Laranjeira  



0 Comentários



(Pintura: “O Grito”, de Edvard Munch)

Por Vanessa Dourado

Chegou febril, a casa desorganizada, a pia lotada; o mundo parecia cinza. Não conseguia entender o que fazia com que se sentisse assim, frágil, como se nada no mundo fosse mais importante que viver algo que pudesse tirar seu corpo da inércia do labor diário.

Já não gostava mais do seu trabalho, odiava ter que dar bom dia para a Dona Luíza – secretária da redação –, com aquele sorriso forçado que desfazia-se em segundos, todos os dias pela manhã. Até o seu perfume – Anais Anais – fazia com que sentisse o cheiro da morte anunciada, o enterro dos seus dias sugados por aquela tela de computador. A verdade é que estava cansado, seus colegas não eram dos piores e a única coisa que parecia fazer algum sentido era poder conversar francamente com alguém que tivesse condições de entender o que dizia; e ainda assim, era difícil. Já há quatro meses o chefe havia trocado seu horário de trabalho – para as 7h da matina –, e esse certamente era o principal motivo do seu mau humor exacerbado, principalmente nas manhãs de segunda. O salário não era ruim, tinha autonomia, era tido como “um dos melhores”, mas nada disso parecia fazer muito sentido, já que sua insatisfação atingira o nível máximo aceitável para os seus próprios padrões de tolerância.

Pensou mais sobre isso, estava mesmo insuportável. Pensou mais um pouco, poderia estar com depressão, talvez. Mas, depois reconsiderou e achou que essa ideia era uma bobagem. Na verdade, ter que acordar cedo era tão ruim; era uma violência – afinal, acordar cedo não fazia sentido e ainda deveria fazer muito mal para a saúde, disso tinha certeza.

Sem muito mais, vieram as lembranças do término – já fazem dois anos, mas tinha a impressão de que nada tomara os espaços vazios, eles estavam lá como almas penadas. Pensou sobre relacionamentos, em como era uma loucura querer estar com alguém sabendo que – mais dia, menos dia – essa pessoa iria embora e deixaria a sua vida cheia de buracos, certamente não era uma escolha inteligente. Primeiro todo o trabalho para conhecer e tornar-se íntimo de alguém, um esforço insano para entender, aceitar e conviver com as diferenças – muitas vezes insuportáveis; sentir-se conectado com alguém como se o mundo não fosse completo sem a sua presença; o empenho desmedido para encaixá-la nos planos, nas viagens e nos espaços. Era uma demência, não queria mais isso.

Parou por um momento, exausto do dia cansado e arrastado. Acordou com o despertador tocando às 6h da manhã, o cheiro da laranjeira o fez vomitar.

Vanessa Dourado é poetisa e feminista latino-americana


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *