Dzi Croquettes: a arte revolucionária



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Quando afirmavam ao poeta que a única maneira de enfrentar a ditadura militar instaurada no Brasil em 1964, que com Ato Institucional n° 5 (AI-5), de 1968, passou a agir com mais violência e perversão era a adesão à luta armada, ele questionava:

– Por que em vez de agirmos com armas não fazemos arte?

O poeta se chamava Wagner Ribeiro, paulista que além da dedicação à escrita também era ator, bailarino, artista plástico e artesão. Foi justamente um texto de sua autoria intitulado Dzi Família Croquettes que estimulou a criação de uma das maiores experiências culturais que o mundo pôde se deparar. Wagner Ribeiro, além do texto que logo iria perder um pouco de sua pertinência devido à ousadia que a proposta da montagem exigia, também foi responsável pela reunião dos membros do núcleo inicial do grupo, cedendo inclusive sua casa para os primeiros ensaios.

A montagem ganharia novas dimensões com a introdução no grupo do bailarino, coreografo, cantor ítalo-americano Leonardo La Ponzina, conhecido como Lennie Dale, que levou técnicas de dança entre outras contribuições para aquele processo criativo, extremamente coletivo que se aflorava em 1972 no Rio de Janeiro. Surgia com gosto de gás os Dzi Croquettes, show de múltiplas linguagens artísticas, como teatro, dança e música, que iria modificar estruturalmente o significado do diálogo entre política e arte no Brasil e em vários cantos do planeta, influenciando artistas do naipe de Lize Menneli, Ney Matogrosso, Pedro Cardoso, Betty Faria, Miguel Falabela e grupos como Asdrúbal Trouxe o Trombone, As Frenéticas, só para citar alguns.

As propostas dos Dzi Croquettes, essa metralhadora de titânio, giratória, calibre ponto cinquenta, que esbagaçou opiniões e imposições de reacionários que se aproveitavam da situação política que passava o Brasil, eram tão fortemente revolucionárias que até hoje sofrem boicotes, um verdadeiro crime contra a memória do país. A grande maioria dos registros que se tem de partes das apresentações são originadas de terras gringas, pois por aqui eles não podiam arquivar imagens; os ditadores, não conseguindo entender nada o que o show dos Dzi Croquettes apresentava, se limitando a realizar críticas estritamente homofóbicas, não os permitiam.

A ausência dos registros deve ter implicado em imensas dificuldades para a produção, direção e montagem do documentário homônimo do grupo que permite desde 2009 que tenhamos um pouco de acesso a essa experiência transcendental tão covardemente ocultada pelos veículos de comunicação e pela intelectualidade daqui. Eu, por exemplo, desconhecia por completo essa dádiva da arte política brasileira, essa luz que pode e deve contribuir com as mudanças estruturais urgentes que teremos que dar conta. Dos membros do grupo lembro com muita lucidez de parte da atuação do arquiteto, cenógrafo, ator, bailarino e figurinista Cláudio Tovar, que junto a sua esposa, Lucinha Lins, em meados dos anos 80 apresentava um programa infantil na extinta Rede Manchete, chamado Lupu Limpim, Clapa Topo. Recordo que era um programa televisivo para crianças bem diferente dos demais da época, por trabalhar com temáticas referentes ao universo das fábulas e contos infantis, com adaptações de figurino, oralidade e cenografia encantadoras, acredito eu, frutos da sensibilidade e inteligência de um artista completo como Cláudio Tovar.

A realização de uma “arte política” depende diretamente das intenções da obra, da sua funcionalidade e das reações que essa provoca em seu público. Podemos dizer que os Dzi Croquettes, com uma estética própria e revolucionária, promoveu muitos estímulos para a tomada de consciência de pessoas que ousaram mudar, enfrentando a repressão cotidiana típica do clima que uma intervenção militar das proporções da última ditadura oficial brasileira causa. Dificilmente iremos encontrar algo mais político do que formas e conteúdos expressos de nossos corpos e de nossas mentes. O ser humano é um ser essencialmente político, embora essa essência obtenha um desgaste quando delegamos alguém para agir em nosso lugar, continuamos fazendo políticas em nossas atuações sociais por mais simplistas, descompromissadas e intimistas que essas atuações possam ser.

A proposta dos Dzi Croquettes teve a proeza de ser crítica sem ser panfletária, séria sem perder a alegria, agressiva, mas nada violenta. Os movimentos pela livre diversidade sexual de hoje, por exemplo, devem muito aos Dzi e àqueles que deram a cara a tapa nos anos de chumbo que até hoje nos assombram e nos atormentam.

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(Foto: divulgação documentário “dzi croquettes”)

O documentário sobre o grupo, dirigido por Tatiana Issa e Raphael Alvarez, é uma grande contribuição para a cultura brasileira, além de tecnicamente perfeito traz consigo uma forte carga de emotividades que, pelo que entendi, faz referência direta à maneira como o show dos Dzi Croquettes acontecia. Por mais frios que tenham nos tornado, existe algo dentro da caixa torácica de cada um de nós chamado coração e ele é tão importante quanto nosso cérebro.

Percebo uma questão fundamental na compreensão do que foi o Dzi: a luta pela liberdade ainda é uma prioridade e não podemos esquecer que as prisões estão estabelecidas em várias instâncias dessa sociedade, promovendo injustiças e frustrações.
Dedico essas poucas e humildes linhas, que na verdade são o desabafo de um “filho bastardo” dos Dzi, aos membros desse fenômeno da arte que ainda estão vivos: Benedicto Lacerda, Ciro Barcelos, Cláudio Tovar, Rogério de Poly e Bayard Tonelli e aos que já partiram: Wagner Ribeiro, Lennie Dail, Reginaldo de Poly, Paulo Bacellar, Carlos Machado, Roberto de Rodrigues, Cláudio Gaya e Eloy Simões; muito obrigado por tudo que vocês fizeram pela gente.

E que não percamos a noção: “só o amor constrói”. Dzi, Dzi, Dzi pra vocês.

Veja abaixo o documentário sobre o grupo:

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=rgy8fXEqw98]

Augusto Azevedo é  tesoureiro do sindicato dos black blocs e perito em desarmamento de balengotengo


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