Os bárbaros chegaram



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Por Rodrigo Novaes de Almeida

Começou jovem na empresa há mais de vinte anos. Chegou a diretor. Era amigo dos donos e se considerava um deles também. Mas os verdadeiros donos se cansaram do negócio e venderam a empresa para um grupo grande do país. O diretor farejou a oportunidade de crescer dentro daquele grupo e, como se costuma dizer, vestiu a camisa. “Novos colaboradores, vamos pagar menos, não importa como era antes, temos margem para cortar.” E os novos empregados chegavam contratados por dois terços do salário habitual. “Nada de direitos. Gente folgada, precisa mostrar serviço antes de vir com essa conversa de direitos. Competência é o que exigimos. Meritocracia é tudo. Vamos, ao trabalho. Sem férias, décimo terceiro, fundo de garantia, nada de distração, nada de supérfluo. Trabalho, trabalho. Vamos fazer aquele contratinho básico de prestação de serviço. Vacilou é rua. Assim é mais fácil, cancela o contrato de Fulano e pronto. Está muito lento? Dispensa. Aquele ali, quem é?” Trabalha a dez metros do diretor, todo dia, há mais de um ano. “Manda um e-mail: ‘Não precisamos mais dos seus serviços, Sicrana do financeiro vai acertar com você, está dispensado.’ E assim a máquina funciona, vencemos cada crise com eficiência e mostramos resultado, vamos trabalhar.” Passa ano. Reunião dos diretores, multinacional interessada em comprar todo o grupo. Outra oportunidade, calculou ele. “Mais cortes, mais otimização. Como adoro esta palavra: ‘otimização’. Digo, repito, durmo com ela, sonho com ela, acordo com ela. Faço a barba com ela também. Especialmente a barba.” Burburinho nos corredores, funcionários demais indo ao café. “Os colaboradores estão preocupados, senhor.” “Vamos levá-los a um bom restaurante, tudo pago. Vamos acalmar a equipe. Precisamos de mais sinergia, principalmente agora com essa fusão. Pensando bem, esse restaurante vai sair caro, temos que pensar na empresa. A empresa sempre em primeiro lugar. Tem a pizzaria aqui perto. É mais em conta.” Gastar com essa gente, céus. Gente folgada, pensou. “A bebida é por fora. Cada um que pague a sua e quem ficar bêbado, rua.” E toda a equipe é tranquilizada, pausa para fotos, sorrisos, “mostrem os dentes”, “as oportunidades serão para todos, empresa multinacional”, “espanhóis, ingleses, americanos?” Alguém soltou, quase-chiado, “estadunidenses”. “O quê?” “Nada, não.” “Quem são?” “Os bárbaros estão chegando”, entredentes. “Quem?” “Os bárbaros, esquece.” Ruídos. Todos falavam ao mesmo tempo à mesa da pizzaria. No outro dia, reuniões, intermináveis reuniões. E o diretor com camisa nova. Gravata nova, italiana. Sapato também, italiano. Calça. Cinto. “O que foi?” “Precisamos cortar. Há colaboradores para as mesmas funções.” “Vamos cortar.” “Mas é véspera de Natal, senhor.” “E daí? Manda todo mundo embora. Espera! Sou cristão, merda. Faz o seguinte, desliga primeiro os terceirizados, imediatamente.” “E os demais, senhor?” “Até o Carnaval a gente dispensa.” “Mais de duzentos, senhor.” “Já dá para fazer bloco. Não gostam de uma rua? Então. Meu feriado é em Búzios.” Meses depois, “o que foi agora?” “É o gringo, senhor.” “O que ele quer?” “Falar com o senhor.” “Boa tarde, tudo bem, dois diretores, uma diretoria, muito obrigado, passar bem.” Mais de vinte anos se passaram e os bárbaros chegaram.

Rodrigo Novaes de Almeida é escritor e jornalista nascido no Rio de Janeiro, Brasil (1976). Autor de Rapsódias – Primeiras histórias breves (contos, 2009), Carnebruta (contos, 2012) e A construção da paisagem (crônicas, com Christiane Angelotti, 2012). Site: http://www.rodrigonovaesdealmeida.com/


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