Frente pelo desencarceramento no Ceará expõe violação de direitos em tempos de pandemia



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No começo de junho, a não divulgação de dados sobre a Covid-19 no Brasil mobilizou as redes sociais e veículos midiáticos, gerando repercussão internacional. O desconhecimento dos números de casos de contaminados e de mortos foi contestado pelo STF e combatido por parcerias com as gestões estaduais de saúde. No entanto, quando falamos de pessoas privadas de liberdade, a falta de boletins sobre os números de contaminados e de mortos pelo vírus dentro do sistema carcerário cearense acontece desde o princípio da pandemia.

Ítalo Lima, integrante da Frente Estadual pelo Desencarceramento, denuncia que os familiares estão recorrendo a diversas táticas para ter novas informações, inclusive o diálogo com advogados, defensores públicos e outras pessoas com acesso ao sistema penitenciário. “Hoje, o sistema prisional do Ceará é tido como uma instituição pública com alta regulação de segurança, porém esse critério de segurança não pode significar a ausência de informações, pois ainda são de responsabilidade pública”, questiona.

A cobrança de uma ação do poder público no Ceará já virou até hashtag #SAPBoletimEpidemiológiconoCearáJá onde é possível ter acesso, na página do projeto A Voz do Cárcere, ao relato da esposa de uma pessoa infectada dentro da CPPL2 em Itaitinga. A mulher só recebeu notificação de que o marido estaria internado com Covid-19 no Hospital São José três semanas após a internação.

Transferências arbitrárias

Kauhara Moreira que também faz parte da Frente pelo Desencarceramento aponta que esta desinformação esconde ações arbitrárias por parte do Estado do Ceará, a exemplo da transferência de 51 mulheres privadas de liberdade da Unidade Prisional de Sobral para o Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa (IPF), na Região Metropolitana de Fortaleza.

A ação não justificada pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) aconteceu sem comunicação à Defensoria Pública e ainda colocou em risco a vida das mulheres ao transferi-las para o IPF, onde havia, em maio de 2020, 28 casos confirmados de C-19, conforme matéria do Diário do Nordeste. Além dos casos já confirmados, Kauhara expõe a superlotação no IPF, o que torna a medida “extremamente grave”.

“Considerando que o encarceramento feminino carrega também a marca patriarcal do abandono dessas mulheres dentro dos presídios pela sociedade e pelo Estado, uma realidade distinta dos homens que tem porta-vozes do que acontece lá dentro através de suas mães, esposas. Então as mulheres presas ficam em maior desamparo, e o acesso às informações sobre a situação delas é comprometido. É uma medida arbitrária. A defensoria solicitou o retorno das 51 presas, mas até então nós da Frente não temos notícias do andamento”, reflete.

Pandemia e cárcere

A transferência contraria a recomendação nº 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que adverte da criação de comitês estaduais de combate à COVID 19, da concessão de prisão domiciliar para pessoas com doenças ou aspectos que associados ao vírus podem ser fatais e para pessoas em prisões preventivas que já ultrapassaram 90 dias, dentre outras medidas. Além disso, a recomendação propõe limpeza minuciosa de superfícies e disponibilização de materiais de limpeza para pessoas privadas de liberdade.

No entanto, a organização “Mães e familiares do Sistema Prisional no Ceará” denuncia que, apesar da SAP afirmar que há entrega de materiais de limpeza, os advogados contam que as pessoas encarceradas estão com pouco acesso a higiene. Além disto, a quantidade de testes realizados divulgados até agora corresponde a 9% da população carcerária no Ceará.

Ítalo Lima também chama atenção para a forma como os alvarás de soltura estão sendo feitos: “Pessoas privadas de liberdade, homens e mulheres estão saindo das unidades prisionais à noite no meio da BR-116, o que intensifica a sensação de insegurança”. Além disto, o integrante da Frente explica que o projeto “Mensagens de Amor”, criado pelo o Estado para proporcionar a troca de e-mails entre familiares e pessoas privadas de liberdade, é insuficiente e atende só uma parcela das famílias.

Kauhara Moreira reflete sobre a penalização das famílias: “Dentro do cárcere a violação de direitos, a tortura, a repressão ostensiva de caráter misógino e racista se legitima totalmente. Não apenas contra as pessoas em privação de liberdade, mas também suas famílias, que enfrentam diversos mecanismos de marginalização e criminalização que são uma rotina do modus operandi do sistema”.

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