Você vai nascer, mulher!



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Buceta Universo(Desêin: Ramon Sales)

Você vai nascer, mulher. Logo quando chegar ao mundo, alguém vai dizer que você é uma princesinha. Todas as suas roupas serão cor-de-rosa. Farão um furo em sua orelha e colocarão um adorno delicado para que todas as pessoas percebam que você é uma menina, e não um menino.

Logo depois, você ganhará várias bonecas, todas lindas. Você olhará para este objeto e entenderá como as mulheres devem ser, como deve ser o corpo, os cabelos, a pele, a roupa, a maneira de se colocar no mundo.

Você vai ouvir as pessoas falarem sobre a sua aparência e sobre o seu cheiro. Vão dizer que deve emagrecer, que deve cuidar dos cabelos, das unhas, prestar muita atenção na roupa com a qual sairá à rua. Será elogiada quando for uma menina boazinha e olhos de inquisição a condenarão quando você for rebelde, independente e questionadora. Sendo branca, terá mais sorte.  O mundo será mais gentil e agradável. Se você for negra, ouvirá – por toda a vida – vários comentários sobre os seus cabelos e sobre partes específicas do seu corpo.

A relação com os meninos será complicada. Eles farão comentários sobre você, mas raramente falarão com você diretamente. Sua forma será sempre mais importante que a sua voz. Por isso, aprenderá que deve falar menos. Aprenderá que, para não ser invisível, deverá ter uma forma que agrade. Os centros de estética e os salões de beleza farão parte do seu cotidiano. Por onde você for, encontrará exemplos de como cuidar da aparência. Quanto melhor for a sua forma, de acordo com o padrão colocado, mais inserida na sociedade você será. Só assim você será feliz.

Você vai ser sempre vista como uma potencial mãe e esposa. Deverá ser delicada, amorosa, desejável, uma boa cuidadora, um poço de compreensão e compaixão. Se você gostar de meninas, será hostilizada pelos meninos e isolada pelas meninas. Se vir a si mesma como um menino, será considerada um extraterrestre. Se gostar de meninas e meninos, será vista como incapaz de decidir sobre a sua sexualidade. Sua vida afetiva será sempre jogada à discussão coletiva, você terá sua privacidade invadida e sua intimidade achincalhada em rodas de conversas e mesas de bar.

Se você gostar de sexo, será uma puta. Se não gostar, será uma frígida. Se casar com um homem e tiver uma família, será uma mulher de respeito.  Se não quiser mais o casamento, será insensível, acusada de ser egoísta e não pensar no bem-estar dos filhos. Se for deixada, será sempre questionada sobre o que você fez para provocar isso.

Um dia pode ser que você não goste mais de ser esta mulher. Cansada, você tentará ir contra tudo isso. Será chamada de louca e histérica. Nos momentos em que sentir desespero por não saber de onde vieram todos estes padrões e regras e se sentir triste por isso, será acusada de estar fazendo drama. Muitas vezes dirão que você está se vitimizando.  Não entendendo bem o que fazer, você vai procurar saber mais sobre a vida e como você gostaria de vivê-la.  Vai descobrir histórias incríveis, vai querer ser outra mulher. Entendendo como gostaria de estar nos espaços, você vai mudar, vai procurar outras mulheres que tenham o mesmo desejo. Juntas vocês vão quebrar padrões. Serão hostilizadas, diminuídas, agredidas, desafiadas.

Você nunca mais será uma mulher ideal. Seus verbos nunca mais serão conjugados em primeira pessoa do singular. Você nunca mais estará sozinha, pensará sozinha, viverá sozinha. Você vai nascer, mulher.  

Vanessa Dourado é poetisa e feminista latino-americana


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