Kant Bar



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(Arte: Vitor Grilo/Revista Berro)

O ambiente azulado, um quase escuro no rosto iluminado de quem reflete as letras das canções. O karaokê levando corações a passeio em plena avenida Bezerra de Menezes, sob os olhares dos espíritos das noites e dos roedores que estão do outro lado da rua. Prestando bem atenção nas feições de quem segura o microfone, o semblante é quase sempre ébrio e feliz,apesar das canções melancólicas. Compreender as várias solidões ali presente é tarefa complicada, apesar de quase poder tocá-las na sua presença em forma de insegurança.

Quem canta sobre solidão nem sempre é uma pessoa solitária. Falo isso por pura ignorância de achar que é impossível não ser sozinha nesse mundo. O boom das separações na década de oitenta tá aí pra provar isso: uma expansão de consciência dizendo que é possível sermos pessoas felizes e sozinhas, cantando ou à procura. Lembrei de um conhecido que fala que ser liso é o maior esporte radical que existe, e isso vem muito à tona quando a cerveja é mais de dez reais. Aqui é dez, que isso sirva de recorte histórico dos bares, para que baixem o preço da cerveja pra quem vai beber por amor. Aquele conhecido deve ser desse tipo que gasta os últimos cinco reais do bolso para poder cantar enquanto atravessa a noite.

É complicado vir aos bares e não notar a quantidade de pessoas com o brilho dos smartphones refletindo em feições padrão. Aqui, as pessoas às vezes fazem consulta nos aparelhos pra saber nome de música, pra depois procurar no catálogo surrado de mais de dez anos de cantoria e descuido. Não sentei aqui nesse bar pra quase reclamar. Fico com o reflexo das imagens nonsenses do karaokê do Kant Bar nas feições ébrias das pessoas – uma pessoa esquiando na neve, uma casa no meio da floresta, uma imagem estourada de uma praia qualquer.

Deu vontade de pedir uma música. Ultimamente criei um hábito de toda vez que me embriagar aqui eu vou cantar Zanzibar no microfone desse lugar no começofinal da Bezerra de Menezes, onde os cantores vivos e mortos são revisitados. Essa sensação de praia de nudismo que a ebriedade dá, onde as vergonhas são postas lado a lado com a epifania, as duas, nuas e solitárias. O dono do bar pede pra não gritar e nem bater palma depois da meia-noite, mas o bar, se for pra continuar cantando, sussurra até o dia amanhecer, momento em que esquecemos o troco do pagamento da vida que a gente recebe em cada esquina dessa cidade.

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João Ernesto – jernesto@revistaberro.com


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