução-UG, pixador da geração 2000 e professor de Educação Física da rede estadual cearense, a galera está protestando contra a Copa principalmente porque o governo brasileiro, acossado pela Fifa, gastou desordenadamente bilhões para construir estádios e removeu 250 mil famílias de suas casas. “A Fifa e seus patrocinadores são um câncer para a humanidade. Quem diria que o futebol que nos alienou por tanto tempo seria um catalisador para a luta do povo?”, provoca. Ainda segundo Revolução, “a pixação é uma forma de dizer que estamos vivos e resistindo ao modo de vida que tentam nos impor. É uma mensagem feita pela rua e para a rua, para o povo, uma forma de ativismo político rebelde e livre. Por trás dos riscos na parede há muita rebeldia, coragem, atitude, liberdade e uma vontade de dizer não a tudo que está errado!”

Sobre as críticas que a grande maioria da sociedade faz aos rabiscos nas paredes, o integrante da UG é enfático: “Um movimento que resiste desde os anos 80 não pode ser desprezado e encarado como uma má forma de expressão. As galeras da pixação estão compreendendo a força que o coletivo tem nas mãos e estão se organizando cada vez mais. Como Chico Science falou: ‘que eu me organizando é que eu posso desorganizar’”.

“A Copa não traz nenhum benefício pra nós das comunidades mais carentes. O pobre não vai poder usufruir de nada disso. Então, temos que ir pra rua mesmo protestar por uma sociedade mais digna para todos.”

Concordando com as idéias do companheiro de galera, Repolho, metalúrgico e pixador da geração 90, que está na UG desde sua fundação, solta o verbo contra o evento: “A Copa não traz nenhum benefício pra nós das comunidades mais carentes. Enquanto a burguesia enche os cofres de dinheiro, a gente fica à mercê desses governantes. Resumindo: tá tudo errado! O pobre não vai poder usufruir de nada disso. Então, temos que ir pra rua mesmo protestar por uma sociedade mais digna para todos. E aí a pixação é uma forma de nos expressarmos através dos muros para que as autoridades e a população em si nos enxergue com outros olhos”.

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Rotatória da Aguanambi/Bairro de Fátima(Foto: Revista Berro)

Para Grilo-DC (Desobediência Civil), pixador da geração 90 e comunicador, “é inaceitável que um país carente de tantas necessidades básicas realize um evento desse tipo, que privilegia tão descaradamente uma instituição privada em detrimento de vários cidadãos que estão sendo violentados, retirados de suas casas, humilhados deliberadamente. Um evento que passa por cima das pessoas dessa forma não pode ser realizado em lugar nenhum”.

E onde pixar entra nessa história toda? “A pixação sempre foi e sempre vai ser uma voz. Ela expõe os conflitos sociais existentes em uma sociedade extremamente contraditória e desigual. O ato de pixar é, por natureza, uma insatisfação com o capitalismo, com a propriedade privada, com as estruturas sociais instituídas. Por meio dele nós estamos dizendo: ‘Ei, tá vendo a tua casa, teu muro? Ele pode ser meu também e você não tem controle sobre isso’. Isso é político. Não é necessário que eu escreva frases diretas, aponte culpados ou soluções. Pixar é político. Temos que aproveitar este momento em que o país está no foco das atenções mundiais para, de fato, demonstrarmos nossa insatisfação com todos os absurdos que estão sendo feitos aqui, com a violência do estado, com a corrupção, com a falta de infraestrutura, de segurança, saúde, etc. Como aceitar um país que tem um orçamento de 0,13% para a cultura e mais de 40% para pagamento de dívidas com grandes bancos, dívidas estas que nem existem de fato? É muito fácil ser patriota em dia de jogo. Complicado é abrir mão da ‘normalidade’ para fazer algo contundente e mudar os rumos do país”, desabafa Grilo.

“O ato de pixar é, por natureza, uma insatisfação com o capitalismo, com a propriedade privada, com as estruturas sociais instituídas.”

A essência da pixação: “A rua é nóis, pivete!”

Muito antes de explodirem manifestações Brasil afora e de muitas pessoas irem às ruas protestar e ocupar os espaços públicos, os pixadores já o faziam. Porque, nas grandes metrópoles, se tem uma galera que vive a rua cotidianamente é a tribo dos pixadores. Mais do que qualquer ativista político, manifestante “pacífico”, black bloc, jornalista, sociólogo ou intelectual que queira compreender e fazer leituras das diversas nuances da rua, nenhum desses viverá de forma tão intensa, direta e visceral seu movimento quanto a tribo da pixação.

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Av. Alberto Craveiro/Dias Macedo (Foto: Vitor Grilo/1Bando Comunicação)

“A pixação é uma expressão espontânea de um determinado grupo. Um grupo que se identifica com a subversão, ocupa os espaços públicos e utiliza os muros, prédios e marquises como telas pra sua arte marginal. Nesse universo nós temos uma mistura de muitos elementos importantes. A socialização é um. Essa juventude se agrega em torno de suas ‘galeras’. Se encontram em suas reuniões em grandes números. Se divertem juntos, compartilham estilos tipográficos e estilos de vida, pregam a humildade, admiram uns aos outros… E pixam”, resume Grilo sobre a cena.

“Ficar imóvel de cabeça baixa apoiando uma política excludente via Fifa, Globo, Coca-Cola, Nike e tantas outras seria muita falta de compromisso com nossa classe excluída e explorada”

Segundo Pirata, da RM (Rebeldes da Madrugada – galera oriunda da Messejana), da geração dos anos 80 e um dos precursores do movimento em Fortaleza, é importantíssimo que os pixadores também se apropriem das críticas contra a Copa. “A pixação traz em sua origem a vontade de expressar sentimentos. Ficar imóvel de cabeça baixa apoiando uma política excludente via Fifa, Globo, Coca-Cola, Nike e tantas outras seria muita falta de compromisso com nossa classe excluída e explorada”.

De acordo com o antigão Pirata-RM, que hoje é professor de História na rede pública estadual, apesar das diferenças de linguagem, letras e comportamentos dos pixadores da geração 2000 para a geração 80, a “pixação continua sendo uma forma de agrupar, unir, construir afinidades e te dar impulso para adentrar nas políticas de intervenções”. Segundo ele, pixar foi seu passaporte para conhecer os movimentos anarquista, estudantil, hip-hop e negro. O pixador da geração 80 é um rebelde não só no nome da galera que integra, mas nas suas convicções: “Devemos construir meios de incluir a maioria em subversões. Fazer os jovens pensarem politicamente e expressarem com rebeldia e compromisso suas atitudes”.

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Rua Enfermeiro Joaquim Pinto (100m da BR-116)/ Cidade dos Funcionários (Foto: Revista Berro)

O que seria dos pixadores sem a rua? Nada! “A UG representa a rua, ela vive a rua. Nosso papel é também mostrar pros jovens da periferia que a maior escola que eles podem ter é a rua, mostrar pra eles que não só nas faculdades existem seres pensantes. Mostrar que na perifa também pensamos e lutamos! Se nós da rua não assumirmos esse papel, quem vai assumir? A UG tem consciência que se não formos nós, os explorados, na luta contra a desigualdade desse sistema ninguém irá fazer isso”, ressalta Revolução.

Para Grilo, o ato de “pixar é só um reflexo de toda uma estrutura social que não aparece para a grande mídia, para o senso comum, mas que conta com muitas pessoas envolvidas por vidas inteiras nela. Acredito que uma sociedade que supere as grandes dificuldades que estamos passando precisa aprender a contemplar esse tipo de expressão e aceitá-la como uma legítima expressão cultural questionadora da ordem vigente. É uma trajetória difícil de se alcançar. Não vejo isso de forma romântica. Mas acredito no poder das narrativas e a narrativa da pixação é muito forte”.


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