Carroças, jumentos e 4×4



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Chico Piancó Neto

Cearense é um bicho arretado. Atento no desenrolar do mundo, é antenado em tudo o que há de mais moderno. Não perde a oportunidade de mostrar uma novidade ao colega: – Tá vendo esse? Além de fazer tudo que o teu celular faz, só destrava com o meu olho! Tem que olhar a minha retina! Realmente somos fascinados por novidades tecnológicas de toda sorte.

E carros? Nossa, em matérias de carros, a nossa “elite” é a campeã dos carrões. Os famosos 4×4 dominam a cena. Fortaleza é a cidade que proporcionalmente mais modelos de veículos desse porte abriga no país. Não se importa se queima mais combustível, se polui mais o ambiente, ou se o tamanho de um veículo off-road é duas vezes maior que um carro de passeio.

O que deveria existir também seria um outro olhar no jeito que a gente lida com a nossa cidade. Neste aspecto, parecemos muito ainda com jumentos puxando carroças. Não temos a mínima educação no trânsito. Não privilegiamos ninguém, além de nós mesmos. Aproveitamo-nos do tamanho do nosso carro a bel prazer, e não raro, estacionamos os verdadeiros monstrengos no meio da calçada, em pleno horário do rush. E a buzina? Quanto maior o carro, mais estridente ela é. E meus ouvidos, já em processo de surdez por tanto barulho de ônibus, britadeira, carro de campanha política, ainda tem que ouvir esse jumento batizado apertar a pleno vapor seu tangedor de mulas, ou seria malas sem alça, iguaizinhos a ele?

Deveríamos olhar exemplos de outros países, como a Dinamarca, por exemplo. Em Copenhague, capital de lá, 50% das pessoas usam bicicletas no seu dia a dia. 35% de toda a população economicamente ativa se locomove de bicicleta, mesmo morando longe, nos subúrbios. Aqui vejo mais gente usando bicicleta vindo do Eusébio ou de Maracanaú para trabalhar na Aldeota ou Montese do que gente que mora nesses bairros usando as magrelas. Quanto maior o poder aquisitivo, maior o números de carros do cearense.

Um dado curioso sobre o uso de bicicletas em Copenhague vem do parlamento dinamarquês: 63% dos seus membros se locomovem diariamente de bicicleta! Isso sim seria uma verdadeira utopia em terras alencarinas. Estamos acostumados com temperaturas próximas a quarenta graus, e nossos políticos são acostumados a rodar capital e interior (seu curral eleitoral) em valentes pick-ups, com ar-condicionado igual ao clima do país escandinavo. Aliás, o clima é o que menos afeta os dinamarqueses ao saírem de duas rodas, mesmo com temperaturas negativas boa parte do ano.

O atual prefeito de Fortaleza criou novas ciclovias, no intuito de seguir a tendência mundial de desafogar o conturbado trânsito. Só que, na lógica inversa, construiu também mais viadutos, túneis, dando mais espaço ainda aos carros. Ele mesmo deveria fazer como os políticos ao redor do mundo e dá o bom exemplo, pedalando. Achou melhor perder peso fazendo uma cirurgia bariátrica. Contrastes à parte, cabe a nós utilizarmos, respeitarmos e educar nosso trânsito pra essa nova realidade superpovoada. Será pedir demais para uma “elite” que aprendeu a comprar carros ultramodernos, mas na hora de ser educado ao trânsito não passa de jumentos dirigindo carroças?

Chico Piancó Neto é administrador, escritor, poeta e tenta enxergar além do que o sistema quer que vejamos


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